Livro Céu e o Inferno – Segunda Parte -Capítulo V Suicidas – Allan Kardec

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O Suicida da Samaritana

A 7 de abril de 1858, pelas 7 horas da noite, um homem de cerca de 50 anos e decentemente trajado apresentou-se no estabelecimento da Samaritana, de Paris, e mandou que lhe preparassem um banho.
Decorridas perto de 2 horas, o criado de serviço, admirado pelo silêncio do freguês, resolveu entrar no seu cômodo, a fim de verificar o que ocorria.

Deparou então com um quadro horroroso: o infeliz degolara-se com uma navalha e todo o seu sangue misturava-se à água da banheira.
E como a identidade do suicida não pôde ser averiguada, foi o cadáver removido para o necrotério.

1.
Evocação

(Resposta do Guia do médium) — Esperai, ele aí está.

2.
Onde vos achais hoje?

R.
Não sei.
.
.
dizei-me.

3.
Estais numa reunião de pessoas que estudam o Espiritismo e que são benévolas para convosco.

R.
Dizei-me se vivo, pois este ambiente me sufoca.

Sua alma, posto que separada do corpo, está ainda completamente imersa no que poderia chamar-se o turbilhão da matéria corporal; vivazes lhe são as idéias terrenas, a ponto de se acreditar encarnado.

4.
Quem vos impeliu a vir aqui?

R.
Sinto-me aliviado.

5.
Qual motivo que vos arrastou ao suicídio?

R.
Morto? Eu? Não.
.
.
que habito o meu corpo.
.
.
Não sabeis como sofro!.
.
.
Sufoco-me.
.
.
Oxalá que mão compassiva me aniquilasse de vez!

6.
Por que não deixaste indícios que pudessem tornar-vos reconhecível?

R.
Estou abandonado; fugi ao sofrimento para entregar-me à tortura.

7.
Tendes ainda os mesmos motivos para ficar incógnito?

R.
Sim; não revolvais com ferro candente a ferida que sangra.

8.
Podereis dar-nos o vosso nome, idade, profissão e domicílio?

R.
Não, de forma alguma.

9.
Tinheis família, mulher, filhos?

R.
Era um desprezado, ninguém me amava.

10.
Que fizestes para ser assim repudiado?

R.
Quantos o são como eu!.
.
.
Um homem quando ninguém o preza, pode viver abandonado no seio da família.

11.
No momento de vos suicidardes não experimentastes qualquer hesitação?

R.
Ansiava pela morte.
.
.
Esperava repousar.

12.
Como é que a idéia do futuro não vos fez renunciar a um projeto?

R.
Não acreditava nele, em absoluto.
Era um desiludido.
O futuro é a esperança.

13.
Que reflexões vos ocorreram ao sentirdes a extinção da vida?

R.
Não refleti, senti.
.
.
Mas a vida não se extinguiu.
.
.
minha alma está ligada ao corpo.
.
.
Sinto os vermes a corroer-me.

14.
Que sensação experimentastes no momento decisivo da morte?

R.
Pois ela se completou?

15.
Foi doloroso o momento em que a vida se vos apagou?

R.
Menos doloroso que depois, só o corpo sofreu.

16.
(Ao Espírito de S.
Luís) — Que quer dizer o Espírito afirmando que o momento da morte foi menos doloroso que depois?

R.
O Espírito descarregou o fardo que o oprimia, ressentia-se da voluptuosidade da dor.

17.
Esse estado sobrevém sempre ao suicídio?

R.
Sim.
O Espírito do suicida fica ligado ao corpo até o termo da vida.
A morte natural é o livramento da vida; o suicida a intercepta completamente.

18.
Dar-se-á o mesmo nas mortes acidentais, embora involuntárias, mas que abreviam a existência?

R.
Não.
Que entendeis por suicídio? O Espírito só responde pelos seus atos.

Esta dúvida da morte é muito comum nas pessoas recentemente desencarnadas e sobretudo naquelas que, durante a vida, não elevam a alma acima da matéria.
É um fenômeno que parece singular à primeira vista, mas que se explica naturalmente.

