Livro Céu e o Inferno – Segunda Parte – Capítulo II Espíritos Felizes – Allan Kardec

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Sr.
Sanson

O Sr.
Sanson, antigo membro da Sociedade Espírita de Paris, morreu a 21 de abril de 1862, após um ano de cruéis padecimentos.
Prevendo o seu fim ele havia dirigido ao presidente da sociedade uma carta contendo a seguinte passagem:

No caso de uma súbita separação de minha alma e meu corpo, venho lembrar-vos uma solicitação que já vos fiz há cerca de um ano.
É a de evocar o meu Espírito o mais rapidamente possível e sempre que julgardes conveniente, a fim de que, membro bastante inútil da nossa sociedade durante a minha permanência na Terra, eu possa servir para alguma coisa além do túmulo, proporcionando-vos os meios de estudar fase por fase, através das evocações, as diversas circunstâncias decorrentes do que o vulgo chama de morte, mas que para nós, espíritas, é apenas uma transformação, segundo os desígnios impenetráveis de Deus, mas sempre útil ao fim que ele se propôs.

Além desta autorização e pedido para me dardes a honra dessa espécie de autópsia espiritual, que o meu tão reduzido adiantamento espiritual tornará talvez estéril, caso em que a vossa prudência vos levará naturalmente a não ir muito além de um certo número de experiências, ouso vos pedir pessoalmente, bem como a todos os meus colegas, suplicarem ao Todo-Poderoso permitir aos bons Espíritos que me assistam com os seus conselhos benevolentes.
Em particular a São Luís, nosso presidente espiritual, no sentido de me guiar na escolha e na época de uma reencarnação.
Porque desde o presente isso me preocupa muito.
Temo enganar-me quanto às minhas forças espirituais, pedindo a Deus demasiado cedo e presunçosamente uma vida corporal na qual não pudesse justificar a bondade divina, ou que, em lugar de servir ao meu adiantamento prolongasse a minha permanência na Terra ou algures, caso eu viesse a fracassar.

Para atender ao seu desejo de ser evocado o mais cedo possível, após o seu passamento dirigimo-nos à câmara mortuária com alguns membros da sociedade e, na presença do corpo, deu-se a comunicação seguinte, uma hora antes do enterro.

Tínhamos com isso um duplo objetivo: o de cumprir a sua última vontade e o de observar mais uma vez a situação da alma num instante assim tão próximo da morte.
E isso com um homem eminentemente inteligente, esclarecido e profundamente convicto dos princípios espíritas.
Interessava-nos verificar a influência dessas convicções sobre a situação do Espírito, colhendo para isso as suas primeiras impressões.

Nossa expectativa não foi frustrada.
O Sr.
Sanson relatou com perfeita lucidez o instante da transição.
Ele havia assistido à sua própria morte, vendo-se também renascer, circunstância pouco comum e que se deve à elevação do seu Espírito.

I (Câmara mortuária, 23 de Abril de 1862.
)

1.
Evocação

— Atendo ao vosso chamado para cumprir a minha promessa.

2.
Meu caro Sr.
Sanson, cumprimos um dever e sentimos prazer ao vos evocar o mais cedo possível após a vossa morte, como era do vosso desejo.

— É uma graça especial de Deus que permite ao meu Espírito poder comunicar-se.
Agradeço a vossa boa vontade, mas estou fraco e tremo.

3.
Sofrestes tanto que podemos, segundo penso, perguntar como estais agora.
Sentís ainda as vossas dores? O que sentís ao comparar a vossa situação presente com a de há dois dias?

— Minha situação é bem feliz, pois nada sinto de minhas antigas dores.
Estou recuperado e renovado, como costumais dizer.
A transição da vida terrena para a vida espiritual devia me tornar tudo incompreensível, de início, pois às vezes permanecemos muitos dias sem recobrar a lucidez.
Mas, antes de morrer fiz uma prece a Deus pedindo-lhe que me permitisse falar aos que quero bem.
E Deus me ouviu.

4 .
Quanto tempo levastes para recobrar a lucidez mental?

— Oito horas.
Deus, repito, me havia dado uma prova da sua bondade.
Julgou-me bastante digno e jamais poderei agradecer-lhe como devo.

5.
Estais bem certo de não pertencer mais ao nosso mundo? Como o constatastes?

— Oh! Claro que não sou mais do vosso mundo.
Mas estarei sempre perto de vós para vos proteger e vos sustentar na pregação da caridade e da abnegação que orientaram a minha vida.
Além disso ensinarei a verdadeira fé, a fé espírita que deve elevar a crença do justo e do bom.
Sinto-me forte, bastante forte.
Numa palavra, estou transformado.
Não reconhecereis mais o velho inseguro que devia afastar-se de tudo, abandonando qualquer prazer e alegria.
Sou Espírito.
Minha pátria é o espaço e o meu futuro é Deus que irradia pela imensidade.
Queria muito falar aos meus filhos para lhes ensinar o que eles sempre mostraram má vontade de acreditar.

6.
Que efeito vos produz a visão do vosso corpo aqui ao lado?

— Meu corpo, pobre e mísero despojo, tem de voltar à poeira, mas guardo comigo a boa lembrança de todos os que me estimaram quando encarnado.
Olho esta pobre carne deformada que foi habitação do meu Espírito e a prova de tantos anos! Obrigado, meu pobre corpo! Purificaste o meu Espírito.
O sofrimento dez vezes santo proporcionou-me boa recompensa, pois encontro tão depressa a possibilidade de falar-vos.

7.
Conservastes as vossas idéias até o último instante?

— Sim, meu Espírito conservou as suas faculdades.
Perdi a visão, mas pressentia.
Toda a minha vida se desenrolou na minha memória e a minha última lembrança, meu derradeiro pedido foi o de poder falar convosco, como o faço.
Depois pedi a Deus para vos proteger, a fim de que o sonho da minha vida se realizasse.

8.
Tivestes consciência do momento em que o vosso corpo dava o último suspiro? O que se passou convosco nesse momento? Que sensações experimentastes?

— A vida se extingue e a vista, ou antes a vista do Espírito se apaga.
Encontra-se o vácuo, o desconhecido, e levado por não sei que sortilégio a gente se encontra num mundo onde tudo é alegria e grandeza.
Eu não sentia mais, não dava mais conta de mim mesmo, e não obstante uma inefável felicidade me envolvia, não sentia mais o aguilhão da dor.

9.
Tendes ciência.
.
.
(do que me propus a ler no vosso túmulo?)

Pronunciadas apenas as primeiras palavras, o Espírito respondeu, antes que eu acabasse a leitura.
Respondeu também, sem que nada lhe perguntassem, ao que discutiam os assistentes sobre a conveniência de se ler a sua comunicação no cemitério, em virtude da presença de pessoas que poderiam ou não participar das suas opiniões.

— Oh, meu amigo, eu o sei, pois já estive ontem convosco, como já estive hoje.
Minha satisfação é muito grande! Obrigado, obrigado! Falai, para que possam me compreender e vos apreciar.
Nada temais, pois todos respeitam a morte.
Falai, pois, para que os incrédulos adquiram a fé.
Adeus.
Falai, coragem, confiança, que possam os meus filhos converter-se a uma crença tão honrosa!

J.
Sanson

Durante a cerimônia do cemitério ele ditou as seguintes palavras:

Que a morte não mais vos atemorize, meus amigos.
Ela é para vós apenas uma etapa, se tiverdes sabido viver bem.
É uma felicidade, se a tiverdes merecido dignamente, cumprindo bem as vossas provas.
Repito-vos: Coragem e boa vontade! Não deis mais do que um medíocre valor aos bens terrenos e sereis recompensados.
Não se pode gozar muito, sem roubar o bem estar dos outros, praticando moralmente um imenso mal.
Que a terra me seja leve!

II

(Sociedade Espírita de Paris, 25 de Abril de 1862.
)

1.
Evocação.
— Meus amigos, estou perto de vós.

2.
Ficamos felizes com a conversa que mantivemos convosco no dia do vosso enterro.
E desde de que o aceiteis, seremos felizes de completar o assunto para nossa instrução.

— Estou ao vosso dispor, contente porque pensais em mim.

3.
Tudo o que nos puder esclarecer sobre as condições do mundo invisível, fazendo-nos compreendê-lo, representa elevado ensinamento, pois é a falsa idéia que se tem a seu respeito que leva freqüentemente à incredulidade.
Não vos admireis, pois, com as perguntas que vos fizermos.

— Não me admirarei e espero as vossas perguntas.

4.
Descrevestes com bastante clareza a passagem da vida para a morte.
Dissestes que no momento em que o corpo exala o último suspiro a vida se extingue e a vista do Espírito se apaga.
Esse momento é seguido de uma sensação penosa e dolorosa?(49)

— Sem dúvida, porque a vida é uma seqüência incessante de dores e a morte é o complemento de todas essas dores.
É por isso que se verifica uma ruptura violenta como se o Espírito tivesse de fazer um esforço sobrehumano para escapar do seu envoltório.
É esse esforço que absorve todo o nosso ser, não lhe permitindo compreender a transformação porque passa.

Essa não é a regra geral.
A experiência mostra que muitos Espíritos perdem a consciência antes de expirar, mas que entre os que chegaram a um certo grau de espiritualização a separação se realiza sem esforços.

5.
Sabeis se há Espíritos que sofrem mais nesse momento? Ele é mais penoso, por exemplo, para o materialista, para aquele que crê que tudo então se acaba para ele?

— Isso é certo, porque o Espírito preparado já superou os sofrimentos anteriores, ou melhor, habituou-se a sofrer e a serenidade com que aguarda a morte o livra de sofrer duplamente, mesmo porque ele sabe o que o aguarda.
O sofrimento moral é o mais doloroso e a sua ausência no instante da morte representa grande alívio.
Aquele que não crê se parece ao condenado à pena capital, que no seu pensamento vê a lâmina e ao mesmo tempo o desconhecido.
Há uma semelhança entre essa morte e a do ateu.

6.
Há materialistas bastante endurecidos para acreditarem seriamente, nesse momento supremo, que vão ser reduzidos a nada?

— Sem dúvida, há os que crêem nisso até a última hora.
Mas no momento da separação o Espírito sofre um retorno às profundezas de si mesmo, a dúvida então o envolve e o tortura, levando-o a se perguntar no que irá se transformar.
Ele quer compreender alguma coisa e não consegue.
A separação nunca se faz sem essa impressão.

(49) A vista do espírito se apaga .
Este dado é importante porque se relaciona com o problema da percepção espiritual.
O Espírito não percebe por órgãos especiais, mas por todo o seu corpo.
A transferência da visão, de um campo específico para o geral, requer algum tempo de adaptação.
Veja-se, no O Livro dos Espíritos, o capítulo Ensaio teórico sobre as sensações nos espíritos.
(N.
do T.
)

Um Espírito nos deu, em outra ocasião, o quadro seguinte do fim do incrédulo:

O incrédulo endurecido experimenta nos seus últimos momentos as angústias desses terríveis pesadelos em que nos vemos à beira de um precipício, prestes a cair no abismo, fazendo inúteis esforços para escapar, sem conseguir recuar.
Nesses momentos queremos agarrar a alguma coisa, encontrar um ponto de apoio, mas nos sentimos deslizar.
Queremos gritar e não podemos articular palavras.
É assim que vemos o moribundo se contorcer, crispar as mãos e emitir sons angustiados, sinais certos do pesadelo em que se encontra.
No pesadelo comum o despertar nos livra do desespero e ficamos felizes ao constatar que tudo foi apenas um sonho.
Mas o pesadelo da morte se prolonga, às vezes por longo tempo, até mesmo por anos, e o que torna a sensação ainda mais penosa para o Espírito são as trevas em que ele às vezes se vê mergulhado.

7.
Dissestes que no momento de morrer perdestes a vista, mas que podíeis pressentir.
Compreende-se que não tínheis a visão corporal, mas antes que essa visão se apagasse já entrevíeis a claridade do mundo espiritual?

— Foi o que eu disse anteriormente: o instante da morte torna o Espírito clarividente.
Os olhos deixam de ver, mas o Espírito, que possui visão mais profunda, descobre instantaneamente um mundo desconhecido, e a verdade que assim lhe aparece subitamente lhe confere, embora por momentos, uma grande alegria ou uma tristeza inexplicável segundo o estado da sua consciência e a lembrança da sua vida passada.

Trata-se do instante anterior àquele em que o Espírito perde a consciência.
Isso explica o emprego da expressão por momentos, pois as mesmas impressões agradáveis ou penosas prosseguem após o despertar.

8.
Quereis dizer o que, no momento em que os vossos olhos se reabriram para a luz, vos emocionou entre tudo o que vistes? Quereis descrever-nos, se possível, o aspecto das coisas que então se apresentaram a vós?

— Quando pude voltar a mim e ver o que havia diante dos meus olhos, estava como ofuscado e não percebi bem as coisas porque a lucidez não se restabelece instantaneamente.
Mas Deus, que me deu uma profunda prova da sua bondade, permitiu que eu logo recobrasse as minhas faculdades.
Vi-me cercado de numerosos e fiéis amigos.
Todos os Espíritos protetores que nos assistem me cercaram sorridentes.
Uma felicidade sem par os animava e eu mesmo, forte e bem disposto, senti que podia transportar-me sem dificuldades através do espaço.
O que então vi, não há palavras para que eu possa explicá-las nas línguas humanas.

Voltarei para vos falar mais amplamente de todas as minhas venturas, sem entretanto ultrapassar o limite estabelecido por Deus.
Sabei que a felicidade, como a entendeis, é apenas uma ficção.
Vivei prudentemente, santamente, no espírito de caridade e amor e estareis preparados para as sensações que os vossos maiores poetas não poderiam cantar.

Os contos de fadas estão sem dúvida cheios de coisas absurdas.
Mas não seriam eles, em alguns pontos, a pintura do que se passa no mundo dos Espíritos? O relato do Sr.
Sanson não se assemelha a de um homem que, tendo dormido numa cabana pobre e obscura, de repente acordasse num esplêndido palácio, em meio de uma corte brilhante?

III

9.
Sob que aspecto os Espíritos se vos apresentaram? Sob o da forma humana?

— Sim, meu caro amigo, os Espíritos nos haviam ensinado, aí na Terra, que eles conservam no outro mundo a forma transitória que tinham nesse.
E essa é a verdade.
Mas que diferença entre a máquina informe que se arrasta penosamente ao peso das provas e a fluidez maravilhosa dos corpos dos Espíritos! A fealdade não existe mais, porque os traços perderam a dureza de expressão que caracteriza a raça humana.
Deus abençoou todos esses corpos graciosos que se movem com todos os encantos da forma.
A linguagem tem entonações intraduzíveis para vós e o olhar possui o mistério das estrelas.
Procurai ver, pelo pensamento, o que Deus poderia fazer em sua onipotência, como o arquiteto dos arquitetos, e tereis feito uma frágil idéia da forma dos Espíritos.

10.
Como vêdes a vós mesmo? Reconhecei-vos dotado de uma forma limitada, circunscrita, embora fluídica? Possuis uma cabeça, um tronco, braços e pernas?

— O Espírito, tendo conservado a forma humana, mas divinizada, idealizada, tem sem dúvida todos os membros de que falais.
Sinto perfeitamente as pernas e os dedos, pois podemos, por nossa vontade, aparecer-vos e apertar-vos as mãos.
Estou próximo a vós todos e apertei as vossas mãos amigas, sem que o percebesseis.
Nossa fluidez nos permite estar em qualquer lugar sem ocupar espaço e sem provocar nenhuma sensação nas pessoas, se for esse o nosso desejo.
Neste momento tendes as mãos cruzadas e tenho as minhas nas vossas.
Digo-vos: eu vos amo, mas o meu corpo não toma espaço, a luz o atravessa sem torná-lo visível.
E o que chamaríeis um milagre, se ele fosse visível, é para os Espíritos a continuidade de um fato comum de todos os instantes.

A visão dos Espíritos não pode ser comparada com a visão humana, da mesma maneira que os seus corpos não têm semelhança real, pois tudo se modifica no conjunto e na essência.
O Espírito, repito, tem uma perspicácia divina que a tudo atinge, podendo mesmo adivinhar o vosso pensamento.
Por outro lado, pode tomar a forma que melhor lhe convenha para despertar as vossas lembranças.
Mas, neste ponto, o Espírito superior que terminou as suas provas prefere a forma da existência que pode fazê-lo aproximar-se de Deus.

11.
Os Espíritos não têm sexo.
Entretanto, como ainda há poucos dias éreis um homem, tendes neste novo estado uma natureza mais masculina do que feminina? Acontece o mesmo com um Espírito que tivesse deixado o seu corpo há muito tempo?

— Não temos de possuir natureza masculina ou feminina: os Espíritos não se reproduzem.
Deus os criou pela sua vontade, e se, nos seus maravilhosos desígnios quis que os Espíritos se reencarnem na Terra, teve de acrescentar para isso a reprodução das espécies por meio das condições próprias do macho e da fêmea.
Mas vós o sentis, sem necessidade de nenhuma explicação — os Espíritos não podem ter sexo.