Se a um indivíduo, pela primeira vez posto em estado sonambúlico, perguntarmos se dorme, ele responderá quase sempre que não e essa resposta é lógica: o interlocutor parece que faz mal a pergunta, servindo-se de um termo impróprio.
Na linguagem comum, a idéia do sono prendeu-se à suspensão de todas as faculdades sensitivas; ora, o sonâmbulo que pensa, que vê e sente, que tem consciência da sua liberdade, não se crê adormecido e de fato não dorme, na acepção vulgar do vocábulo.
Eis a razão porque responde não, até que se familiariza com essa maneira de apreender o fato.

O mesmo acontece com o homem que acaba de desencarnar; para ele a morte era o aniquilamento do ser e, tal como o sonâmbulo, ele vê, sente e fala, e assim não se considera morto e isto afirma até que adquira a intuição de seu novo estado.
Essa ilusão é sempre mais ou menos dolorosa, uma vez que nunca é completa e dá ao Espírito uma tal ou qual ansiedade.
No exemplo em apreço ela constitui verdadeiro suplício pela sensação dos vermes que corroem o corpo, sem falarmos da sua duração, que deverá equivaler ao tempo de vida abreviada.
Esse estado é comum nos suicidas, ainda que nem sempre se apresente em idênticas condições, variando de duração e intensidade, conforme as circunstâncias atenuantes ou agravantes da falta.

A sensação dos vermes e da decomposição do corpo não é tampouco privativa dos suicidas: sobrevém igualmente aos que viveram mais da matéria que do espírito.
Em tese, não há falta isenta de penalidade, mas também não há regra absoluta e uniforme nos meios de punição.

O Pai e o Conscrito

No começo da guerra da Itália, em 1859, um negociante de Paris, pai de família, gozando de estima geral por parte dos seus vizinhos, tinha um filho que fora sorteado para o serviço militar.
Impossibilitado de o eximir desse serviço, ocorreu-lhe a idéia de suicidar-se a fim de o isentar dele, como filho único de mulher viúva.
Um ano mais tarde foi evocado na Sociedade de Paris a pedido de pessoa que o conhecera, desejosa de certificar-se do seu destino no mundo espiritual.

(A S.
Luís).
— Podereis dizer-nos se é possível evocar o Espírito a que vimos de nos referir?

R.
Sim, e ele ganhará com isso, porque ficará mais aliviado.

1.
Evocação.

— R.
Oh! obrigado! Sofro muito, mas.
.
.
é justo.
Contudo, ele me perdoará.

O Espírito escreve com grande dificuldade; os caracteres são irregulares e mal formados; depois da palavra mas, ele pára, e, procurando em vão escrever, apenas consegue fazer alguns traços indecifráveis e pontos.
É evidente que foi a palavra Deus que ele não conseguiu escrever.

2.
Tende a bondade de preencher a lacuna com a palavra que deixastes de escrever.

R.
Sou indigno de escrevê-la.

3.
Dissestes que sofreis; compreendeis que fizestes muito mal em vos suicidar; mas o motivo que vos acarretou esse ato não provocou qualquer indulgência?

R.
A punição será menos longa, mas nem por isso a ação deixa de ser má.

4.
Podereis descrever-nos essa punição?

R.
Sofro duplamente, na alma e no corpo; e sofro neste último, conquanto o não possua, como sofre o operado de um membro amputado.

5.
A realização do vosso suicídio teve por causa unicamente a isenção do vosso filho ou concorreram para ele outras razões?

R.
Fui completamente inspirado pelo amor paterno, porém, mal inspirado.
Em atenção a isso, a minha pena será abreviada.

6.
Podeis precisar a duração dos vossos padecimentos?

R.
Não lhes entrevejo o fim, mas tenho certeza de que ele existe, o que é um alívio para mim.

7.
Há pouco não vos foi possível escrever a palavra Deus, e no entanto temos visto Espíritos, muito sofredores fazê-lo; será isso uma conseqüência da vossa punição?

R.
Poderei fazê-lo com grandes esforços de arrependimento.

8.
Pois então fazei esses esforços para escrevê-lo, porque estamos certos de que sereis aliviado.
(O Espírito acabou por traçar esta frase com caracteres grossos, irregulares e trêmulos: — Deus é muito bom).

9.
Estamos satisfeitos pela boa vontade com que correspondentes à nossa evocação e vamos exorar a Deus para que estenda sobre vós a sua misericórdia.

R.
Sim, obrigado.

10.
(A.
S.
Luís).
Podereis ministrar-nos a vossa apreciação sobre esse suicídio?

R.
Este Espírito sofre justamente, pois lhe faltou a confiança em Deus, falta que é sempre punível.
A punição seria maior e mais duradoura, se não houvera como atenuante o motivo louvável de evitar que o filho se expusesse à morte na guerra.
Deus, que é justo e vê o fundo dos corações, não o pune senão de acordo com suas obras.

Observações: À primeira vista, como ato de abnegação, este suicídio poder-se-ia considerar desculpável.
Efetivamente assim é, mas não de modo absoluto.
A esse homem faltou a confiança em Deus, como disse o Espírito de S.
Luís.
A sua ação talvez impediu a realização dos destinos do filho; ao demais, ele não tinha a certeza de que aquele sucumbiria na guerra e a carreira militar talvez lhe fornecesse ocasião de adiantar-se.
A intenção era boa, e isso lhe atenua o mal provocado e merece indulgência; mas o mal é sempre mal e se o não fora, poder-se-ia, escudado no raciocínio, desculpar-se todos os crimes e até matar a pretexto de prestar serviços.

A mãe que mata o filho, certa de o enviar ao céu, seria menos culpada por tê-lo feito com boa intenção? Aí está um sistema que chegaria a justificar todos os crimes cometidos pelo cego fanatismo das guerras religiosas.
Esta lhe foi dada visando deveres a cumprir na Terra, razão bastante para que não a abrevie volunta riamente, sob pretexto algum.
Mas ao homem — uma vez que tem o seu livre-arbítrio — ninguém impede a infração dessa lei.
Sujeita-se porém às suas conseqüências.

O suicídio mais severamente punido é o resultado do desespero, que visa a redenção das misérias terrenas, misérias que são ao mesmo tempo expiações e provações.
Furtar-se a elas é recuar ante a tarefa aceita e, às vezes, ante a missão que se deveria cumprir.

O suicídio não consiste somente no ato voluntário que produz a morte instantânea, mas em tudo quanto se faça conscientemente para apressar a extinção das forças vitais.
Não se pode chamar de suicida aquele que dedicadamente se expõe à morte para salvar o seu semelhante, primeiro, porque, no caso, não há intenção de se privar da vida e, segundo, porque não há perigo do qual a Providência nos não possa subtrair, quando a hora não seja chegada.
A morte nessas circunstâncias é sacrifício meritório, como ato de abnegação em proveito de outrem.
(O Evangelho Segundo o Espiritismo, cap.
V, nº 55, 65, 66 e 67.
)

François Simon-Louvet

(Do Havre)

A seguinte comunicação foi dada espontaneamente, em uma reunião espírita no Havre, a 12 de fevereiro de 1863.

Tereis piedade de um pobre miserável que passa há muito por cruéis torturas?! Oh! o vácuo.
.
.
o Espaço.
.
.
despenho-me.
.
.
caio.
.
.
morro.
.
.
Acudi-me! Deus, eu tive uma existência tão miserável.
.
.
Pobre diabo, sofri fome muitas vezes na velhice e foi por isso que me habituei a beber, a ter vergonha e desgosto de tudo.