Sempre tem sido afirmado que os Espíritos não têm sexo, pois este só é necessário para a reprodução dos corpos.
Como os Espíritos não se reproduzem, o sexo para eles seria inútil.
Nossa pergunta não tinha por fim obter a confirmação desse fato.
Mas, em virtude da morte recente do Sr.
Sanson, quisemos saber se ele ainda conservava, nesse sentido, uma impressão da sua condição terrena.
Os Espíritos purificados compreendem perfeitamente a sua nova natureza, mas entre os Espíritos inferiores, não espiritualizados, há muitos que ainda se acreditam na mesma condição terrena, conservando as suas antigas paixões e os seus desejos.
Alguns ainda consideram como homens ou mulheres e é por isso que dizem que os Espíritos têm sexo.
É assim que certas contradições decorrem do estado mais ou menos adiantado dos Espíritos que se comunicam.
O erro não provém dos Espíritos, mas daqueles que os interrogam sem se darem ao trabalho de aprofundar as questões.

12.
Que aspecto vos apresenta a nossa sessão? Para a vossa nova visão tem o mesmo aspecto do tempo em que estáveis entre nós? As pessoas mostram-se com a mesma aparência? Tudo é claro e nítido como antes?

— Bem mais claro, pois eu posso ler no pensamento de vós todos e sou muito feliz, graças, com a boa sensação que me causa a boa vontade de todos os Espíritos aqui reunidos.
Desejo que essa mesma harmonia possa existir não apenas em Paris, na reunião de todos os grupos, mas em toda a França, onde os grupos são desunidos e se invejam, instigados por Espíritos perturbadores que se divertem com a desordem, quando o Espiritismo deve ser o esquecimento completo e absoluto do eu.

13.
Dissestes que podeis ler no nosso pensamento.
Podereis nos explicar como se opera essa transmissão de pensamento?

— Isso não é fácil.
Para vos explicar esse estranho prodígio da visão dos Espíritos seria necessário lançar mão de todo um arsenal de elementos novos, para o que teríeis de conhecer tudo o que conhecemos, o que não é possível, pois as vossas faculdades estão limitadas pela matéria.

Paciência! Tornai-vos bons e conseguireis isso.
Tendes atualmente apenas o que Deus vos concedeu, mas com a possibilidade de progresso contínuo.
Mais tarde sereis como nós.
Tratai de morrer bem para saberdes muito.

A curiosidade que estimula a atividade pensante do homem vos acompanha certamente até a morte, reservando-vos para então a satisfação de todas as vossas curiosidades passadas, presentes e futuras.

Nessa expectativa eu vos direi, para responder mal ou bem a vossa pergunta: o ar que vos envolve, impalpável como nós, os Espíritos, está marcado pelos vossos pensamentos; o vosso próprio hausto é, por assim dizer, a página escrita dos vossos pensamentos.
Essas páginas são lidas e comentadas por Espíritos que constantemente se acercam de vós.
São eles os mensageiros de uma telegrafia divina a que nada escapa.
(50)

A Morte do Justo

Após a primeira comunicação do Sr.
Sanson, dada na Sociedade de Paris, um Espírito transmitiu, sob o título acima, a comunicação seguinte:

A morte do homem de que vos ocupais neste momento foi a do justo, quer dizer, uma morte calma e cheia de esperança.
Como o dia sucede naturalmente à aurora, a vida Espírita sucedeu para ele à vida terrena, sem abalo, sem ruptura, e o seu último suspiro foi exalado num verdadeiro hino de reconhecimento e de amor.
Como são poucos os que fazem assim essa difícil passagem! Como são poucos os que após as ilusões e os desesperos da vida percebem o ritmo harmonioso das esferas! Assim como o homem saudável, quando mutilado, sofre ainda a sensação dos membros perdidos, a alma do homem que morre sem fé e sem esperança se sente dilacerada e aflita ao escapar do corpo, lançando-se no espaço inconsciente de si mesma.

Orai por essas almas perturbadas, orai por todos os que sofrem.
A caridade não se restringe à humanidade visível: socorre e consola também os seres que povoam o espaço.
Tivestes a prova disso pela súbita conversão do Espírito tocado pelas preces espíritas que fizestes no túmulo desse homem de bem que deveis interrogar, pois deseja vos fazer progredir no caminho reto.

O amor não tem limites.
Expande-se no espaço dando e recebendo ao mesmo tempo as suas divinas consolações.
O mar se estende numa perspectiva infinita.
Seu limite no horizonte parece confundir-se com o céu e o Espírito se deslumbra com o magnífico espetáculo dessas duas imensidades.
Assim o amor, mais profundo do que o mar e infinito como o espaço, deve ligar-vos a todos, homens e Espíritos, na mesma comunhão da caridade, realizando a admirável fusão do efêmero com o eterno.

Georges.

Sr.
Jobard

(Diretor do Museu da Indústria de Bruxelas, nascido em Baissey, Alto Marne, e falecido em Bruxelas de um ataque de apoplexia fulminante a 27 de Outubro de 1861, com a idade de 69 anos.
)

O Sr.
Jobard era presidente honorário da Sociedade Espírita de Paris.
Pensávamos em evocá-lo na sessão de 8 de novembro, quando ele nos antecipou dando espontaneamente a seguinte comunicação.

Eis-me aqui, eu que querieis evocar e que desejei manifestar-me antes por este médium, ao qual inutilmente solicitei esse favor até agora.

Desejo contar-vos primeiramente as minhas impressões do momento da libertação de minha alma.
Senti uma comoção inexprimível.
Revi subitamente o meu nascimento, a minha juventude, o meu envelhecimento: toda a minha vida se apresentou nitidamente na minha memória.
Eu sentia, entretanto, o desejo de me encontrar nas regiões reveladas pela nossa querida doutrina.
Depois, toda essa agitação se apaziguou.
Sentia-me livre enquanto o meu corpo permanecia inerte.

Ah! Meus caros amigos, que alegria livrar-se do peso do corpo! Que embriaguez na amplidão do espaço.
Mas não acrediteis que eu me tornasse de súbito um eleito do Senhor.
Não, estou entre os Espíritos que, tendo assimilado pouco, têm ainda muito que aprender.
Não me demorei a lembrar-me de vós, meus irmãos no exílio, e vos asseguro toda a minha simpatia, vos envolvo nos meus melhores votos.

Quereis saber quais os Espíritos que me receberam? Quais foram as minhas impressões? Meus amigos eram todos aqueles que nós evocamos, todos os irmãos que participaram dos nossos trabalhos.
Vi o esplendor mas não o posso descrever.
Dediquei-me ao trabalho de discernir o que havia de verdadeiro nas comunicações, pronto a rejeitar todas as asserções errôneas, pronto a ser no outro mundo o mesmo cavaleiro da verdade que havia sido no vosso.

Jobard.

1.
Quando vivo, nos recomendastes para vos evocar quando houvesseis deixado a Terra.
Fazemo-lo, não só para atender ao vosso desejo, mas sobretudo para vos renovar o testemunho de nossa viva e sincera simpatia e também interessados na nossa instrução, porque vós, melhor do que ninguém, estais em condições de nos dar informações precisas sobre o mundo em que agora vos encontrais.
Seríamos felizes se quisésseis responder às nossas perguntas.

— Neste momento o que mais importa é a vossa instrução.
Quanto à vossa simpatia, eu a vejo e já não a percebo somente pela impressão dos ouvidos, o que representa para mim um grande progresso.

2.
Para firmar os nossos propósitos e não falar vagamente, perguntaremos primeiro em que lugar estais aqui e como vos veríamos caso o pudéssemos fazer.

— Estou perto do médium.
Vós me veríeis com a aparência do Jobard que sentava à vossa mesa, pois os vossos olhos mortais, ainda vendados, só podem ver os Espíritos sob a aparência mortal.
(51)

(50) Todo este item 13 é uma verdadeira aula sobre telepatia, que os atuais parapsicólogos deviam ler.
Toda a dificuldade encontrada pela Parapsicologia, na tentativa de controlar o processo telepático de maneira a poder utilizá-Io na vida prática, se resume nisso que o Sr.
Sanson revelou, ou seja: a telepatia depende da capacidade de libertação do espírito, da maior ou menor facilidade com que ele se desprende do corpo.
A frase: Tratai de morrer bem para saberdes muito encerra uma filosofia de vida e uma explicação científica da chamada visão paranormal.
A faculdade da visão é do espírito o não do corpo.
Uma vida espiritualizada liberta o espírito das limitações da matéria e conseqüentemente amplia a visão espiritual do homem, que cientificamente se conhece hoje como visão mental.
Quando a morte chega, o espírito, já semi-liberto em vida, não encontra dificuldade no uso natural de suas faculdades normais.
Por outro lado, os pensamentos são formas energéticas, segundo a própria Parapsicologia hoje admite, explicando-se portanto que se apresentem escritos ou impressos no elemento fluídico ou mais sutil da atmosfera e conseqüentemente do próprio hausto humano, que fisicamente serve para a articulação das palavras, traduzindo e transmitindo pensamentos no plano material.
(N.
do T.
)

(51) O grifo é nosso.
— Essa explicação de Jobard, tão simples, é de grande importância, implicando problemas relacionados com o nosso condicionamento aos sentidos orgânicos e às aparências do mundo físico, bem como referentes às questões de padronização de memória , hoje pesquisados pela Parapsicologia.
Também o problema de condicionamento à crença , levantado por Richet e atualmente em foco no meio parapsicológico, relaciona-se com essa referência de Jobard.
A questão de natureza do Espírito e da sua constituição energética é levantada por Jobard de maneira clara.
O perispírito é semelhante ao corpo físico, mas não é idêntico a ele em tudo.
A forma mortal é uma e a imortal é outra.
(N.
do T.
)

3.
Terieis a possibilidade de vos fazer visível para nós, e se não a tendes, o que é que se opõe a isso?

— A condição que vos é própria.
Um médium vidente me veria, os outros não.

4.
Esse lugar era o mesmo que ocupáveis quando vivo, assistindo as nossas sessões, e que nós sempre reservávamos.
Assim, os que então vos viam devem imaginar-vos e ver-vos da mesma maneira.
Se não tendes agora o corpo material, tendes o corpo fluídico que possui a mesma forma daquele.
Se não vos vemos com os olhos do corpo, vemos com os olhos do pensamento.
Se não podeis falar-nos de viva voz, podeis fazê-lo pela escrita com a ajuda do médium.
Nossas relações não estão, portanto, absolutamente interrompidas por causa da morte, e podemos conversar convosco tão fácil e perfeitamente como outrora.
É realmente assim que se passam as coisas?

— Sim, e o sabeis desde muito tempo.
Ocuparei este lugar freqüentemente e mesmo que não o percebais, porque o meu Espírito habitará entre vós.

Chamamos a atenção para esta última frase: Meu Espírito habitará entre vós.
Na circunstância em causa ela não constitui uma figura, mas corresponde à realidade.
Pelo conhecimento que o Espiritismo nos dá sobre a natureza dos Espíritos, sabemos que um Espírito pode estar entre nós, não só pelo pensamento, mas em pessoa, graças ao seu corpo etéreo que lhe dá a necessária distinção individual.
Um Espírito pode pois habitar entre nós depois da morte, como quando estava na vida corpórea, e ainda com mais facilidade, desde que pode fazê-lo quando quiser.
Temos assim uma multidão de companheiros invisíveis, uns indiferentes e outros ligados a nós pela afeição.
É sobretudo a estes últimos que se aplicam as palavras: eles habitam entre nós, que podemos traduzir assim: eles nos assistem, nos inspiram e nos protegem.

5.
Não faz muito tempo que vinheis sentar nesse mesmo lugar com o vosso corpo.
As condições atuais em que fazeis o mesmo não vos parecem estranhas? Que efeitos essa modificação produziu em vós?

— Essas condições atuais não me parecem estranhas, porque, desencarnado, o meu Espírito goza de uma lucidez que lhe permite compreender todas as questões referentes ao assunto.

6.
Lembrai-vos de haver estado nessas mesmas condições antes da vossa última existência e percebeis agora qualquer modificação?

— Lembro-me das existências anteriores e vejo que melhorei.
Agora eu vejo e compreendo em toda a extensão o que estou vendo.
Quando de minhas encarnações anteriores, Espírito perturbado, eu só me apercebia de cada existência terrena que havia deixado.
(52)

7.
Lembrai-vos da vossa penúltima existência, a que precedeu a do Sr.
Jobard?

— Na minha penúltima existência eu era um mecânico atormentado pela miséria e pelo desejo de aperfeiçoar o meu ofício.
Como Jobard realizei os sonhos desse pobre operário.
Agora louvo a Deus cuja infinita bondade fez germinar a pequenina semente que havia depositado em meu cérebro.

8.
Já vos comunicastes em outro lugar?

— Até agora pouco me comuniquei.
Em muitos lugares um Espírito tem se servido de meu nome.
Algumas vezes eu estava perto dele sem poder comunicar-me diretamente.
Minha morte é tão recente que ainda sofro algumas influências terrenas.
É necessário haver uma perfeita simpatia para que eu possa exprimir o meu pensamento.
Dentro em breve poderei agir indistintamente no tocante aos médiuns.
Por enquanto, ainda não o posso.
Quando um homem um tanto conhecido morre, é sempre chamado de todos os lados.
Então, muitos Espíritos se apressam a imitar a sua individualidade.
Foi o que aconteceu comigo em muitas circunstâncias.
Asseguro-vos que assim tão próximo da libertação poucos Espíritos podem comunicar-se, mesmo através de um médium de sua preferência.

9.
Vedes os Espíritos que aqui se encontram conosco?

— Vejo sobretudo Lázaro e Erasto.
Depois, mais distanciados, o Espírito de Verdade que paira no espaço.
Depois, ainda, uma multidão de Espíritos amigos que vos cercam, prestimosos e benevolentes.
Sois felizes, amigos, porque boas influências vos livram das calamidades do erro.

10.
Em vida participáveis da opinião que nos foi transmitida de que a Terra se formou pela incrustação de quatro planetas que teriam sido soldados num só.
Sois ainda da mesma opinião?

— Isso é errado.
As novas descobertas geológicas revelam os períodos de convulsão da Terra e a sua formação progressiva.
A Terra, como os outros planetas, teve o seu próprio desenvolvimento.
Deus não precisou lançar mão desse recurso violento, dessa grande desordem que seria a agregação de planetas.
A água e o fogo são os únicos elementos orgânicos da Terra.

11.
Acreditáveis também que os homens podiam cair em catalepsia durante um tempo ilimitado e que a espécie humana foi trazida dessa maneira para a Terra.

— Ilusão da minha imaginação, que ultrapassava sempre o objetivo.
A catalepsia pode ser longa, mas não indeterminada.
Tradições, lendas exageradas pela imaginação oriental! Meus amigos, já sofri bastante ao lembrar as ilusões que o meu Espírito alimentou: não vos enganeis.
Eu havia estudado muito e posso vos dizer que a minha inteligência, apta a observar tão vastos e diversos estudos, havia trazido, entretanto, da minha última encarnação o amor pelo maravilhoso e pelo imaginoso, que hauriu no contato com a imaginação popular.

(52) A evolução do Espírito aumenta a sua capacidade de ver o passado, sem que isso o prejudique diante dos erros cometidos.
É o que o Sr.
Jobard explica nesta passagem, ao escrever: Lors de mes précedentes incarnations, Esprit troublé, je ne m apercevais des lacunes terrestres.
Alguns tradutores não perceberam bem o sentido desta frase e conseqüentemente de todo o texto do nº 7.
As lacunas terrestres são as existências materiais na vida passada do Espírito.
O Espírito inferior só vê as suas lacunas, ou seja, depois de cada encarnação só se apercebe do que nela foi, não tendo conhecimento do seu passado espiritual.
(N.
do T.
)

Estou agora pouco ocupado com as questões puramente intelectuais, no sentido em que as considerais.
Como o poderia fazer, ofuscado, arrebatado como me encontro pelo maravilhoso espetáculo que me envolve? Somente a atração do Espiritismo, mais poderosa do que vós, homens, podeis conceber, pode fazer o meu Espírito voltar para esta Terra que deixei, não com alegria, pois isso seria uma impiedade, mas com a profunda gratidão da libertação.

Quando da abertura da subscrição, pela Sociedade, em favor dos operários de Lyon, em Fevereiro de 1862, um associado assinou 50 francos, sendo 25 em seu nome e 25 em nome do Sr.
Jobard.

A respeito disso, este último deu a seguinte comunicação:

Estou orgulhoso e reconhecido por não ter sido olvidado entre os meus irmãos Espíritas.
Agradeço ao coração generoso que fez a oferenda que eu teria feito se ainda estivesse no vosso mundo.
Naquele em que agora me encontro, não temos necessidade de dinheiro.
Eu teria, pois, de recorrer à bolsa da amizade para demonstrar materialmente que havia sido tocado pelo infortúnio dos meus irmãos de Lyon.
Bravos trabalhadores, que ardentemente cultivais a vinha do Senhor, como deveis estar certos de que a caridade não é uma palavra vã, pois todos, pequenos e grandes vos demonstram simpatia e amor fraterno.
Estais na ampla via humanitária do progresso.
Que Deus possa vos conservar nela, e que possais ser mais felizes.
Os Espíritos amigos vos sustentaram e triunfareis.

Começo agora a viver espiritualmente, mais tranqüilo e menos perturbado pelas evocações que de todos os lados choviam sobre mim.
A moda impera até mesmo entre os Espíritos.
Quando a moda Jobard for substituída por outra e eu tiver caído no esquecimento humano, pedirei então aos meus verdadeiros amigos, pelos quais entendo os que não se esquecem da nossa convivência, eu lhes pedirei que me evoquem.
Apuraremos então os problemas tratados muito superficialmente, e o vosso Jobard, completamente transfigurado, poderá vos ser útil, o que ele deseja de todo o coração.

Jobard.