Quis morrer, e atirei-me.
.
.
Oh! meu Deus! Que momento! E para que esse desejo, quando o termo estava tão próximo? Orai para que eu não veja incessantemente este vácuo debaixo de mim.
.
.
Vou despedaçar-me de encontro a essas pedras! Eu vo-lo suplico, a vós que conheceis as misérias daqueles que não mais pertencem a esse mundo.

Não me conheceis, mas eu sofro tanto.
.
.
Para que mais provas? Sofro! Não, será isso o bastante? Se eu tiver fome em vez deste sofrimento mais terrível e aliás imperceptível para vós, não vacilaríeis em aliviar-me com uma migalha de pão.
Pois eu vos peço que oreis por mim.
.
.
Não posso permanecer por mais tempo neste estado.
.
.
Perguntai a qualquer desses felizes que aqui estão e sabereis quem fui.
Orai por mim.

François Simon-Louvet.

O Guia do médium.
— Esse que acaba de se dirigir a vós foi um pobre infeliz que teve na Terra a prova da miséria; vencido pelo desgosto, faltou-lhe a coragem e, em vez de olhar para o céu como devia, entregou-se à embriaguez; desceu aos extremos últimos do desespero, pondo termo à sua triste provação atirando-se da Torre Francisco I, no dia 22 de julho de 1857.
Tende piedade de sua pobre alma, que não é adiantada, mas que lobriga da vida futura o suficiente para sofrer e desejar uma reparação.
Rogai a Deus lhe conceda essa graça e com isso tereis feito obra meritória.

Buscando-se informes a propósito do assunto, encontrou-se no Journal du Havre, de 23 de julho de 1857, a seguinte notícia, que resumimos.

Ontem, às 4 horas da tarde, os transeuntes dos cais foram dolorosamente impressionados por um horrível acidente: um homem atirou-se da torre, vindo despedaçar-se nas pedras.
Era um velho puxador de cordas, cujo pendor à embriaguez o arrastara ao suicídio.
Chamava-se François-Vietor-Simon-Louvet.
O corpo foi transportado para a casa de uma das filhas, na Rua Corderie.

Tinha 67 anos de idade.

Seis anos fazia que esse homem morrera e ele se via ainda cair da torre, despedaçando-se nas pedras.
.
.
Aterra-o o vácuo horrorizado e a perspectiva da queda.
.
.
e isso há 6 anos! Quanto tempo durará esse estado? Ele não o sabe e essa incerteza lhe aumenta as angústias.
Isso não equivale ao inferno com suas chamas?

Quem revelou e inventou esses castigos? Pois são os próprios padecentes que os vem descrever, como outros o fazem das suas alegrias.
E fazem-no muita vez, espontaneamente, sem que neles se pense — o que exclui toda hipótese de sermos nós o joguete da própria imaginação.

Mãe e Filho

Em março de 1865 o Sr.
C.
, negociante em pequena cidade perto de Paris, tinha em sua casa, gravemente enfermo, o mais velho dos filhos, que contava 21 anos de idade.
Este moço, prevendo o desenlace, chamou a mãe e teve forças ainda para abraçá-la.
Esta, vertendo copiosas lágrimas, disse-lhe: Vai, meu filho, precede-me, que não tardarei a seguir-te .
Dito isto, retirou-se, escondendo o rosto entre as mãos.

As pessoas presentes a essa cena contristadora, consideravam simples explosão de dor as palavras da Sra.
C.
, dor que o tempo acalmaria.
Morto o doente, procuraram-na por toda a casa e foram encontrá-la enforcada num celeiro.
O enterro da suicida foi juntamente feito com o do filho.

Evocação deste, muitos dias depois do fato.

— P.
Sabeis do suicídio de vossa mãe, em conseqüência do desespero que lhe causou a vossa perda?

R.
Sim e, sem o pesar causado por essa fatal resolução da parte dela, julgar-me-ia completamente feliz.
Pobre, excelente mãe! Não pode suportar a prova dessa separação momentânea e tomou, para se unir ao filho, o caminho que dele mais deveria afastá-la.
E por quanto tempo! Assim, retardou indefinidamente uma reunião que tão pronta teria sido se sua alma se conformasse submissa às vontades do Senhor; se fosse resignada, humilde, arrependida ante a provação que se lhe impunha, da expiação que deveria purificá-la! Orai, oh! Orai por ela!.
.
.
e sobretudo não a imiteis, vós outras, mães que vos comoveis com a narrativa da sua morte.
Não acrediteis que ela amasse mais que as outras mães a esse filho que era o seu orgulho, não; é que lhe faltaram a coragem e a resignação.

Mães, que me ouvis, quando a agonia empanar o olhar dos vossos filhos, lembrai-vos de que, como o Cristo, eles sobem ao cimo do Calvário, de onde deverão elevar-se à glória eterna.

Benjamin C.
.
.

Evocação da mãe.

— R.
Quero ver meu filho.
Tendes o poder de dar-me? Cruéis!.
.
.
Tomaram-me para levá-lo à luz e a mim me deixaram em trevas.
Quero-o, quero-o porque me pertence!.
.
.
Nada vale então o amor materno? Pois quê! Tê-lo carregado no ventre por nove meses, tê-lo amamentado, nutrido a carne da sua carne, sangue do seu sangue, guiado os seus primeiros passos; ensinado a balbuciar o sagrado nome de Deus e o doce nome de mãe; ter feito dele um homem cheio de atividade, de inteligência, de probidade, de amor filial, para perdê-lo quando realizava as esperanças concebidas a seu respeito, quando brilhante futuro se lhe antolhava!

Não, Deus não é justo; não é Deus das mães, não lhes compreende as dores e desesperos.
.
.
E quando me dava à morte para me não separar de meu filho, eis que novamente me roubam!.
.
.
Meu filho! Meu filho, onde estás?

Evocador.
— Pobre mãe, compartilhamos da vossa dor.
Buscastes, no entanto, um triste recurso para vos reunirdes ao vosso filho: o suicídio é um crime aos olhos de Deus e deveis saber que Deus pune toda infração das suas leis.
A ausência do vosso filho é a vossa punição.

Ela.
— Não; eu julgava Deus melhor que os homens; não acreditava no seu inferno, porém cria na reunião das almas que se amaram como nós nos amávamos.
.
.
Enganei-me.
.
.
Deus não é justo nem bom, por isso que não compreende a grandeza da minha dor como do meu amor!.
.
.
Oh! quem me dará meu filho! Tê-lo-ei perdido para sempre? Piedade! Piedade, meu Deus!

Evocador.
— Vamos, acalmai o vosso desespero; considerai que se há um meio de ver vosso filho, não é blasfemando contra Deus, como ora o fazeis.
Com isso, em vez de atrairdes a sua misericórdia, fazei jus a maior severidade.

Ela.
— Disseram-me que não mais o tornaria a ver e compreendi que o haviam levado ao Paraíso.
E eu estarei, acaso, no inferno? No inferno das mães? Ele existe, demais o vejo.
.
.

Evocador.
— Vamos, acalmai o vosso desespero; considerai naturalmente que o tornareis a ver, mas é preciso merecê-lo pela submissão à vontade de Deus, ao passo que a revolta poderá retardar indefinidamente esse momento.

Ouvi-me: Deus é infinitamente bom, mas é também infinitamente justo.
Assim ninguém é punido sem causa sobre a Terra.
Se ele vos infligiu grandes dores, é porque as merecestes.
A morte de vosso filho era uma prova à vossa resignação; infelizmente a ela sucumbistes quando em vida e eis que após a morte de novo sucumbis; como pretendes que Deus recompense os filhos rebeldes?