Após os primeiros tempos, consagrados a tranqüilizar os seus amigos, o Sr.
Jobard tomou lugar entre os Espíritos que trabalham ativamente pela renovação social, enquanto espera o seu próximo retorno entre os vivos para mais diretamente agir nesse sentido.
Desde então, tem dado freqüentemente à Sociedade de Paris, da qual continua a ser membro, comunicações de superioridade incontestável, sem se afastar da originalidade e do bom humor espiritual que constituíam o fundo do seu caráter e nos permitem reconhecê-lo antes mesmo da sua assinatura.

Samuel Philippe

Samuel Philippe era um homem de bem em toda a acepção do termo.
Ninguém se lembraria de tê-lo visto cometer uma ação má nem de ter feito voluntariamente qualquer coisa errada.
De um devotamento sem limites para com os seus amigos, todos estavam sempre certos de o encontrar às ordens quando dele precisassem, mesmo em prejuízo dos seus interesses particulares.
Trabalhos, fadigas, sacrifícios, nada lhe custavam para ser útil e ele os fazia naturalmente, sem ostentação, admirando-se de lhe atribuírem algum mérito por isso.

Jamais quis mal aos que o tivessem prejudicado e procurava obsequiá-los com tanto préstimo como se lhe tivessem feito o bem.

Quando sofria com os ingratos costumava dizer: Não é a mim que se deve lamentar, mas a eles.
Embora muito inteligente e naturalmente dotado de muito espírito, sua vida, muito laboriosa, foi obscura e cheia de rudes provas.

Era uma dessas naturezas de elite que florescem na sombra, que o mundo não conhece e cuja luz não se expande sobre a Terra.
Havia adquirido, pelo conhecimento do Espiritismo, uma ardente fé na vida futura e uma grande resignação perante os males da vida terrena.
Morreu em Dezembro de 1862, com a idade de 50 anos, após uma dolorosa moléstia, sendo sinceramente chorado pela família e pelos amigos.
Foi evocado muitos meses após a morte.

P.
Lembrai-vos com clareza de vossos últimos instantes na Terra?

— Perfeitamente.
Essa lembrança me veio pouco a pouco, porque no momento as minhas idéias ainda estavam confusas.

P.
Quereis descrever-nos, para nossa instrução e pelo interesse que nos desperta a vossa vida exemplar, como se verificou a vossa passagem da vida corpórea para a vida espiritual, bem como a situação em que vos encontrais no mundo dos Espíritos?

— De boa vontade.
Este relato não será útil somente para vós, mas também para mim.
Voltando os meus pensamentos para a Terra, a comparação me permitirá apreciar ainda mais a bondade do Criador.

Sabeis de quantas tribulações foi cheia a minha vida.
Mas jamais me faltou a coragem na adversidade, graças a Deus, e hoje me felicito por isso.
Quanto eu teria perdido se houvesse fraquejado! Só ao pensar nisso senti-me desfalecer, vendo que meus sofrimentos teriam ficado sem proveito e deveria recomeçar.
Oh! Meus amigos, pudesseis compenetrar-vos bem desta verdade: ela interessa à vossa felicidade futura.
Não, certamente não é pagar muito caro por essa felicidade com alguns anos de sofrimento.
Se soubésseis como são poucos alguns anos em face do infinito!

Se minha última existência teve qualquer mérito aos vossos olhos, na verdade não poderíeis dizer o mesmo daquelas que a precederam.
Somente por grande esforço sobre mim mesmo consegui tornar-me no que sou agora.
Para fazer desaparecerem os últimos traços de minhas faltas anteriores, era-me ainda necessário sofrer essas derradeiras provas que voluntariamente aceitei.
Tirei da própria firmeza das minhas decisões a força para suportá-las sem lamentar.
Hoje as bendigo, a todas essas provas.
Graças a elas rompi minhas ligações com o passado que se tornou para mim apenas uma lembrança.
Posso agora contemplar com legítima satisfação o caminho percorrido.

Oh, vós que me fizestes sofrer na Terra, que fostes duros e maldosos para comigo, que me humilhastes e me cobristes de amargura, cuja má-fé freqüentemente me levou às mais ásperas privações, eu não só vos perdôo, mas vos agradeço! Querendo fazer-me o mal, não suspeitáveis que na verdade me fazíeis o bem.
Dessa maneira, é a vós que devo em grande parte a felicidade que hoje desfruto, porque me proporcionastes a ocasião de perdoar, retribuindo o mal com o bem.
Deus vos pôs no meu caminho para provar a minha paciência e me exercitar na prática da caridade mais difícil: a de amar aos nossos inimigos.

Não nos impacienteis com essa digressão.
Chegarei ao que me pedistes.

Embora tivesse sofrido cruelmente com a minha doença final, não passei pela agonia.
A morte foi para mim como um sono, como um sono tranqüilo.
Não tendo preocupações com o futuro, não me apeguei à vida.
Não tive, por conseguinte, de me debater nos últimos instantes.
A separação se operou sem esforços, sem dor e sem que eu houvesse sequer me apercebido.

Não sei quanto durou este último sono, mas foi breve.
O despertar foi tão calmo que contrastava com a minha situação anterior.
Eu não sentia mais dores e me regozijava com isso.
Desejava levantar-me, andar, mas uma espécie de suave entorpecimento, que nada tinha de desagradável, que tinha mesmo um certo encanto, me retinha e eu me entregava a um certo deleite sem ter consciência da minha situação e sem duvidar que já havia deixado a Terra.

Tudo o que me cercava me aparecia como num sonho.
Vi minha mulher e alguns amigos ajoelhados e chorando no meu quarto e disse para mim mesmo que sem dúvida me consideravam morto.
Quis desenganá-los, mas não consegui articular nenhuma palavra, donde concluí que devia estar sonhando.
O que me confirmou nessa idéia foi ver-me cercado de muitas criaturas amadas que haviam morrido há muito tempo e de outras que eu não reconhecia imediatamente, mas que pareciam velar por mim, esperando o meu despertar.

Esse estado era entretecido de instantes de lucidez e de sonolência, durante os quais eu recobrava e perdia alternadamente a consciência do meu eu.
Pouco a pouco minhas idéias foram adquirindo mais clareza.
A luz que eu só entrevia através de um nevoeiro se fez mais brilhante.
Então, comecei a reconhecer o meu estado e compreendi que já não pertencia mais ao mundo terreno.
Se eu não tivesse conhecido o Espiritismo, a ilusão se teria sem dúvida prolongado, por muito tempo.

Meus despojos mortais não haviam sido ainda enterrados, mas eu os considerava com piedade e me sentia feliz de haver me desembaraçado deles.
Era muito feliz de estar livre! Eu respirava com a facilidade de quem sai de uma atmosfera asfixiante.
Uma invisível sensação de felicidade impregnava todo o meu ser.
A presença das criaturas que eu amava me enchia de alegria e eu não estava surpreso de vê-Ias.
Isso me parecia muito natural, mas eu tinha a impressão de as rever após uma longa viagem.
Uma coisa me surpreendeu a princípio, o fato de nos compreendermos sem dizer palavra.
Nossos pensamentos se transmitiam pelo simples olhar e como por uma espécie de penetração fluídica.

Entretanto, eu ainda não estava completamente desligado das idéias terrenas.
A lembrança do que eu havia sofrido me voltava de quando em quando à memória, como para me fazer melhor apreciar a nova situação.
Eu havia sofrido fisicamente, mas sobretudo moralmente.
Havia sido alvo da malevolência, suportando essas mil perplexidades talvez mais penosas do que as desgraças positivas, porque nos mantêm numa constante ansiedade.
Essa sensação não se havia apagado inteiramente e às vezes eu me perguntava se já estava realmente de sembaraçado.
Parecia-me ouvir ainda algumas vozes desagradáveis.
Preocupava-me com as dificuldades que elas me haviam produzido tantas vezes e tremia sem querer.
Eu me tateava, por assim dizer, para me assegurar de que não era o joguete de um sonho.
E quando a certeza de que tudo isso havia acabado, me pareceu que me haviam aliviado de um peso enorme.

É bem verdade, dizia-me, que estou enfim liberto de todas essas preocupações que fazem o tormento da vida, e rendo graças a Deus por esse fato.
Era como um pobre que houvesse recebido de repente uma grande fortuna e que durante algum tempo duvida da realidade, sentindo ainda preocupações pelas suas necessidades.
Oh! Se os homens compreendessem a vida futura, quanta força, quanta coragem essa compreensão lhes daria nas adversidades! O que não fariam, durante sua existência na Terra, para se garantirem a felicidade que Deus reserva aos filhos que são dóceis às suas leis! Veriam então como são insignificantes os prazeres que invejam nessa vida, em face daqueles que desprezam!

P.
Esse mundo, tão novo para vós e perante o qual o nosso nada vale, e os numerosos amigos que reencontrastes vos fizeram esquecer a família e os amigos que deixastes na Terra?

— Se os houvesse esquecido eu seria indigno da felicidade que desfruto.
Deus não recompensa o egoísmo.
Ele o pune.
O mundo em que me encontro pode me levar a desdenhar a Terra, mas não os Espíritos que nela vivem encarnados.
Somente entre os homens é que vemos a prosperidade levar ao esquecimento dos companheiros de infortúnio.
Quero sempre rever os meus, sinto-me feliz com a saudade que eles sentem de mim, seu pensamento me atrai para eles.
Assisto às suas conversas, gozo com as suas alegrias, suas preocupações me entristecem, mas não se trata dessa tristeza cheia de ansiedade que sofremos na vida humana, porque compreendo que as suas dificuldades são passageiras e têm por fim levá-los ao bem.

Sinto-me feliz de pensar que um dia eles também virão para este plano feliz em que a dor é desconhecida.
Empenho-me em ajudá-los a se tornarem dignos disso.
Esforço-me para lhes sugerir bons pensamentos e sobretudo a resignação que eu mesmo tive perante a vontade de Deus.
Minha maior tristeza é vê-los retardar esse momento por sua falta de coragem, por suas lamentações, sua dúvida sobre o futuro, ou por qualquer ação repreensível.

Trato então de os afastar do mau caminho.
Se o conseguir, isso é para mim uma grande felicidade e todos nós aqui nos regozijamos.
Se eu fracasso, digo a mim mesmo com tristeza: ainda uma vez retardaram o seu momento feliz.
Mas me consolo pensando que nem tudo está perdido de maneira irremediável.

Van Durst

Pouco tempo após a sua morte um médium perguntou ao seu guia Espiritual se poderia evocá-lo e lhe foi respondido:

— Esse Espírito sai lentamente da sua perturbação.
Ele poderia atender desde já, mas a sua comunicação lhe custaria muito.
Peço-vos esperar ainda quatro dias e ele vos responderá.
Daqui até lá ele ficará sabendo das vossas boas intenções a seu respeito e vos atenderá reconhecido e como bom amigo.

Quatro dias mais tarde o Espírito ditou o seguinte:

Meu amigo, minha vida pesou muito pouco na balança da eternidade.
Apesar disso, estou bem longe de ser infeliz.
Estou na condição humilde, mas relativamente feliz daquele que praticou poucos males, sem, entretanto, visar à perfeição.
Se há criaturas felizes numa região inferior, pois bem: eu sou uma delas.
Lamento apenas uma coisa, que é não ter conhecido o que hoje sabeis, porque minha perturbação teria sido mais rápida e menos penosa.

Com efeito, ela foi grande.
Viver e não viver, ver o corpo e sentir-se fortemente ligado a ele, sem poder utilizá-lo.
Ver aqueles que amamos e sentir apagar-se o pensamento que nos ligava.
Isso é terrível! Oh, que momento cruel! Que momento é esse, quando o aturdimento vos toma em suas garras e vos estrangula! E logo a seguir, as trevas.
Sentir, e um momento depois estar aniquilado.

Querer ter a consciência de si mesmo, e não conseguir recobrá-la.
Não se é mais, e entretanto se sente que é.
Estamos numa perturbação profunda.
E depois, transcorrido um tempo inavaliável, tempo de angústias sufocadas, porque não temos a possibilidade de as compreender, após esse tempo que parece interminável, renascer lentamente para a nova existência, acordar num mundo novo!

Nada de corpo material, nada de vida terrena: a vida imortal! Nada de homens carnais, mas formas leves de Espíritos que deslizam de todos os lados, circulando ao vosso redor sem que os possais ver a todos, porque é no infinito que eles flutuam! Ter o espaço diante de nós e poder percorrê-lo à vontade.
Comunicarmos pelo pensamento com tudo o que nos cerca.
Amigo, que vida inteiramente nova! Que vida brilhante! Que vida de venturas! Salve, oh! Salve eternidade que me acolheste em teu seio! Adeus, oh! Terra que me retinhas por tanto tempo afastado da minha verdadeira natureza espiritual! Não, eu nada mais quereria de ti, porque és a terra do exílio e a maior das tuas felicidades nada é mais para mim!

Mas se eu soubesse o que sabeis, quanto mais fácil me seria esta iniciação na outra vida, e quanto mais agradável! Eu já saberia antes de morrer o que tive de aprender mais tarde, no momento da separação, e minha alma então se libertaria mais facilmente.
Estais no caminho, mas jamais, por mais que puderdes fazer, jamais tereis feito muito! Dizei isso ao meu filho, mas dizei-o tantas vezes que ele creia e se esclareça, porque então ao chegar aqui não ficaremos separados.

Adeus a todos vós, meus amigos, adeus.
Eu vos espero e durante o tempo em que permanecerdes na Terra virei sempre me instruir junto a vós, porque ainda não sei tanto como sabeis.
Mas aprenderei logo, pois aqui não tenho mais as dificuldades que aí me embaraçavam e a velhice que me diminuía as forças.
Aqui se vive amplamente e se avança porque os horizontes se alargam tão belos aos nossos olhos que nos sentimos ansiosos de franqueá-los.
Adeus, eu vos deixo, adeus.

Van Durst.

Sixdeniers

(Homem de bem, morto por acidente e conhecido do médium quando vivo.
) — (Bordeaux, 11 de fevereiro de 1861.
)

P.
Poderias dar-me alguns detalhes da tua morte?

— Depois do afogamento, sim.

P.
Porque depois?

— Porque já os conheces.
(O médium realmente conhecia os detalhes do afogamento.
)

P.
Queres então descrever as vossas sensações após a morte?

— Permaneci muito tempo sem dar conta de mim mesmo, mas com a graça de Deus e a ajuda dos que me cercavam, quando a luz se fez fiquei deslumbrado.
Podes esperar: encontrarás sempre mais do que pensavas.
Nada de material.
Tudo toca os sentidos ocultos.
Trata-se do que não podemos tocar nem com os olhos nem com as mãos.
Compreendes-me? É uma surpresa espiritual que ultrapassa o teu entendimento, pois não há palavras para explicá-la.
Só podemos senti-Ia através da alma.

Meu acordar foi bastante feliz.
A vida é um desses sonhos que, malgrado a idéia grotesca ligada a essa palavra, só posso qualificar como pesadelo horrível.
Imagina que foste encerrado numa prisão infecta, que teu corpo está sendo devorado pelos vermes que penetram até a medula dos ossos ou que te suspenderam sobre uma fornalha em chamas.
Imagina ainda que a tua boca ressecada não tem sequer para refrescá-la a pureza do ar, que teu Espírito horrorizado só vê ao seu redor monstros que ameaçam devorar-te.
Imagina, por fim, tudo quanto um sonho assim fantástico pode produzir de mais hediondo, de mais horrível, e transporta-te subitamente a um éden delicioso.
Acorda, então, cercado por todos os seres queridos que choravas.
Vê ao teu redor os rostos adorados que te sorriem felizes.
Respira os mais suaves perfumes, refresca tua ressecada garganta na fonte da água pura.
Sente o teu corpo elevado no espaço infinito que o acolhe e embala como faz a brisa com uma pétala arrancada da árvore.
Sente-te envolvido pelo amor de Deus como a criança que ao nascer é envolvida pelo amor da mãe, — e não terás mais do que uma idéia imperfeita da transição da morte.

Quis explicar-te a felicidade da vida que espera o homem após a morte do corpo, mas não consegui fazê-lo.
Podes explicar o infinito a quem tem os olhos fechados para a luz e jamais pode sair do círculo estreito em que vive fechado? Para explicar-te a felicidade eterna direi apenas: ama! Porque só o amor nos pode fazer pressenti-Ia.
E quem diz amor, diz ausência do egoísmo.

P.
A tua situação foi feliz desde o princípio no mundo dos Espíritos?

Não.
Eu tinha de pagar a dívida do homem.
Meu coração não me havia feito pressentir o futuro do Espírito, e além disso eu não possuía a fé.
Tive de expiar a minha indiferença para com o Criador, mas a sua misericórdia levou em conta o pouco de bem que eu havia podido fazer, das dores que eu havia suportado com resignação apesar do meu sofrimento.
E a sua justiça, que é pesada numa balança que os homens jamais compreenderão, pesou o bem para mim com tanta bondade e amor que o mal prontamente desapareceu.

P.
Podes me dar notícias da tua filha? (Morta quatro ou cinco anos antes do pai.
)

— Está em missão na Terra.

P.
Ela se sente feliz como encarnada? Posso fazer-te uma pergunta indiscreta?

— Já o sei.
Não vês o teu pensamento colocado diante dos meus olhos como num quadro? Não, como encarnada ela não é feliz.
Pelo contrário, todas as misérias da vida terrena devem esperá-la.
Mas ela deverá pregar pelo exemplo essas grandes virtudes que se traduzem entre vós por grandes palavras.
Eu a ajudarei, porque devo velar por ela.
Mas ela não terá grande dificuldade para vencer os obstáculos.
Não está em expiação, mas em missão.
Tranqüiliza-te, pois, quanto a ela.
E obrigado pela tua lembrança.

Nesse momento, o médium sentiu dificuldade para escrever e disse:

P.
Se é um Espírito sofredor que me embaraça, eu lhe peço que assine o seu nome.

— Uma infeliz.

P.
Não queres dizer o teu nome?

— Valéria.

P.
Queres dizer o que provocou o teu castigo?

— Não.

P.
Não te arrependes das tuas faltas?

— Estás vendo.

P.
Quem te trouxe aqui?

— Sixdeniers.

P.
Com que fim?

— Para que me ajudes.

P.
Foste tu que me impediste de escrever há pouco?

— Ele me pôs em seu lugar.

P.
Que relação há entre vós?

— Ele me conduz.

P.
Pergunte a ele se quer acompanhar-nos na prece?

— (Após a prece, Sixdeniers volta a escrever.
) Agradeço por ela.
Compreendeste.
Não te esquecerei.
Pense nela.

P.
(À Sixdeniers.
) Como Espírito, tens muitos Espíritos sofredores para guiar?

— Não.
Mas tão logo conseguimos reconduzir um deles ao bem, nos incumbimos de outro, sem entretanto abandonar os primeiros.

P.
Como podes atender a uma vigilância que deve se multiplicar pelo infinito através dos séculos?

— Compreende que os que reconduzimos ao bem se purificam e progridem.
Assim, não nos dão mais trabalho.
Ao mesmo tempo nós também nos elevamos, e ao fazê-lo as nossas faculdades se desenvolvem e o nosso poder se amplia na proporção da nossa pureza.

Observação: Os Espíritos inferiores são portanto assistidos por Espíritos bons, incumbidos da missão de orientá-los.
Essa tarefa não pertence exclusivamente aos encarnados, mas estes devem contribuir para a sua execução, porque isso os ajuda a progredir.
Quando um Espírito inferior interfere numa boa comunicação, como no caso presente, não o faz certamente, sempre, de boa intenção.
Mas os Espíritos bons o permitem, seja para experimentar os encarnados, seja para que estes o ajudem a se melhorar.

É verdade que a sua persistência pode degenerar em obsessão, mas quanto mais tenaz ela for, maior é a prova da sua grande necessidade de assistência.
É um erro repelir o Espírito.
É necessário encará-lo como um pobre que vem nos pedir esmola e considerar que é um Espírito infeliz mandado pelos Espíritos bons, que o enviam para o esclarecermos.
Se o conseguirmos, teremos a alegria de haver encaminhado uma alma ao bem, abreviando os seus sofrimentos.

Essa tarefa é freqüentemente penosa.
Seria, sem dúvida, mais agradável receber sempre boas comunicações e conversar apenas com os Espíritos de nossa preferência.
Mas não é buscando somente a nossa satisfação e rejeitando as ocasiões que nos oferecem de praticar o bem que merecemos a proteção dos Espíritos bons.

O Doutor Demeure

Demeure era um médico homeopata muito considerado em Albi.
O seu caráter e o seu saber lhe haviam conquistado a estima e a veneração dos seus concidadãos.
Sua bondade e sua caridade eram inesgotáveis.
Malgrado sua avançada idade, não sentia fadiga quando se tratava de dispensar os seus cuidados a pobres doentes.

O pagamento de suas visitas era o que menos lhe importava.
Ele se considerava menos incomodado pelos infelizes do que pelos clientes que sabia poderem pagá-lo.
E isso porque, dizia ele, estes últimos podiam sempre, na falta dele, procurar outro médico.

Aos infelizes ele não somente dava receitas e remédios sem cobrar, mas freqüentemente acrescentava o necessário para suprir às suas necessidades materiais, o que às vezes é o mais eficaz dos medicamentos.
Podemos dizer que era o Cura D Ars da Medicina.
(53)

Demeure havia abraçado com ardor a doutrina espírita, na qual encontrara a chave dos mais graves problemas que havia inutilmente procurado na ciência e na filosofia.
Seu Espírito profundo e investigador compreendeu imediatamente todo o alcance da doutrina de que se tornou um dos mais zelosos propagadores.
Relações da mais viva e mútua simpatia estabeleceram-se entre nós por meio da correspondência.

Soubemos da sua morte a 30 de janeiro.
Nosso primeiro pensamento foi o de obtermos uma conversação com ele.
Eis a comunicação que nos deu no mesmo dia:

Eis-me aqui.
Prometi a mim mesmo, quando vivo, que ao morrer viria, se me fosse possível, apertar a mão do meu querido mestre e amigo, o Sr.
Allan Kardec.

A morte deixou a minha alma nesse pesado sono que chamamos letargia, mas o meu pensamento velava.
Sacudi esse torpor funesto que prolonga a perturbação de após morte e me despertei, fazendo de um salto a travessia.

(53) Jean Baptiste Marie Vianney (1786-1859) foi cura em Ars durante 41 anos, tornando-se famoso pelas suas curas mediúnicas e seu cuidado com os pobres.
Canonizado pela Igreja em 1931.
Ver sua comunicação no cap.
VIII de O Evangelho Segundo o Espiritismo.
(N.
do T.
)

Como sou feliz! Não estou mais enfermo nem velho.
Meu corpo era apenas uma vestimenta necessária.
Sou jovem e belo, dessa eterna beleza juvenil dos Espíritos, em que as rugas jamais assinalam o rosto e os cabelos não embranquecem com o passar do tempo.
Estou leve como o pássaro que atravessa em rápido vôo o horizonte de vosso céu nebuloso.
E admiro, contemplo, bendigo e me inclino, átomo que sou, ante a grandeza, a sabedoria e a ciência de nosso Criador, ante as maravilhas que me cercam.

Estou feliz, estou na glória! Oh! Quem poderá jamais traduzir as esplêndidas belezas da terra dos eleitos! Os céus, os mundos, os sóis e seu papel no grande concurso da harmonia universal? Pois bem, eu tentarei, oh! Meu mestre; vou fazer o estudo e virei depositar aos vossos pés a homenagem dos meus trabalhos de Espírito, que desde já vos dedico.
Até breve.

Demeure.

As duas comunicações seguintes, dadas a 1 e 2 de fevereiro, são relativas a doenças que nos haviam então acometido.
Embora sejam pessoais, reproduzimo-las porque elas provam que o Sr.
Demeure continua tão bom como Espírito quanto o era como homem.

Meu bom amigo, tenha confiança em nós e bastante coragem.
Essa crise, embora fatigante e dolorosa, não será longa.
Com os tratamentos prescritos poderás logo, segundo desejas, completar a obra que é o principal objetivo da tua existência.
Sou eu quem estou sempre aqui, ao teu lado, com o Espírito da Verdade, que me permite falar em seu nome, como o último dos teus amigos que chegou ao mundo dos Espíritos.
Eles me fazem as honras da recepção.

Caro mestre, como sou feliz de haver morrido a tempo de estar com eles neste momento! Se eu tivesse morrido mais cedo, talvez tivesse podido evitar essa crise que não previa.
Era tão recente a minha desencarnação que não pude ocupar-me de outras coisas além do problema espiritual.
Mas agora velarei por ti, caro mestre.
Sou o teu irmão e amigo que se sente feliz de ser Espírito para estar ao teu lado cuidando da tua doença.
Conheces o provérbio: ajuda-te e o céu te ajudará.
Ajuda, pois, os bons Espíritos nos seus cuidados contigo, seguindo rigorosamente as suas prescrições.

Está muito quente aqui.
Esse carvão é fatigante.
Enquanto estás doente, não acendas mais o carvão.
Ele aumenta a tua opressão.
Os gazes que desprende são deletérios.

Teu amigo Demeure.

Sou eu, Demeure, o amigo do Sr.
Kardec.
Venho dizer-lhe que estava junto dele quando lhe sobreveio o acidente que poderia ter sido funesto sem a intervenção eficaz para a qual tive a felicidade de contribuir.
Segundo as minhas observações e as informações colhidas em boa fonte, parece-me que, quanto mais cedo se der a sua desencarnação, mais cedo poderá se dar também a reencarnação que lhe permitirá acabar a sua obra.

Entretanto, é necessário que ele dê, antes de partir, a derradeira mão nas obras que devem completar a teoria doutrinária de que foi iniciador.
E será culpável de suicídio se contribuir, por excesso de trabalho, para o aniquilamento do seu organismo que o ameaça de uma partida súbita para o nosso mundo.
Não se deve temer dizer-lhe toda a verdade, para que tome as suas providências e siga à risca as nossas prescrições.

Demeure.

A seguinte comunicação foi obtida em Montalban, a 26 de janeiro, no dia seguinte ao da sua morte, no círculo dos amigos Espíritas que ele possuía nessa cidade:

Antônio Demeure.
Eu não estou morto para vós, meus bons amigos, mas somente para aqueles que não conhecem, como vós, esta santa doutrina que reúne os que se amaram na Terra, tendo os mesmos pensamentos e os mesmos sentimentos de amor e caridade.

Estou feliz, mais feliz do que podeis supor, porque gozo de uma lucidez rara entre os Espíritos tão recentemente libertos da matéria.
Tende coragem, meus bons amigos.
Estarei sempre junto a vós e não deixarei de vos instruir sobre tantas coisas que ignoramos quando estamos ligados à nossa pobre matéria, que nos oculta tantas magnificências e impede tantas alegrias.
Pedi pelos que estão privados dessa felicidade, pois não sabem o mal que fazem a si mesmos.

Não me demorarei hoje por mais tempo, mas quero dizer-vos que não me sinto inteiramente estranho a este mundo dos invisíveis, pois me parece que sempre o habitei.
Sou feliz, porque vejo daqui os meus amigos e posso comunicar-me com eles sempre que o desejar.

Não choreis, meus amigos.
Isso me faria lamentar de vos haver conhecido.
Deixai passar o tempo e Deus vos trará a este plano onde todos nos devemos reunir.
Boa noite.
Que Deus vos console.
Eu estou convosco.

Demeure.

Outra carta de Montalban contém o relato seguinte:

Havíamos ocultado à senhora G.
, médium vidente e sonâmbula muito lúcida, a morte do senhor Demeure, para poupar a sua extrema sensibilidade.
O bom doutor, compreendendo sem dúvida as nossas intenções, evitara de se manifestar a ela.

A 10 de fevereiro último estávamos reunidos a convite dos nossos guias que diziam querer aliviar a senhora G.
de uma luxação que a fazia sofrer cruelmente desde a véspera.
Nada havíamos percebido e estávamos longe de pensar na surpresa que eles nos reservavam.
Logo que essa senhora entrou em sonambulismo, começou a soltar gritos lancinantes, mostrando o próprio pé.

Eis o que se passava:

A senhora G.
via um Espírito curvado para a sua perna, e cujo rosto permanecia oculto, fazendo fricções e massagens, e de vez em quando produzindo uma tração longitudinal, absolutamente como o faria qualquer médico.
Essa operação era tão dolorosa que a paciente vociferava e gesticulava desordenadamente.
Mas isso passou logo.
Dentro de dez minutos toda a luxação havia desaparecido, como a sua inflamação e o pé haviam voltado à aparência normal.
A senhora G.
estava curada.

Entretanto o Espírito continuava desconhecido da médium e insistia em não lhe mostrar o rosto.
Tinha mesmo o ar de querer fugir, quando a nossa doente, que alguns minutos antes não podia dar um passo, se lançou de um salto no meio do quarto para apertar a mão do seu médico espiritual.
Ainda dessa vez o Espírito desviava o rosto deixando apenas a sua mão nas mãos da médium.
Nesse momento a senhora G.
deu um grito e caiu desfalecida no soalho.
Acabara de reconhecer o doutor Demeure no Espírito curador.

Durante a síncope ela recebia os cuidados atenciosos de muitos Espíritos simpáticos.
Voltando, por fim, à lucidez sonambúlica conversou com os Espíritos, trocando com eles calorosos apertos de mão, notadamente com o Espírito do médico, que respondia às suas provas de afeição envolvendo-a em fluidos reparadores.

Esta cena não é surpreendente e dramática, dando-nos a impressão de ver todos os personagens desempenhando o seu papel na própria vida humana? Não constitui mais uma prova, entre tantas, de que os Espíritos são seres bastante reais, dotados de corpos e agindo como se estivessem na Terra? Ficamos felizes de reencontrar o nosso amigo espiritualizado, com seu excelente coração e sua mesma delicada solicitude.
Ele havia sido, durante a vida, o médico da médium.
Conhecia sua extrema sensibilidade e a havia tratado como sua própria filha.
Essa prova de identidade concedida aos que o Espírito amava não é surpreendente e ao mesmo tempo suficiente para nos fazer encarar a vida futura sob o seu aspecto mais consolador?

Observação: A situação do doutor Demeure, como Espírito, é exatamente a que podíamos prever pela sua vida tão digna e utilmente empregada.
Mas outro fato, não menos instrutivo, ressalta dessas comunicações.
É a atividade que ele desenvolve quase imediatamente após a sua morte, para ser útil.
Por sua elevada inteligência e suas qualidades morais ele pertence à ordem dos Espíritos mais adiantados.
Ele é feliz, mas a sua felicidade não se faz de inação.

Alguns dias antes ele cuidava dos doentes como médico.
Apenas libertado, apressa-se em cuidar deles como Espírito.
Que adianta, então, ir para o outro mundo, dirão algumas pessoas, se ali não se pode repousar? A isso também lhes perguntaremos, primeiro, se o fato de não termos mais preocupações, nem necessidades, nem estarmos sujeitos às enfermidades da vida humana, de nos tornarmos livres e podermos, sem cansaço, percorrer o espaço com a rapidez do pensamento, indo ver os nossos amigos a qualquer momento e a qualquer distância em que eles se encontrem, se tudo isso nada representa? Depois acrescentaremos: quando estiverdes no outro mundo nada vos forçará a fazer o que quer que seja; sereis perfeitamente livres de permanecer numa ociosidade beatífica quanto quiserdes; mas logo vos cansareis desse repouso egoísta e sereis os primeiros a pedir alguma ocupação.

Então vos será respondido: se vos enjoais de nada fazer, procurai por vós mesmos fazer alguma coisa.
As ocasiões de ser útil não faltam no mundo dos Espíritos, como não faltam entre os homens.
É assim que a atividade espiritual não representa um constrangimento, mas uma necessidade, uma satisfação para os Espíritos que procuram as ocupações segundo os seus gostos e as suas aptidões, preferindo aquelas que podem ajudá-los mais no seu desenvolvimento.

A Viúva Foulon

A senhora Foulon, morta em Antibes a 3 de fevereiro de 1865, morou durante muito tempo no Havre, onde conquistou reputação como miniaturista habilidosa.
Seu talento notável serviu-lhe de início, apenas como uma distração de amador.
Mais tarde, porém, quando chegaram os maus dias, ela soube aproveitá-lo como precioso recurso.
O que a tornava sobretudo amada e estimada, o que torna a sua memória bastante cara a todos que a conheceram, é a amenidade do caráter, são as suas qualidades pessoais, que só os que a conheciam na intimidade puderam apreciar em toda a amplitude.
Porque, como todos os que possuem o sentimento inato do bem, ela não alardeava as suas qualidades e talvez nem mesmo as percebesse.

Se houve alguém que não se deixou dominar pelo egoísmo, foi sem dúvida ela.
Jamais, talvez, o sentimento da abnegação pessoal foi levado tão longe.
Estava sempre pronta a sacrificar o seu repouso, a sua saúde, os seus interesses por aqueles a quem podia servir.
Sua vida foi uma longa seqüência de atos de abnegação, assim como, desde a juventude foi marcada por provas rudes e cruéis, diante das quais a sua coragem, a sua resignação e a sua perseverança jamais fraquejavam.
Mas, por desgraça a sua vista, cansada por um trabalho minucioso, extinguia-se de dia para dia.
Dentro de pouco tempo a cegueira, já bastante avançada, completou-se.

Quando a senhora Foulon tomou conhecimento da doutrina espírita, esta lhe pareceu como um raio de luz.
Pareceu-lhe que um véu se levantava deixando-lhe ver alguma coisa que não lhe era estranha, mas da qual tinha apenas uma vaga intuição.
Estudou-a com ardor, mas ao mesmo tempo com essa lucidez de espírito e essa justeza de apreciação que eram próprias da sua elevada inteligência.
Seria preciso conhecer todas as perplexidades da sua vida, perplexidades que nunca se referiam a ela mesma, mas aos seres que amava, para se compreender quanto de consolações encontrou nessa revelação sublime que lhe dava uma fé inabalável no futuro e lhe demonstrava o vazio das coisas terrenas.

Sua morte foi digna da sua vida.
Ela sentiu a sua aproximação sem nenhuma apreensão penosa.
Para ela, era a libertação dos liames terrenos que devia abrir-lhe a via espiritual e bem-aventurada com a qual se havia identificado pelo estudo do Espiritismo.
Morreu em paz, porque tinha a consciência de haver cumprido a missão que aceitara ao vir para a Terra, de haver escrupulosamente cumprido os seus deveres de esposa e mãe de família.
E também porque ela havia, durante a sua vida, afastado todo ressentimento contra os que a ofenderam, os que lhe haviam pago com a ingratidão.
Pagou sempre o mal com o bem e deixou a vida perdoando a todos para se entregar, ela mesma, à bondade e à justiça de Deus.

Morreu, enfim, com a serenidade de uma consciência pura e a certeza de que estaria menos separada dos seus filhos do que durante a vida corpórea, desde que poderia dali por diante estar com eles em Espírito, onde quer que se encontrassem, para os ajudar com os seus conselhos e os cobrir com a sua proteção.

Desde que tivemos conhecimento da morte da Senhora Foulon, nosso primeiro desejo foi o de conversar com ela.
As relações de amizade e de simpatia que a doutrina espírita fizera nascer entre nós explicam algumas de suas expressões e a familiaridade de sua linguagem.

I

(Paris, 6 de fevereiro de 1865, três dias após a sua morte)

Eu estava segura de que ias me evocar logo após a minha libertação e estava pronta a atender, porque não passei pela perturbação.
Somente os que se atemorizam e são envolvidos pelas espessas trevas do medo é que se perturbam.

Pois bem, meu amigo, agora estou feliz.
Estes pobres olhos que se haviam enfraquecido e só guardavam a lembrança das visões que haviam colorido a minha juventude com suas luminosidades, reabriram-se aqui e reencontraram os esplêndidos horizontes que alguns dos vossos grandes artistas idealizam em suas vagas reproduções, mas cuja realidade majestosa, severa e não obstante cheia de encantos, constitui a mais positiva realidade.

Há apenas três dias que morri e sinto que sou um artista.
Minhas aspirações no tocante ao ideal da beleza na arte eram intuições de faculdades adquiridas e exercidas em outras existências, tendo-se desenvolvido na última.

Mas o que devo fazer para reproduzir numa obra-prima, digna da grandeza que me toca o espírito, o cenário que encontramos na região da luz? Pincéis, pincéis, e eu provarei ao mundo que a arte espírita é o coroamento da arte pagã, da arte cristã que agora está em perigo, e que só ao Espiritismo está reservada a glória de fazê-la reviver em todo o seu esplendor sobre o vosso mundo em crise.

Basta para o artista.
Chegou a vez da amiga.

Por que, a boa amiga (senhora Allan Kardec) incomodar-se assim com a minha morte? Sobretudo conhecendo como conheces as decepções e as amarguras da minha vida, devias ao contrário alegrar-te de ver que agora já não tenho mais de beber na taça amarga das dores terrestres, que esvaziei até o fim.
Podes crer que os mortos são mais felizes que os vivos e chorá-los seria duvidar da verdade do Espiritismo.
Terás de me rever, podes estar segura.
Parti primeiro porque a minha tarefa nesse mundo já estava terminada.
Cada um tem a sua e deve realizá-la na Terra.
Quando acabares a tua, virás descansar um pouco junto a mim para depois recomeçar, se necessário, considerando-se que não é natural permanecer sem fazer nada.

Cada qual tem as suas tendências e as segue.
Essa é uma lei suprema, que prova o poder do livre-arbítrio.
Mas também, minha boa amiga, todos temos necessidade de indulgência e caridade recíprocas, seja no mundo visível ou no mundo invisível.
Com essa divisa, tudo irá bem.

Não irás me dizer que chega.
Sabes que é a primeira vez que converso tão longamente? Assim vou deixar-te.
Chegou a vez do meu excelente amigo senhor Kardec.

Quero agradecer-lhe as afetuosas palavras que dirigiu à amiga que o antecipou na tumba, pois devíamos partir juntos para o mundo onde agora me encontro, meu bom amigo! (Alusão à doença de Kardec de que falou o doutor Demeure.
) Que diria então a companheira querida dos vossos dias, se os bons Espíritos não o tivessem socorrido em tempo? Então, sim, ela teria chorado e clamado, o que se compreende.
Mas agora é preciso que ela vele por ti, evitando que te exponhas de novo ao perigo antes de haver terminado o trabalho de iniciação espírita.
Sem isso corres o perigo de chegar muito cedo entre nós e assim não ver, como Moisés, a Terra Prometida senão à distância.
Põe-te, pois, em guarda; é uma amiga que te previne.

Agora me vou.
Volto para junto de meus queridos filhos.
Depois irei ver, para lá dos mares, se a minha ovelha viajora chegou enfim ao porto ou está a mercê da tempestade.
(Uma de suas filhas morava na América.
) Que os bons Espíritos a protejam.
Vou reunir-me a eles para isso.
Voltarei a conversar convosco, porque sou uma infatigável conversadora, como certamente vos lembrais.
Até a vista, meus bons e caros amigos.
Até logo.

Viúva Foulon.

II

(8 de fevereiro de 1865.
)

P.
Cara senhora Foulon, fiquei muito contente com a comunicação que me deste outro dia e com a promessa de continuar a conversar conosco.

Eu te reconheci perfeitamente na comunicação.
Falaste de coisas que o médium não sabia e só podiam vir de ti mesma.
Além disso, a tua linguagem afetuosa para conosco era bem aquela da tua alma amorosa.
Mas havia nas tuas palavras uma segurança, um equilíbrio, uma firmeza que eu não percebera durante tua vida.
Sabes que me permiti, a esse respeito, advertir-te em algumas ocasiões.

— É verdade.
Mas desde que me vi gravemente enferma recuperei o equilíbrio espiritual que havia perdido com os desgostos e as vicissitudes que às vezes me tornavam insegura na vida.
Eu me disse a mim mesma: Tu és Espírito; esquece a Terra; prepara-te para a transformação do teu ser; vê, pelo pensamento, a senda luminosa que tua alma deve seguir ao deixar o corpo e que a conduzirá, liberta e feliz, às esferas celestes onde deves viver de agora em diante.

Dirás que fui um tanto presunçosa, contando com a felicidade perfeita ao deixar a Terra, mas tanto eu havia sofrido que já devia ter expiado as minhas faltas dessa existência e das anteriores.
Essa intuição não me enganara.
Foi ela que me deu a coragem, a calma e a firmeza dos últimos instantes.
Essa firmeza aumentou naturalmente quando, após a minha libertação, vi que as minhas esperanças estavam realizadas.

P.
Queres agora nos descrever a vossa passagem, o vosso despertar e as vossas primeiras impressões?

— Eu sofri, mas o meu Espírito foi mais forte que o sofrimento material do despreendimento.
Após o último suspiro, passei por uma espécie de síncope perdendo a consciência, nada percebendo, numa vaga sonolência que não era o sono do corpo nem o despertar da alma.

Durante longo tempo permaneci assim.
Depois, como se saísse de um longo desfalecimento, fui me despertando pouco a pouco em meio de irmãos que não conhecia.
Eles me prodigalizavam os seus cuidados e as atenções.
Mostraram-me um ponto no espaço que se assemelhava a uma estrela brilhante e disseram: É para lá que vais conosco, pois não pertences mais à Terra.
Então eu me lembrei.
Amparada por eles, como um grupo gracioso que se lança em direção às esferas desconhecidas, mas com a certeza de lá encontrar a felicidade, subimos, subimos enquanto a estrela crescia à nossa frente.

Era um mundo feliz, um mundo superior em que a vossa boa amiga vai por fim encontrar o repouso.
Quero dizer o repouso em relação às fadigas corporais que sofri e às vicissitudes da vida terrena, mas não à indolência do Espírito, porque a atividade espiritual é o fluir de uma aventura.

P.
Então deixaste definitivamente a Terra?

— Deixo aí muitos seres queridos para poder abandoná-la em definitivo.
Voltarei a ela em Espírito, pois tenho uma missão a cumprir junto de meus filhos.
Sabes muito bem que nenhum obstáculo se opõe à visita dos Espíritos dos mundos superiores à Terra.

P.
A tua posição atual não parece enfraquecer as tuas relações com os que deixastes neste mundo?

— Não, meu amigo, o amor aproxima as almas.
Creia-me, pode-se estar, na Terra, mais próximo dos que atingiram a perfeição do que daqueles que a inferioridade e egoísmo fazem turbilhonar em torno da esfera terrestre.
A caridade e o amor são dois motivos de poderosa atração.
Formam o liame que mantém a união das almas, fazendo-a continuar independentemente das distâncias e dos lugares.
Só há distância para os corpos materiais, pois ela não existe para os Espíritos.

P.
Que idéia fazes agora dos meus trabalhos referentes ao Espiritismo?

— Vejo que estás encarregado do problema das almas e que o fardo é difícil de carregar, mas vejo o alvo e sei que o atingirás.
Eu te ajudarei no que puder com os meus conselhos espirituais para que possas vencer todas as dificuldades sugerindo-vos certas medidas apropriadas a ativar, durante a tua vida, o movimento renovador do Espiritismo.
Teu amigo Demeure, unido ao Espírito da Verdade, te prestará maior concurso ainda.
Ele é mais sábio e mais prudente do que eu.
Mas como sei que a assistência dos bons Espíritos te fortalece e sustenta na luta, podes crer que o meu concurso não te faltará por toda a parte e sempre.

P.
De algumas das tuas palavras pode-se deduzir que não darás uma colaboração pessoal bastante ativa à obra do Espiritismo.

— Estás enganado.
É que vejo tantos outros Espíritos mais capazes do que eu de tratar desta importante questão, que um sentimento de invencível timidez me impede no momento de responder-te como desejas.
Mas isso talvez aconteça.
Terei mais coragem e audácia, quando melhor conhecer esses Espíritos.
Há apenas quatro dias que morri.
Estou ainda sob o fascínio e o deslumbramento de tudo o que me cerca.
Meu amigo, não compreendes? Não sou capaz de exprimir as sensações novas que experimento.
Tenho de esforçar-me para vencer a fascinação que exercem sobre mim as maravilhas que admiro.
Só posso bem dizer e adorar a Deus nas suas obras.
Mas isso passará.
Os Espíritos me asseguram que logo estarei acostumada a todas essas magnificências e então poderei, com minha lucidez espiritual, tratar de todas as questões relativas à renovação terrestre.
Depois, além de tudo isso, lembra-te de que tenho, sobretudo, neste momento, uma família a consolar.

Adeus e até logo.
A boa amiga que te ama e te amará sempre, meu mestre, pois te deve a única consolação durável e verdadeira que experimentou na Terra.

Viúva Foulon.

(Esta comunicação foi dada aos seus filhos, a 9 de fevereiro.
)

Meus filhos, meus queridos.
Deus me tirou de junto de vós, mas a recompensa que me concedeu é muito grande em comparação com o pouco que fiz na Terra.
Tende resignação, meus bons filhos, ante os desígnios do Altíssimo.
Tirai de tudo quanto ele vos permitiu receberdes a força de suportar as provas da vida.
Mantende sempre firme no vosso coração essa crença que tanto me facilitou a passagem da vida terrena para a vida que nos espera ao sair desse mundo inferior.

Deus me amparou, após a morte, em sua inesgotável bondade, como havia feito quando me encontrava na Terra.
Agradecei-lhe todos os benefícios que vos tem concedido.
Bendizei-o, meus filhos, bendizei-o sempre, a todos os instantes.
Nunca percais de vista o vosso alvo, nem a rota que deveis seguir.
Pensai no emprego que tendes dado ao tempo que Deus vos concede na Terra.
Sereis felizes, meus queridos, felicitando-vos uns aos outros, se permanecerdes unidos.
Sereis felizes com os vossos filhos, se os educardes no bom caminho, naquele que Deus permitiu vos fosse revelado.

Oh! Se não podeis me ver, sabei entretanto que o laço que nos ligava nesse mundo não se rompeu com a morte do corpo, porque não era o invólucro que nos ligava, mas o Espírito.
É por isso, meus queridos, que eu poderei, graças à bondade do Todo-Poderoso, guiar-vos ainda e encorajar-vos na vossa marcha, para nos juntarmos mais tarde.

Avante, meus filhos, cultivai com o mesmo amor essa crença sublime.
Bons dias vos estão reservados, a vós que credes.
Já vos disseram isso, mas eu não devia ver esses dias na Terra.
É de mais alto que apreciarei esses tempos felizes prometidos pelo Deus bom, justo e misericordioso.

Não chorai, meus filhos.
Que estas comunicações fortaleçam a vossa fé, o vosso amor a Deus, que tantos dons vos concedeu, que tantas vezes enviou o socorro da fé à vossa mãe.
Orai sempre: a prece fortalece.
Segui as instruções que tão ardentemente eu segui na vida que Deus nos concedeu.

Voltarei até vós, meus filhos, mas agora preciso amparar a minha pobre filha, que tanto ainda necessita de mim.
Adeus, até breve.
Crede na bondade do Todo-Poderoso.
Eu peço por vós.

Até a vista.

Viúva Foulon.

Observação: Qualquer pessoa séria e esclarecida facilmente verá os ensinos que ressaltam dessas comunicações, mas não obstante chamaremos a atenção sobre dois pontos.
O primeiro, é o fato do que este exemplo nos mostra a possibilidade de não voltarmos à encarnação terrena, passando deste mundo para outro superior, sem por isso ficarmos separados das criaturas queridas que aqui deixamos.
Os que, pois, temem a reencarnação por causa das dificuldades da vida, podem afastar esse temor empenhando-se em trabalhar para se melhorarem.
É como aquele que não quer vegetar nas posições inferiores, devendo instruir-se e trabalhar para alcançar situações melhores.

O segundo ponto é a confirmação do princípio de que após a morte estamos menos separados dos entes queridos, do que durante a vida.
A senhora Foulon, retida pela idade e a enfermidade numa cidadezinha do sul, só tinha ao seu lado uma parte da sua família.
A maioria de seus filhos e de seus amigos estavam longe, dispersos, de maneira que os obstáculos materiais se opunham a que ela pudesse vê-los com a freqüência que desejasse.
As grandes distâncias tornavam rara e difícil a própria correspondência com alguns deles.

Mal se desembaraçou do seu corpo e eis que, ligeira, corre para junto de cada um, vencendo as distâncias sem fadiga, com a rapidez do relâmpago.
Pode então vê-los, assiste às suas reuniões íntimas, envolve-os na sua proteção, e pode, através da mediunidade, conversar com eles a todo instante como se estivesse viva.
E dizer que a esta consoladora idéia, há gente que prefere a de uma separação indefinida!

Um Médico Russo

O senhor P.
era um médico de Moscou, tão distinto pelas suas eminentes qualidades morais quanto pelo saber.
A pessoa que o evocou só o conhecia pela reputação, não tendo tido relações diretas com ele.
A comunicação original foi dada na língua russa.

P.
(Após a evocação.
) Estás aqui?

— Sim.
No dia da minha morte insisti em apresentar-me mas resisti a todas as minhas tentativas de fazer-te escrever.
Ouvi as palavras que dizias a meu respeito.
Isso me fez conhecer-te e tive então o desejo de conversar contigo e poder servir-te.

P.
Porque, tendo sido tão bom, sofreste tanto?

— Isso foi uma graça do Senhor que desejava me fazer sentir dessa maneira, o valor da minha libertação e fazer-me avançar o mais possível neste mundo.

P.
A idéia de morrer te aterrorizou?

— Não, eu tinha muita fé em Deus para isso.

P.
A separação foi dolorosa?

— Não.
O que chamam de último momento não é nada.
Senti apenas um estremecimento muito rápido e logo após já me encontrava muito feliz de haver me desembaraçado da minha miserável carcaça.

P.
O que aconteceu então?

— Tive a ventura de ver que numerosos amigos vinham ao meu encontro desejando-me as boas vindas, principalmente aqueles que eu tivera a satisfação de ajudar.

P.
Em que região estás? Em algum planeta?

— Ao redor dos planetas há o que chamas espaço.
É aí que me encontro.
Mas quantas graduações existem nesta imensidade, das quais o homem não pode fazer idéia! Quantos degraus existem nesta escada de Jacó que vai da terra ao céu, ou seja, do aviltamento da encarnação num mundo inferior como o vosso até a depuração completa da alma! Aqui, onde me encontro, não se chega senão depois de muitas provas, o que vale dizer de muitas encarnações.

P.
Então, deves ter tido muitas existências?

— Como poderia ser de outra maneira? Não há exceções na ordem imutável estabelecida por Deus.
A recompensa só pode ser dada após a vitória na luta.
E quando a recompensa é grande, necessariamente a luta também o foi.
Mas a vida humana é tão curta que a luta só se realiza de fato através de intervalos, e esses intervalos são as diferentes existências sucessivas.
Ora, desde que estou num degrau elevado é certo que atingi essa felicidade por uma sucessão de combates, nos quais Deus me permitiu a vitória algumas vezes.

P.
Em que consiste a tua felicidade?

— Isso é mais difícil de te dar a compreender.
A felicidade que sinto é um contentamento extremo de mim mesmo.
Não pelos meus méritos, o que seria orgulho, e o orgulho é a marca dos Espíritos réprobos, mas um contentamento, por assim dizer, imerso no amor de Deus, no reconhecimento da sua infinita bondade.
É a alegria profunda de ver o bom e o bem, de poder dizer: talvez eu tenha contribuído para o melhoramento de algumas criaturas que se elevaram ao Senhor.
A gente se sente como que identificada com a felicidade.
É uma espécie de fusão do Espírito com a bondade Divina.
Tem-se o dom de ver os Espíritos mais puros, de compreendê-los em suas missões, sabendo que também se chegará lá.
Pode-se entrever, no infinito incomensurável, as regiões resplandescentes do fogo divino, chegando-se mesmo a ofuscar-se ao contemplá-las através do véu que ainda as envolve.

Mas, que digo? Compreendes as minhas palavras? Esse fogo de que falo, pensas que seja, por exemplo, semelhante ao sol? Não, não.
É alguma coisa indizível para o homem, pois as palavras só exprimem os objetos, as coisas físicas ou metafísicas de que se tem conhecimento pela memória ou pela intuição da alma, enquanto não podendo ter nenhuma memória do desconhecido absoluto, não se dispõe de termos que possam dar essa compreensão.
Mas fica sabendo que é já uma felicidade imensa pensar que se pode subir infinitamente.

P.
Tiveste a bondade de dizer que me queres ser útil.
Em que, pergunto?

— Posso ajudar-te nos momentos de desânimo, amparar-te nas fraquezas, consolar-te nas angústias.
Se a tua fé for abalada por alguma perturbação e te sentires vacilante, chama-me, chama-me.
Deus me dará as palavras necessárias para lembrá-lo a ti e reconduzir-te a ele.
Se te sentires prestes a sucumbir sob o peso das tendências de que tu mesmo te reconheces culpado, chama-me.
Eu te ajudarei a carregar a tua cruz, como Jesus foi ajudado a carregar a dele, aquela em que devia tão altamente nos proclamar a verdade, a caridade.
Se fracassares ao peso das amarguras, se o desespero te dominar, chama-me.
Eu virei tirar-te desse abismo falando-te de Espírito a Espírito, lembrando-te o cumprimento dos deveres que te competem, não em virtude de considerações sociais e materiais, mas pelo amor que sentirás em mim, amor que Deus dispensou ao meu ser para que o transmita aos que ele pode salvar.

Tens, sem dúvida, amigos na Terra.
Eles partilham talvez das tuas dores e talvez já te socorreram.
Nas aflições vais procurá-los, levar-lhes os teus lamentos e as tuas lágrimas, e eles te dão em troca essa prova de afeição que são os seus conselhos, o seu apoio, as suas atenções.
Pois bem, não pensas que um amigo daqui seja também um bom achado? Não é consolador poder dizer: quando eu morrer, os meus amigos da Terra estarão à minha cabeceira orando por mim e chorando sobre mim, mas os meus amigos do espaço estarão no limiar da nova vida e virão sorridentes ao meu encontro para me conduzirem ao lugar que eu tiver merecido pelas minhas virtudes?

P.
Porque mereci a proteção que me queres dar?

— Eis porque me liguei a ti desde o dia da minha morte.
Eu te vi como espírita, bom médium e adepto sincero.
Entre os que deixei nesse mundo não vi ninguém em melhores condições.
Então resolvi contribuir para o teu progresso, sem dúvida no teu interesse, mas ainda mais no interesse de todos os que chamaste para os encaminhar à verdade.
Vês que Deus te ama bastante para fazer-te missionário.
Todos, ao teu redor, pouco a pouco vão partilhando das tuas crenças.
Os mais rebeldes não deixam de te ouvir e um dia verás que te aceitam.
Não os abandones.
Prossiga sempre, malgrado as pedras do caminho.
Toma-me como bordão na tua fraqueza.

P.
Não me considero digno de tão grande favor.

— Não há dúvida que estás longe da perfeição.
Mas o teu ardor na difusão das boas doutrinas, no alento à fé dos que te ouvem, na pregação da caridade, da bondade, da benevolência, mesmo quando procedem mal contigo, tua resistência aos impulsos da cólera que facilmente podias satisfazer, contra os que te aborrecem ou menosprezam as tuas intenções, tudo isso felizmente serve de contrapeso ao que ainda possuis de mau, é um poderoso contrapeso, como o perdão.

Deus te cobre com as suas graças através da faculdade que te deu e que cabe a ti desenvolver pelos teus esforços a fim de trabalhar eficazmente para a salvação do próximo.
Deixo-te, mas conta comigo.
Trata de moderar os teus caprichos terrenos e de viver mais freqüentemente com os teus amigos deste lado.

P.
Bernardin

(Bordeaux, abril de 1862.
)

Sou um Espírito esquecido há muitos séculos.
Vivi na Terra em miséria e opróbrio.
Trabalhei sem descanso para dar cada dia à minha família um pedaço de pão insuficiente.
Mas eu amava o verdadeiro Mestre, e quando aquele que me sobrecarregava na Terra fazia aumentar o meu fardo de dores, eu dizia: meu Deus, dai-me a força para suportar esse peso sem me lamentar.

Eu estava em expiação, meus amigos, mas ao sair dessa rude prova o Senhor me recebeu na sua paz e o meu desejo mais caro é o de reunir todos vós ao redor de mim, meus filhos, meus irmãos, e dizer-vos: qualquer que seja o preço pago na Terra, a felicidade que vos espera está muito acima dele.

Nunca tive posição.
Filho de numerosa família, servi aos que podiam me ajudar a suportar a vida.
Nascido numa época em que a servidão era cruel, suportei todas as injustiças, todas as cargas e todos os excessos que os auxiliares do patrão quiseram impor-me.

Vi minha mulher ultrajada, minhas filhas raptadas e depois rejeitadas, sem que pudesse queixar-me.
Vi meus filhos envolvidos em roubos e outros crimes, sem o quererem, e depois enforcados por crimes que não cometeram.

Se soubesseis, pobres amigos, o que sofri numa tão longa existência! Mas eu esperava, eu esperava a felicidade que não é da Terra e que o Senhor por fim me concedeu.
A todos vós, portanto, meus irmãos, desejo coragem, paciência e resignação.

Meu filho, podes guardar o que te dei: é um ensinamento prático.
Aquele que prega é melhor ouvido quando pode dizer: eu suportei mais do que vós, e suportei sem me queixar.

P.
Em que época viveste?

— De 1400 a 1460.

P.
Tiveste nova existência depois?

— Sim, vivi ainda como missionário entre vós.
Sim, um missionário da fé, mas da verdadeira, da pura, daquela que nos vem da mão de Deus e não daquela que os homens fizeram.

P.
Agora, como Espírito, ainda tens ocupações?

— Poderias pensar que os Espíritos ficam inativos? A inatividade, a inutilidade seria para eles um suplício.
Minha missão é a de guiar centros de trabalhadores no Espiritismo.
Inspiro-lhes bons pensamentos e me esforço para neutralizar aqueles que os maus Espíritos tentam sugerir.

Bernardin.

A Condessa Paula

Era uma jovem mulher, bela, rica, nascida em família ilustre, e além disso um modelo completo de todas as virtudes de coração e espírito.
Morreu aos 36 anos, em 1851.
Era uma dessas criaturas cuja morte põe em todas as bocas as seguintes palavras: Por que Deus retira tão cedo pessoas como essa da Terra?

Felizes os que fazem assim abençoada a própria memória! Ela era boa, doce, indulgente para com todos.
Sempre pronta a desculpar ou atenuar o mal, em vez de aumentá-lo.
Jamais a maledicência lhe manchou os lábios.
Sem arrogância nem estupidez, tratava os seus inferiores com uma benevolência que não descia a excessos de familiaridade, sem distanciá-los com ares de superioridade ou de uma proteção humilhante.

Compreendendo que as pessoas que vivem do seu trabalho não possuem outros rendimentos e precisam do dinheiro que ganham, seja por sua posição, seja para viverem, jamais retardou o pagamento de um salário.
O simples pensamento de que alguém pudesse passar necessidade pela falta de pagamento lhe produziria um peso na consciência.
Não era dessas pessoas que sempre dispõem de dinheiro para satisfazer as suas fantasias, mas não para pagarem aos que devem.
Não compreendia que pudesse ser de bom gosto para o rico fazer dívidas, e se sentiria humilhada se alguém pudesse dizer que os seus fornecedores eram obrigados a contemporizar os pagamentos.
Assim, a sua morte provocou muitas lamentações, mas nenhuma reclamação.
Sua caridade era inesgotável, mas não dessa caridade convencional que se ostenta em pleno dia.
Era a caridade do coração e não a da ostentação.
Só Deus sabe as lágrimas que ela enxugou e os desesperos que acalmou, pois as suas boas ações só eram testemunhadas por ela e pelos infelizes a que assistia.
Sabia sobretudo descobrir os infortúnios ocultos, que são os mais pungentes, socorrendo-os com a delicadeza que reergue moralmente e ajudando em vez de rebaixá-lo.

Sua posição e as elevadas funções do marido a obrigavam a uma despesa caseira a que não podia furtar-se.
Mas, satisfazendo inteiramente as exigências da sua posicão, sem mesquinhez, ela o fazia com método, conseguindo evitar desperdícios ruinosos e despesas supérfluas, o que lhe permitia reduzir pela metade o que outros teriam gasto sem fazerem melhor.

Podia assim reservar da sua fortuna uma parte maior para os necessitados.
Havia destinado uma parte importante de seus recursos exclusivamente para este fim, e essa destinação era sagrada para ela, considerando-a como redução a fazer nas despesas caseiras.
Encontrou assim o meio de conciliar os seus deveres sociais com os seus deveres na assistência aos infelizes.
(54)

Evocada doze anos após a morte por um parente iniciado no Espiritismo, deu a seguinte comunicação, respondendo a diversas perguntas que lhe foram feitas.
Foram tiradas desta comunicação, dada em língua alemã, os tópicos que interessam ao nosso assunto, deixando-se de lado os de interesse da família.

Tens razão, meu amigo, de pensar que sou feliz.
Eu o sou, com efeito, além de tudo o que se pudesse conceber, e não obstante estou ainda longe do plano superior.
Eu pertencia aos felizes da Terra, pois não me lembro de ter experimentado nenhum sofrimento real.
Juventude, saúde, fortuna, homenagens, eu tinha tudo o que constitui a felicidade entre vós.
Mas o que é essa felicidade ao lado da que se encontra aqui? Que são as vossas festas mais esplêndidas, em que se exibem as mais ricas jóias, comparadas as assembléias dos Espíritos que resplandecem de uma luz que os vossos olhos não poderiam suportar e que é o apanágio da sua pureza?

O que são os vossos palácios e os vossos salões dourados ante as moradas aéreas, o vasto campo do espaço matizado de cores que fariam empalidecer o arco-íris? Que são os vossos passeios passo a passo nos parques, ante a viagens através da imensidão, mais rápidas do que o relâmpago? O que são os vossos horizontes limitados e carregados de nuvens, ante o grandioso espetáculo dos mundos a se moverem no universo sem limites, sob a poderosa mão do Altíssimo?

Como os vossos concertos mais melodiosos são tristes e ruidosos, ante esta harmonia que faz vibrar os fluidos do éter e todas as fibras da alma? Como as vossas grandes alegrias são tristes e insípidas ante a inefável sensação de felicidade que incessantemente satura o nosso ser à maneira de um eflúvio benfazejo, sem nenhuma mescla de inquietação, nenhuma preocupação, nenhum sofrimento! Aqui tudo respira amor e confiança e sinceridade.
Por toda parte corações amantes, por toda parte vemos amigos, nada de invejosos e ciumentos.
Esse é o mundo em que me encontro, meu amigo, e todos vós o atingireis infalivelmente seguindo o caminho certo.

Entretanto uma felicidade uniforme logo aborreceria.
Não penses que a nossa felicidade esteja livre de vicissitudes.
Não se trata de um concerto perpétuo, nem de uma festa sem fim, nem de beatífica contemplação através da eternidade.
Não.
É o movimento, a vida, a atividade.
As ocupações, embora isentas de fadigas, apresentam incessante variedade de aspectos e de emoções, pelos mil incidentes que as continham.
Cada qual tem a sua missão a cumprir, seus protegidos a assistir, amigos da Terra a visitar, processos da Natureza a dirigir, almas sofredoras a consolar.
Há um vaivém, não de uma rua para outra, mas de um mundo para outro.
As criaturas se reúnem, se separam para novamente se juntarem; encontram-se aqui e ali, conversam sobre o que fazem, felicitam-se pelos sucessos obtidos; entendem-se, assistem-se mutuamente nos casos difíceis.
Enfim, asseguro-te que ninguém dispõe de um segundo de tempo para se enfadar.

Neste momento a Terra é a nossa grande preocupação.
Que movimento entre os Espíritos! Que numerosas falanges afluem a ela a fim de concorrerem para a sua transformação! Dir-se-ia uma multidão de trabalhadores ocupados em destrinçar uma floresta sob o comando de chefes experimentados.
Uns abatem as velhas árvores a golpes violentos, arrancam-lhes as profundas raízes; outros desbastam o terreno; estes preparam a terra que semeiam e aqueles edificam a nova cidade sobre as ruínas palpitantes do mundo destruído.
Durante esse tempo, os chefes se reúnem, discutem e enviam mensageiros com suas ordens a todas as direções.
A Terra deve ser regenerada dentro de um tempo determinado.
É necessário que se cumpram os desígnios da Providência.
Eis porque todos se esforçam.
Não penses que eu seja apenas espectador desse grande trabalho.
Eu me envergonharia de permanecer inativa quando todos estão ocupados.
Importante missão me foi confiada e me esforço para cumpri-Ia da melhor maneira possível.

Não foi sem lutas que cheguei à posição que ocupo na vida espiritual.
Sabes que a minha última existência, por mais meritória que te pareça, não seria suficiente para isso.
Durante muitas existências passei pelas provas do trabalho e da miséria, que voluntariamente escolhera para fortificar e depurar a minha alma.
Tive a felicidade de sair vitoriosa dessas provas, mas restava ainda uma a enfrentar, a mais perigosa de todas: a da fortuna e do bem-estar material, de um bem-estar sem mistura de amarguras.
Nela estava o perigo.
Antes de tentá-la, desejei sentir-me suficientemente forte para não sucumbir.
Deus levou em conta a minha boa intenção e me concedeu a graça de me amparar.
Muitos Espíritos, seduzidos pelas aparências, se precipitam na escolha e, que desgraça.
Demasiado fracos para enfrentar o perigo, as seduções triunfam sobre a sua inexperiência.
(55)

Trabalhadores, estou nas vossas fileiras! Eu, a dama nobre, ganhei, como vós, o meu pão com o suor da minha fronte.
Sofri nas privações, passei pelos maus tempos e foi isso que desenvolveu as forças viris de minha alma.
Sem isso eu teria provavelmente fracassado na minha última prova, o que me afastaria bem longe da atual situacão.
Como eu, tereis também a vez de passar pela prova da fortuna, mas não vos precipiteis pedindo-a muito cedo.
E vós, os que sois ricos, tende sempre em mente que a verdadeira fortuna, a fortuna imperecível não está na Terra, e compreendei porque preço podereis merecer as graças do Todo-Poderoso.

Paula, na Terra Condessa de.
.
.

(54) Pode-se dizer que era um vivo retrato da mulher caridosa apresentada em O Evangelho Segundo o Espiritismo, cap.
Xlll.
(N.
de Kardec).
— Fazer dívidas e ser displicente no pagamento era uma forma de mostrar superioridade usada pelos ricos e os nobres.
Por isso é que Kardec se refere ao assunto ao tratar da Condessa Paula.
Ainda hoje algumas pessoas de posse acham elegante tratar com displicência os seus credores pobres, tripudiando sobre as necessidades do próximo.
(N.
do T.
)

55) Essa passagem explica bem claramente o motivo da falência de Espíritos incumbidos de grandes missões.
Veja-se em Obras Póstumas que o próprio Kardec foi sempre advertido quanto ao perigo de falir.
Em A Caminho da Luz, obra psicográfica de Francisco Cândido Xavier, Emmanuel refere vários exemplos de grandes missionários falidos em sua passagem pela Terra.
No campo da mediunidade esses fracassos são mesmo comuns e os exemplos enxameiam ao nosso redor.
(N.
do T.
)

Jean Reynaud

Meus amigos, como esta vida nova é magnífica! Semelhante a uma torrente luminosa, ela arrasta no seu curso imenso as almas inebriadas de infinito.
Após o rompimento dos liames carnais, meus olhos abarcaram os novos horizontes que me cercam e gozei das esplêndidas maravilhas do Infinito.
Passei das sombras da matéria à alvorada cintilante que anuncia o Todo-Poderoso.
Estou salvo, não pelo mérito das minhas obras, mas pelo conhecimento do princípio eterno que me fez evitar as manchas lançadas pela ignorância na pobre Humanidade.

Bendita foi a minha morte.
Meus biógrafos a julgaram prematura, os cegos! Lamentaram-na por alguns escritos nascidos da poeira e não compreenderão quanto o silêncio em torno da minha tumba recém-fechada será útil para a santa causa do Espiritismo.
Minha obra estava realizada.
Os meus sucessores avançavam na rota.
Eu já havia atingido esse ponto culminante em que o homem deu o que tinha de melhor e nada mais faz do que repetir.
Minha morte faz voltar-se a atenção dos letrados para a minha obra capital, referente à questão espírita que eles fingem desconhecer e que em breve os envolverá.
Glória a Deus! Ajudado pelos Espíritos superiores que protegem a vossa doutrina, vou ser um dos pioneiros que balizam a vossa rota.

Jean Reynaud

(Paris, reunião familiar: outra comunicação espontânea)

O Espírito responde a um pensamento formulado sobre a sua morte inesperada, em idade pouco avançada, e que surpreendera muita gente:

Quem te disse que a minha morte não foi um benefício para o Espiritismo, para o seu futuro, para o seu desenvolvimento? Notaste, meu amigo, a linha seguida pelo seu progresso, o rumo que toma a fé espírita? Deus concedeu primeiro as provas materiais: a dança das mesas, as pancadas e toda a espécie de fenômenos.
Isso para chamar a atenção, uma introdução divertida.
Os homens necessitam de provas palpáveis para crer.
Agora é bem diferente! Após as provas materiais, Deus fala à inteligência, ao bom senso, à razão fria.
E não mais através de fatos estranhos, mas de coisas racionais que devem convencer e atrair até mesmo os incrédulos, os mais sistemáticos.
E isso ainda é apenas o começo.

Prestai bem atenção no que vos digo: toda uma série de fatos inteligentes e irrefutáveis vão se dar, e o número dos adeptos da fé espírita, já grande, vai ainda aumentar.
Deus vai se impor às inteligências de elite, às sumidades do pensamento, do talento e do saber.
Será essa uma irradiação luminosa que se expandirá por toda a Terra como um fluido irresistível e arrastará os mais recalcitrantres à busca do infinito, ao estudo dessa admirável ciência que nos ensina máximas tão sublimes.

Todos se agruparão ao vosso redor e, fazendo abstração do título de gênio que lhes tenham dado, tornar-se-ão humildes e pequenos para aprender e para se convencerem.
Depois, mais tarde, quando estiverem bem instruídos e bem convencidos, empregarão a sua autoridade e a notoriedade dos seus nomes para avançar mais e atingir os últimos limites do alvo que vos foi proposto: a regeneração da espécie humana pelo conhecimento racional e aprofundado das existências passadas e futuras.
Eis a minha sincera opinião sobre o estado atual do Espiritismo.
(56)

Em Bordeaux

Evocação — Atendo com prazer ao vosso apelo, senhora.
Sim, tendes razão, a perturbação espírita não poderia, por assim dizer, existir para mim (isto respondia ao pensamento do médium) : exilado voluntário na vossa Terra, eu deveria lançar a primeira semente séria das verdades que envolvem o mundo neste momento, e guardava sempre comigo a consciência da pátria(57), de maneira que logo me reconheci no meio de meus irmãos.

P.
— Eu vos agradeço por ter querido vir, mas não acreditaria que o meu desejo de conversar convosco tivesse exercido influência nisso.
Deve, necessariamente, haver uma distância tão grande entre nós que só penso nisso com respeito.

R.
— Agradeço esse bom pensamento, meu filho, mas deveis saber também que, seja qual for a distância que a conclusão mais ou menos pronta e mais ou menos feliz das provas possa estabelecer entre nós, há sempre um laço poderoso que nos une: a simpatia.
E esse liame haveis estreitado pela constância do vosso pensamento.

(56) Conferindo esta mensagem com as traduções correntes em nossa língua, o leitor encontrará diversas diferenças de texto, mas cotejando-a com o original francês verá que fizemos o possível para ser bem fiéis à letra e ao espírito.
As traduções literais nem sempre são fiéis, pois esquecem a diversidade de sentido das palavras e das expressões de uma língua para outra.
(N.
do T.
)

(57) A consciência da pátria, no caso, não se refere à França, mas à pátria espiritual, como se depreende facilmente do texto, onde o espírito afirma a sua condição de exilado voluntário na vossa Terra.
A palavra vossa, nesse caso, tem grande importância por acentuar a diferença entre o mundo espiritual e o dos encarnados.
(N.
do T.
)

P.
— Embora muitos Espíritos tenham explicado as suas primeiras sensações ao acordar, seria muito bom me dizerdes o que experimentastes ao tomar consciência da situação e como a separação de vosso Espírito e do vosso corpo se processou.
(58)

R.
— Como para todos.
Senti aproximar-se o momento da libertação, mas fui mais feliz que muitos, porque isso não me causou angústias, pois eu já conhecia as suas conseqüências, embora elas fossem ainda maiores do que eu pensava.
O corpo entrava as faculdades espirituais, e sejam quais forem as luzes que o espírito tenha conservado, elas são sempre mais ou menos abafadas pelo contato da matéria.
(59) Eu adormeci esperando um despertar feliz, e o sono foi curto, mas o espanto foi imenso.
Os esplendores celestes se desenrolaram aos meus olhos, brilhando em todo o seu fulgor.
Minha vista mergulhava espantada nas imensidades desses mundos cuja existência e habitabilidade eu havia afirmado.
Era uma miragem que me revelava e confirmava a veracidade dos meus sentimentos.
Por mais que se creia seguro, o homem quando fala tem no fundo do seu coração, quase sempre, momentos de dúvida e de incerteza.
Desconfia, senão da verdade que proclama, pelo menos, com freqüência, dos meios imperfeitos que emprega para demonstrá-la.
Convencido da verdade que desejava fazer admitida, tive muitas vezes de lutar comigo mesmo contra a falta de coragem para ver, para tocar, por assim dizer, a verdade, e para torná-la palpável aos que tinham tanta necessidade de nela crer, para seguirem com segurança o caminho que lhes convinha.
(60)

P.
— Na vida professastes o Espiritismo?

R.
— Entre professar e praticar há grande diferença.
Muita gente professa doutrina que não pratica.
Eu praticava e não professava.
Da mesma maneira que todo homem que segue a lei do Cristo é cristão, mesmo que o faça sem conhecimento, pode ser espírita todo aquele que crê na alma imortal, nas suas existências, na sua marcha progressiva incessante, nas provações terrenas — abluções necessárias para se purificar.
Eu acreditava e portanto era espírita.
Compreendi a erraticidade, essa fase de ligação entre as encarnações, esse purgatório em que o Espírito culpado se despoja de suas vestes sujas para envergar uma nova roupa, onde o Espírito em evolução tece com cuidado a roupa nova que vai usar e deseja conservar limpa.
Compreendi, já vos disse, e embora sem professar, continuei a praticar.

Observação: Essas três comunicações foram obtidas por três médiuns diferentes, completamente estranhos uns aos outros.
A semelhança dos pensamentos e a forma da linguagem permitem admitir-se pelo menos a presunção da identidade.
A expressão: tece com cuidado a roupa nova que vai usar, é encantadora figura que exprime a solicitude com que o Espírito em progresso prepara a nova existência em que deve continuar progredindo.
Os Espíritos atrasados são menos precavidos e fazem às vezes escolhas infelizes que os forçam a recomeçar.

ESPÍRITOS FELIZES

Antonio Costeau

Membro da Sociedade Espírita de Paris, sepultado em 12 de setembro de 1863 no cemitério de Montmartre, em vala comum.

Era um homem de coração que o Espiritismo reconduziu a Deus; completa, sincera e profunda era a sua fé em Deus.
Simples calceteiro, praticava a caridade por pensamentos, palavras e obras consoante os fracos recursos de que dispunha e encontrando meios, ainda assim, de socorrer os que possuíam menos do que ele.
Se a Sociedade não lhe adquiriu uma sepultura particular, foi porque lhe pareceu dever antes empregar mais utilmente o dinheiro em benefício dos vivos, do que em vãs satisfações de amor-próprio, além de que nós, os espíritas, sabemos melhor que ninguém que a vala comum é, tanto quanto os mais suntuosos mausoléus, uma porta aberta para o céu.

O Sr.
Canu, secretário da Sociedade e profundo materialista de outros tempos, pronunciou sobre a campa a seguinte alocução:

Caro irmão Costeau: faz alguns anos, muitos dentre nós, e eu em primeiro lugar, confesso-o, não viríamos a este túmulo aberto, que representaria apenas o fim das misérias humanas, e depois o nada, o pavoroso nada, isto é, onde não existia nem alma para merecer ou expiar e, conseqüentemente, nem Deus para recompensar, castigar ou perdoar.
Hoje, graças à nossa santa Doutrina, divisamos aqui o termo das provações, e para você, querido irmão, cujos despojos baixam à terra, o triunfo dos labores e o início das recompensas a que fizeram jus a sua coragem, resignação, caridade, as vossas virtudes e, acima de tudo isso, a glorificação de um Deus sábio, onipotente, justo e bom.

(58) A frase ao tomar consciência da situação corresponde no texto francês a esta: en vous reconnaissant, que traduzida literalmente em português não daria o mesmo sentido.
(N.
do T.
)

(59) Esta explicação corresponde ao ensino dado pelos Espíritos não só no Espiritismo mas também nas diversas religiões e ordens espiritualistas que trataram do problema.
Por mais evoluído que seja, o espírito encarnado está sempre sujeito a essa asfixia dos seus dons, produzida pelo contato da matéria.
Por isso mesmo o Espiritismo define a matéria como o liame que prende o espírito.
Ver O Livro dos Espíritos, perguntas 22 e 22a.
(N.
do T.
)

(60) Essa dificuldade de exprimir a verdade entrevista é conhecida de todos os que conseguem elevar-se acima do nível comum.
Jean Reynaud conseguiu, nesse trecho, precisar os diversos aspectos dessa luta íntima pela comunicação, de que já falavam os gregos.
Platão, no final da sua existência, decIarou que não podia traduzir em palavras, as mais belas percepções de sua alma no mundo das idéias.
Todos os estudiosos que são interpelados sobre questões espíritas ou discorrem sobre elas conhecem essas dificuldades.
(N.
do T.
)

Seja, pois, caro irmão, o portador das graças que rendemos ao Eterno por ter permitido que se dissipassem as trevas do erro e da incredulidade que nos assoberbavam.
Não há muito tempo, e nestas mesmas circunstâncias, com a fronte abatida e o coração lacerado, em desânimo, nós lhe teríamos dito: amigo, adeus para sempre.
Mas hoje lhe dizemos, de fronte erguida, radiante de esperanças, e com o coração cheio de amor e de coragem: caro irmão, até breve, ore por nós.

Um dos médiuns da Sociedade obteve ali mesmo na sepultura, ainda meio aberta, a seguinte comunicação, ouvida por todos os presentes, coveiros inclusive, de cabeças descobertas com profunda emoção.
Era, de fato, um espetáculo novo e surpreendente esse de ouvir palavras de um morto, recolhidas do seio do próprio túmulo:

Obrigado, amigos, obrigado.
O meu túmulo ainda nem mesmo de todo é fechado, mas, passando um segundo, a terra cobrirá os meus despojos.
Vós sabeis no entanto, que minha alma não será sepultada nesse pó, antes pairará no Espaço a fim de subir até Deus!

E como consola poder a gente dizer a respeito da dissolução dos invólucros: oh! eu não morri, vivo a verdadeira vida, a vida eterna! O enterro do pobre não tem grandes cortejos, nem orgulhosas manifestações se lhe abeiram da campa.
.
.

Em compensação, acreditai-me, imensa multidão aqui não falta, e bons Espíritos acompanharam convosco, e com estas mulheres piedosas, o corpo que aí jaz estendido.

Ao menos todos vós tendes fé e amais o bom Deus!

Oh! certamente não morremos só porque o nosso corpo se reduz a nada, esposa amada! Demais, eu estarei sempre ao teu lado para te consolar, para te ajudar a suportar as provações.
Rude ser-te-á a vida, mas cheio o coração com as idéias da eternidade e do amor de Deus.
Como serão efêmeros os teus sofrimentos! Parentes que rodeiam a minha amantíssima companheira, amem-na, respeitem-na, sejam para ela como irmãos.
Não se esqueçam nunca da assistência que mutuamente vocês devem uns aos outros na Terra, se é que pretendem penetrar a morada do Senhor.

Quanto a vocês, espíritas, irmãos, amigos, obrigado por terem vindo a esta morada de pó e lama, a dizer-me adeus.
Mas sabem e sabem muito bem, vocês, que minha alma imortal vive, e que algumas vezes, lhes irá pedir preces que jamais lhe hão de recusar para auxiliá-la na vida magnífica que lhe descortinaram na vida terrena.

A vocês todos que aqui estão, adeus.
Nós nos podemos rever noutro lugar, além deste túmulo.
As almas me chamam a conferenciar.
Adeus, orem pelos que sofrem e até outra vista.

Costeau.

Três dias depois, evocado num grupo particular, o Espírito de Costeau assim se exprimiu por intermédio de outro médium:

A morte é a vida.
Não faço mais que repetir o que já disseram, mas para vocês não há outra expressão senão esta, a despeito do que afirmam os materialistas, aqueles que preferem ficar cegos.
Oh! meus amigos, que belo espetáculo na Terra o de ver tremular os estandartes do Espiritismo!

Ciência profunda, imensa, da qual apenas vocês soletram as primeiras palavras.
E que de luzes leva aos homens de boa vontade, aos que, libertando-se das terríveis cadeias do orgulho, aItamente proclamam a sua crença em Deus! Homens, orai, rendei graças por tantos benefícios.
Pobre Humanidade! Ah! se vos fora dado compreender!.
.
.
Mas não, que o tempo não é chegado ainda, no qual a misericórdia do Senhor deve estender-se por todos os homens, a fim de que lhe reconheçam as vontades e a elas se submetam.
Pelos seus raios luminosos, ciência bendita, é que eles já chegarão e compreenderão.

Ao seus raios vivificantes, o mestre e o operário virão a confundir-se e identificar-se, compenetrados dessa caridade fraterna preconizada pelo divino Messias.

Oh! meus irmãos, pensem na felicidade imensa que possuem como primeiros iniciados na obra de regeneração.

Honra lhes seja feita.
Prossigam e um dia, como eu, vendo a pátria dos Espíritos, exclamarão: a morte é a vida, ou antes um sonho, espécie de pesadelo que dura o espaço de um minuto e do qual despertamos para nos vermos rodeados de amigos que nos felicitam, ditosos por nos abraçarem.
Tão grande foi a minha ventura, que eu não podia compreender que Deus me destinasse tantas graças relativamente ao pouco que fiz.
Parecia-me sonhar e como outrora me acontecia sonhar que estava morto, fui por instantes obrigado ao temor de voltar ao desgraçado corpo.
Muito não tardou, porém, que me desse contas da realidade e rendesse graças a Deus.
Eu bendizia o mestre que tão bem soube incutir-me os deveres de homem que crê na vida futura.
Sim, eu o bendizia, agradecia-lhe, porquanto O Livro dos Espíritos despertara-me n alma os elos de amor ao meu Criador.

Obrigado, bons amigos que me atraíram para junto de vocês.
Comuniquem aos nossos irmãos que estou muitas vezes com o nosso amigo Sanson.
Até outra vista e coragem, porque o triunfo os espera.
Felizes aqueles que houverem tomado parte no combate!

Daí por diante o Sr.
Costeau manifestou-se constantemente, na Sociedade e em outras reuniões, dando sempre provas dessa elevação de pensamentos que caracteriza os Espíritos adiantados.

A Srta.
Ema

Em conseqüência de acidentes causados por fogo, faleceu a Srta.
Ema após cruéis sofrimentos.
Alguém se propusera solicitar a sua evocação na Sociedade Espírita de Paris, quando ela se apresentou espontaneamente a 31 de julho de 1863, pouco tempo depois da morte.

Eis-me aqui ainda no cenário do mundo, eu que me julgava sepultada para sempre no meu véu de inocência e juventude.
Salvar-me-ia o fogo da Terra, do fogo do inferno — assim pensava eu na minha fé católica e, se não ousava entrever os esplendores do paraíso, minha alma tímida se apagava à expiação do purgatório, enquanto pedia, sofria e chorava.
Mas quem dava ao ânimo abatido a força de suportar as angústias? Quem, nas longas noites de insônia e febre dolorosa se inclinava no leito de martírios? Quem me refrescava os lábios sedentos, escaldantes? Éreis vós, meu Guia, cuja auréola branca me cercava; e éreis vós outros, Espíritos caros e amigos, que vínheis murmurar-me ao ouvido palavras de esperança e de amor.

A chama que me consumia o corpo débil também me despojou das suas cadeias e, assim, morri vivendo já a verdadeira vida.
Não experimentei a perturbação; entrei serena e recolhida no dia radiante que envolve aqueles que, depois de muito terem sofrido, souberam esperar um pouco.

Minha mãe, minha querida mãe foi a última vibração terrestre que me repercutiu na alma.
Como eu desejo que ela se torne espírita! Desprendi-me da Terra como fruto maduro que se desprendesse da árvore antes do tempo.
Eu não tinha sido tocada pelo demônio do orgulho que estimula as almas desditosas, arrastadas pelos êxitos embriagadores e brilhantes da juventude.

Bendigo, pois, o fogo, o sofrimento, a prova, que não passavam de expiação.
Semelhante a esses brancos e leves fios do Outono, flutuo na torrente luminosa e não são mais as estrelas de diamante que me rebrilham na fronte, mas as áureas estrelas do bom Deus.

Ema.

Em 30 de julho de 1863, espontaneamente o mesmo Espírito concedeu em outro centro em Havre a seguinte comunicação:

Os que sofrem na Terra, são recompensados na outra vida.

Deus é repleto de Justiça e Misericórdia para com os que aqui sofrem.

Concede a felicidade pura e perfeita, que não se deveria temer os sofrimentos e tampouco a morte, se fosse possível aos pobres seres humanos saber os misteriosos desígnios de Nosso Criador.

Mas a Terra é um local de muitas provações e freqüentemente semeados de dores bem pungentes.

Seja resignado se for ferido e diante de Deus que é o Criador Absoluto, inclinai-vos pela Sua bondade quando Ele vos der um fardo pesado para suportar.

Se Ele vos chamar depois de grandes sofrimentos, se nenhum lamento ou murmúrio entrar em vosso coração, vereis como foram poucas essas dores e as penas da Terra, quando percebereis a recompensa que Deus vos reserva.

Bem cedo deixei a Terra e Deus quis me perdoar e dar-me a vida daqueles que respeitam Sua vontade.

Adorai e Amai de todo coração para sempre a Deus.

Acima de tudo orai firmemente.

É nisto que consiste o vosso sustentáculo aqui na Terra.

A vossa esperança, a vossa salvação.

Ema.

O Doutor Vignal

Antigo membro da Sociedade de Paris, falecido a 27 de março de 1865.
Na véspera do enterro, um sonâmbulo lúcido e bom vidente, instado a transportar-se para junto dele e narrar o que visse, falou:

Vejo um cadáver em que se opera um trabalho extraordinário; dir-se-ia uma quantidade de massa que se agita e alguma coisa que parece fazer esforços para se lhe desprender, encontrando, contudo, dificuldade em vencer a resistência.
Não distingo forma de Espírito bem caracterizada.

Fez-se a evocação na Sociedade de Paris, a 31 de março.

P.
— Caro Sr.
Vignal, todos os seus velhos colegas da Sociedade de Paris guardam do Sr.
as mais vivas saudades, e eu, particularmente, das boas relações, aliás nunca interrompidas.
Evocando-o, tivemos por fim primeiramente testemunhar-lhe a nossa simpatia, considerando-nos felizes se puder e quiser palestrar conosco.

R.
— Prezado amigo e digno mestre: tão bondosa lembrança e testemunhos de simpatia me são muito lisonjeiros.
Graças à sua evocação, levadas pelas preces, pude vir hoje assistir desimpedido a esta reunião de bons amigos e irmãos espíritas.
Como justamente disse o jovem secretário, eu estava impaciente por me comunicar; desde o anoitecer de hoje, empreguei todas as forças espirituais para dominar esse desejo; como os graves assuntos, tratados na sua conversação, me interessassem vivamente, tornaram a minha expectativa menos penosa.
Perdoe-me, meu caro amigo, mas a minha gratidão exigia a minha manifestação.

P.
— Diga-nos primeiramente como se encontra no mundo espiritual, descrevendo o trabalho da separação, as sensações daquele momento, bem como o tempo necessário ao reconhecimento do seu estado.

R.
— Sou tão feliz quanto possível, vendo plenamente confirmados os secretos pensamentos concebíveis, em relação a uma doutrina confortante e consoladora.

Sou feliz, e tanto mais por ver agora, sem obstáculo algum, desenvolver-se diante de mim o futuro da ciência e da filosofia espíritas.

Mas deixemos por hoje estas digressões inoportunas; de novo voltarei a conversar com vocês acerca deste assunto, máxime sabendo que a minha presença lhes dará tanto prazer quanto o que experimento em visitá-los.

A separação foi rápida; mais do que podia esperar pelo meu apoucado merecimento.
Fui eficazmente auxiliado pelo seu concurso e o sonâmbulo lhes deu uma idéia bastante clara do fenômeno da separação, para que eu nele insista.
Era uma espécie de oscilação intermitente, um como arrastamento em sentidos opostos.
Triunfou o Espírito aqui presente.
Só deixei completamente o corpo quando ele baixou à terra; e aqui vim ter com vocês.

P.
— Que diz dos seus funerais? Julguei-me no dever de a eles comparecer.
Nesse momento o Sr.
era muito livre para apreciá-los; e as preces por mim feitas a seu favor (discretamente, já se vê) tinham chegado até o Sr.
?

R.
— Sim; já lhe disse; a sua assistência auxiliou-me grandemente e voltei para o seu lado, abandonando completamente a velha carcaça.
Demais, o Sr.
sabe, pouco me importam as coisas materiais.
Só pensava na alma e em Deus.

P.
— Recorda-se de que a seu pedido, há 5 anos, em fevereiro de 1860 e quando ainda estava entre nós, fizemos um estudo acerca da sua personalidade.
(61) Naquela ocasião o seu Espírito desprendeu-se para vir falar conosco.
Poderá descrever-nos da melhor forma a diferença entre o seu atual desprendimento e aquele de então?

(61) Ver a Revista Espírita de março de 1860.

R.
— Sim, lembro-me.
Que grande diferença entre um e outro! Naquele estado, a matéria me oprimia ainda na sua trama inflexível, isto é, queria mas não podia desembaraçar-me totalmente.

Hoje sou livre; um vasto campo desconhecido se me depara e eu espero com o seu auxílio e o dos bons Espíritos, aos quais me recomendo, progredir e compenetrar-me o mais rapidamente possível dos sentimentos que é mister possuir e dos atos que me cumpre empreender para suportar as provações e merecer a recompensa.

Que majestade! Que grandeza! É quase um sentimento de temor que predomina, quando, fracos quais somos, queremos fixar as paragens luminosas.

P.
— Sempre que o Sr.
quiser, continuaremos a conversar acerca do assunto.

R.
— Respondi sucinta e desordenadamente a diversas perguntas.
Não exija mais agora do seu fiel discípulo, porquanto não estou ainda inteiramente livre.
Continuar a conversar seria o meu prazer, mas o meu Guia modera-me o entusiasmo e aliás já pude apreciar-lhe bastante a bondade e a justiça, motivo porque me submeto inteiramente à decisão dele, por maior que seja o meu pesar por ser interrompido.
Consolo-me, pensando que poderei vir assistir algumas vezes, incógnito, às suas reuniões.

Falar-lhe-ei sempre que possa, pois o estimo e desejo provar-lhe.
Outros Espíritos, porém, mais adiantados, reclamam prioridade, devendo eu curvar-me àqueles que me permitiram dar livre curso à torrente das idéias acumuladas.

Deixo-os, meus amigos, e devo agradecer duplamente não só vocês espíritas que me evocaram como também a este Espírito que houve por bem ceder-me o seu lugar, Espírito que na Terra tinha o ilustre nome de Pascal.

Daquele que foi e será sempre o mais devotado dos seus adeptos.

Dr.
Vignal.

Victor Leblufe

Moço, prático do porto do Havre, falecido aos 20 anos de idade.

Morava com a mãe, mercadora, a quem prodigalizava os mais ternos e afetuosos cuidados, sustentando-a com o produto do seu rude trabalho.
Nunca o viram freqüentar tabernas nem entregar-se aos tão freqüentes excessos da profissão, por não querer desviar a menor partícula de salário do fim piedoso que lhe destinava.

Todo o seu lazer consagrava-o à genitora para poupá-la de fadigas.
Atingido havia muito por enfermidade, da qual, sabia, havia de morrer, ocultava-lhe os sofrimentos para não a inquietar e para que ela não quisesse privá-lo do serviço.
Na idade das paixões, eram precisos a esse moço um grande cabedal de qualidades morais e poderosa força de vontade para resistir às perniciosas tentações do meio em que vivia.
Possuído de sincera piedade, a sua morte foi edificante.

Na véspera da morte, exigiu da mãe que fosse repousar, dizendo-lhe ter, também, ele, necessidade de dormir.

Ela teve naquele ínterim uma visão; achava-se, disse, em grande escuridão, quando viu um ponto luminoso que crescia pouco a pouco, até que o quarto ficou iluminado por brilhante claridade, da qual se destacava radiante a figura do filho, elevando-se ao Espaço infinito.
Compreendeu que o seu fim estava próximo, e, com efeito, no dia seguinte, aquela alma bem formada havia deixado a Terra, murmurando uma prece.

Uma família espírita, conhecedora da conduta correta dele, interessando-se pela mãe que ficara sozinha, teve a idéia de o evocar pouco tempo após a morte; mas ele se manifestou espontaneamente e deu a seguinte comunicação:

Desejais saber como estou agora; feliz, felicíssimo! Devem ser levados em conta os sofrimentos e angústias, que são a origem das bênçãos e da felicidade de além-túmulo.
A felicidade! Ah! não compreendeis o que significa essa palavra.
As venturas terrenas das que experimentamos ao regressar para Jesus, com a consciência pura, com a confiança do servo cumpridor do seu dever, que espera cheio de alegria a aprovação d Aquele que é tudo.

Ah! meus amigos, a vida é penosa e difícil, quando se não tem em vista a finalidade dela; mas eu vos digo, em verdade, que quando vierdes para junto de nós, se seguirdes a lei de Deus, sereis recompensados além mas muito além dos sofrimentos e dos méritos que porventura julgardes ter adquirido para a outra vida.
Sede bons e caritativos, dessa caridade tão desconhecida entre os homens, e que se chama benevolência.
Socorrei os vossos semelhantes, fazendo por outrem mais que por vós mesmos, uma vez que ignorais a miséria alheia e conheceis a vossa.

Socorrei minha mãe, pobre mãe, único pesar que me vem da Terra.
Ela deve passar por outras provas e preciso é que chegue ao céu.
Adeus, vou vê-la.

Victor.

O Guia do médium — Nem sempre os sofrimentos amargados na Terra constituem uma expiação.
Os Espíritos que, cumprindo a vontade do Senhor, baixam à Terra, como este, são felizes em provar males que para outros seriam uma expiação.

O sono os revigora perante o Todo-Poderoso, dando-lhes a força de tudo suportarem para sua maior glória.
A missão deste Espírito, em sua última existência, não era de aparato, mas por mais obscura que fosse nem por isso tinha menos mérito, visto como não podia ser estimulado pelo orgulho.
Ele tinha, antes de tudo, um dever de gratidão a cumprir para com aquela que lhe foi a genitora; depois, deveria demonstrar que nos piores ambientes podem encontrar-se almas puras, de nobres e elevados sentimentos, capazes de resistir às tentações.
Isso é uma prova de que as qualidades morais tem causas anteriores e um exemplo assim não terá sido estéril.

A Senhora Anais Gourdon

Era muito jovem e notável pela doçura de caráter e de eminentes qualidades morais que a distinguiam, tendo falecido em novembro de 1860.
Pertencia a uma família de mineiros dos arredores de Saint-Etienne, circunstância que torna interessante sua posição espiritual.

Evocação

— R.
Presente.

P.
O seu pai e o seu marido pediram-me para evocá-la e felizes se julgariam se obtivessem uma comunicação.

R.
Eu também sou feliz em dá-la.

P.
Por que tão cedo se furtou aos carinhos da família?

R.
Porque terminei as provações terrenas.

P.
Pode algumas vezes ver os seus parentes?

R.
Oh! estou sempre ao lado deles.

P.
É feliz como Espírito?

R.
Sou feliz.
Amo e espero.
Os céus não me infundem temor e cheia de confiança aguardo que asas brancas me alcem até eles.

P.
Que entende por asas brancas?

R.
Tornar-me Espírito puro, resplandecer como os mensageiros celestes que me ofuscam.

As asas dos anjos, arcanjos, serafins, que não passam de Espíritos puros, são evidentemente apenas um atributo pelos homens, imaginado para dar idéia da rapidez com que se transportam, uma vez que a sua natureza etérea os dispensa de qualquer amparo para fender os espaços.
Contudo, eles podem aparecer aos homens com esse acessório para lhes corresponderem ao pensamento, assim como os Espíritos se revestem da aparência terrestre a fim de se tornarem reconhecíveis.

P.
Podem seus parentes fazer algo a seu favor?

R.
Podem, caros irmãos, não me entristecer com as suas lamentações, pois sabem que não estou perdida de todo para eles.
Desejo que a recordação de meu ser lhes seja suave e doce.
Passei como uma flor pela Terra e nada de pesaroso deve subsistir dessa passagem.

P.
Como pode ser tão poética a sua linguagem e tão pouco em harmonia com a posição que teve na Terra?

R.
É que a minha alma é quem fala.
Sim, eu tinha conhecimentos adquiridos e Deus permite muitas vezes que Espíritos delicados encarnem entre os homens mais rústicos, para fazer-lhes pressentir as delicadezas ao alcance deles, delicadezas essas que compreenderão mais tarde.

Sem esta explicação tão lógica, consentânea com a solicitude de Deus para com as criaturas, dificilmente se compreenderia o que à primeira vista pareceria anomalia.
Realmente, que pode haver de mais belo, poético e gracioso que a linguagem dessa jovem educada entre rudes operários? Dá-se o contrário muitas vezes: Espíritos inferiores encarnam entre os mais adiantados homens, porém, com objetivo oposto.
É visando o seu próprio adiantamento que Deus os põe em contato com um meio esclarecido e, às vezes, também como instrumento de provação desse mundo.
Que outra filosofia pode resolver esses problemas?

Maurício Gontran

possuía todas as qualidades que fazem prever brilhante futuro.
Com grande êxito terminara muito criança os primeiros estudos e se matriculara em seguida na Escola Politécnica.
A sua morte acarretou aos parentes uma dessas dores que deixam traços profundos e tanto mais dolorosos, pois que, tendo sido sempre de natureza delicada, lhe atribuíam o fim prematuro ao trabalho de estudos a que o levaram.

Exprobando-se então, diziam: De que lhe serve agora tudo o que aprendeu? Melhor fora ficasse ignorante, pois a ciência não lhe era necessária para viver, e assim estaria, sem dúvida, entre nós; seria o consolo da nossa velhice .
Se conhecessem o Espiritismo, raciocinariam de forma diferente.
Nele encontraram, contudo, a verdadeira consolação.
O ditado seguinte foi dado pelo rapaz a um dos seus amigos, meses após o decesso.

P.
Meu caro Maurício, a terna afeição que votava a seus pais me dá a convicção de que deseja reconfortar-lhes o ânimo, se estiver ao seu alcance fazê-lo.
O pesar, direi mesmo desespero, que o seu passamento lhes trouxe visivelmente à saúde e os leva a se desgostarem da vida.
Algumas palavras de consolo poderão certamente fazer renascer-lhes a esperança.
.
.

R.
Meu amigo, esperava com impaciência esta ocasião que ora me faculta, de comunicar-me.
A dor de meus pais aflige-me, porém, ela se acalmará quando tiverem a certeza de que não estou perdido para eles; aproxime-se deles a fim de os convencer desta verdade, o que certamente você conseguirá.
Era preciso este acontecimento para insinuar-lhes uma crença que lhes trará a felicidade, e os impedirá de murmurar contra os decretos da Providência.

Vocês sabem que o meu pai era muito cético a respeito da vida futura.
Deus concedeu-lhe este desgosto para arrancá-lo do erro.
Aqui nos reencontraremos, neste mundo, onde não se conhecem desgostos da vida e onde os precedi; afirme-lhes categoricamente que a ventura de tornarem a ver-me lhes será recusada como castigo por falta de confiança na bondade de Deus.
Interdita me seria mesmo a comunicação com eles, durante o tempo da sua permanência na Terra.
O desespero é uma rebeldia à vontade do Onipotente, sempre punido com o prolongamente da causa que o produziu, até que haja completa submissao.

O desespero é verdadeiro suicídio, porque mina as forças corpóreas e aquele que abrevia os seus dias, no intuito de escapar mais cedo aos travos da dor, faz jus às mais cruéis decepções; deve-se, ao contrário, avigorar o corpo a fim de suportar mais facilmente o peso das provações.

Meus queridos e bondosos pais, é a vós que neste momento me dirijo.
Desde que deixei os despojos mortais nunca deixei de estar ao vosso lado.
Aí estou muito mais vezes mesmo do que quando na Terra.
Consolai-vos, pois porque eu não estou morto, ou antes, estou mais vivo que vós.
Apenas o corpo morreu, mas o Espírito, esse vive sempre.
Ele é ao demais livre, feliz, isento de moléstias, de enfermidades e de dores.

Em vez de vos afligirdes, regozijai-vos por saber que estou ao abrigo de cuidados e apreensões, em lugar onde o coração se satura de alegria puríssima, sem a sombra de um desgosto.

Meus bons amigos, não deploreis aqueles que morrem precocemente, porque isso é uma graça que Deus lhes concede, poupando-os às tributações da vida terrena.
A minha existência aí não devia prolongar-se por muito tempo desta vez, pois adquirira o necessário para me preparar no Espaço, para uma missão mais elevada.
Se tivesse mais tempo, não imaginas a que perigos e seduções iria expor-me.

Podereis acaso julgar da minha fortaleza para não sucumbir nessa luta que importaria atraso de alguns séculos? Por que pois lastimar o que me é vantajoso?

Neste caso, uma dor inconsolável acusaria descrença só legítima pela idéia do nada.
Aqueles que assim descrêem, esses é que são dignos de lástima, pois para eles não pode haver consolação possível; os entes caros se lhes apresentam como irremediavelmente perdidos, porque a tumba lhes leva a última esperança!

P.
A sua morte foi dolorosa?

R.
Não, meu amigo, apenas sofri, antes da morte, os efeitos da moléstia, porém esse sofrimento diminuía à proporção que o último instante se aproximava: depois, um dia, adormeci sem pensar na morte.
Tive então um sonho delicioso! Sonhei que estava curado, que não mais sofria, e respirava a longos haustos, prazerosamente, um ar embalsamado e puro: transportava-me através do Espaço uma força desconhecida.
Brilhante luz resplandecia em torno, mas sem cansar-me a vista! Vi meu avô não mais esquálido, alquebrado, porém com aspecto juvenil e loução.

Estendia-me os braços e me estreitava efusivamente ao coração.

Multidão de outras pessoas, de risonhos semblantes, o acompanhavam e me acolhiam todos com benevolência e doçura; parecia-me reconhecê-los e, venturoso por tornar a vê-los; trocávamos felicitações e testemunhos de amizade.
Pois bem! O que eu supunha ser um sonho era a realidade, porque desse sonho não devia despertar na Terra: é que acordara no mundo espiritual.

P.
A sua moléstia não se originou da grande assiduidade no estudo?

R.
Oh! Não, desenganai-vos.
Contado estava o tempo que eu deveria passar na Terra e coisa alguma poderia aí reter-me.
Sabia-o meu Espírito nos momentos de desprendimento e considerava-me feliz com a idéia da próxima libertação.

Contudo não deixou de aproveitar-me a mim o tempo em que aí estive e hoje me felicito por o não haver perdido.

Os estudos sérios que realizei me fortificaram a alma e lhe aumentaram os conhecimentos e se, em virtude da minha curta existência não pude dar-lhes aplicação, nem por isso deixarei de o fazer mais tarde e com maior utilidade.

Adeus, meu caro amigo; parto para junto de meus pais, a fim de predispo-los a receber esta comunicação.

Maurício.

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