A sentença não é porém inexorável e o arrependimento do culpado é sempre acolhido.
Se tivésseis aceito a provação com humildade; se houvésseis esperado com paciência o momento da vossa desencarnação, ao entrardes no mundo espiritual, em que vos achais, teríeis imediatamente avistado vosso filho, o qual vos receberia de braços abertos.
Depois da ausência, ve-lo-ia radiante.
Mas o que fizestes e ainda agora fazeis, coloca entre vós e ele uma barreira.
Não o julgueis perdido nas profundezas do Espaço, antes mais perto do que supondes — é que véu impenetrável o subtrai à vossa vista.

Ele vos vê e ama sempre, deplorando a triste condição em que caístes pela falta de confiança em Deus e aguardando ansioso o momento feliz de se vos apresentar.
De vós, somente, depende abreviar ou retardar esse momento.
Orai a Deus e dizei comigo: Meu Deus, perdoai-me o ter duvidado da vossa justiça e bondade; se me punistes, reconheço merecida a punição.
Dignai-vos aceitar meu arrependimento e submissão à vossa santa vontade .

Ela.
— Que luz de esperança acabais de fazer despontar em minha alma! É como relâmpago em a noite que me cerca.
Obrigada, vou orar.
.
.
Adeus.

A morte, mesmo pelo suicídio, não produziu nesses Espíritos a ilusão de se julgar ainda vivo.
Ele apresenta-se consciente do seu estado — é que para outros o castigo consiste naquela ilusão, pelos laços que os prendem ao corpo.
Essa mulher quis deixar a Terra para seguir o filho na outra vida, era pois necessário que soubesse aí estar realmente, na certeza da desencarnação, no conhecimento exato da sua situação.
Assim é que cada falta é punida de acordo com as circunstâncias que a determinam e que não há punição uniforme para as faltas do mesmo gênero.

Duplo Suicídio por Amor e por Dever

É de um jornal de 13 de junho de 1862 a seguinte narrativa:

A jovem Palmira, modista que residia com seus pais, era dotada de aparência encantadora e de caráter afável.
Por isso também muito requestada a sua mão.
Entre todos os pretendentes ela escolheu o Sr.
B.
, que lhe retribuía essa preferência com a mais viva das paixões.
Não obstante essa afeição, por deferência aos pais, Palmira consentiu em desposar o Sr.
D.
, cuja posição social se afigurava mais vantajosa do que a do seu rival.

Os Srs.
B.
e D.
eram amigos íntimos e posto não houvesse entre eles quaisquer relações de interesse, jamais deixaram de se avistar.
O amor recíproco de B.
e Palmira, que passou a ser a Sra.
D.
, de modo algum se atenuara e como se esforçassem ambos por contê-lo, aumentava-se ele de intensidade na razão direta daquele esforço.

Visando extingui-lo, B.
tomou o partido de se casar, e desposou, de fato, uma jovem possuidora de eminentes predicados, fazendo o possível por amá-la.

Cedo, contudo, percebeu a impossibilidade do expediente.
Decorreram quatro anos sem que B.
ou a Sra.
D.
faltassem aos seus deveres.

O que padeceram, só eles o sabem, pois D.
, que estimava deveras o seu amigo, atraía-o sempre ao seu lar, insistindo para que nele ficasse quando tentava retirar-se.

Aproximados um dia por circunstâncias fortuitas e independentes da própria vontade os dois amantes deram-se ciência do mal que os torturava e acharam que a morte era, no caso, o único remédio que se lhes antolhava.
Assentaram que se suicidariam juntamente, no dia seguinte, em que o Sr.
D.
, estaria ausente de casa mais prolongadamente.

Feitos os últimos preparativos, escreveram longa e tocante missiva, explicando a causa da sua resolução, para não prevaricarem.
Essa carta terminava pedindo que lhes perdoassem e, mais, que os enterrassem na mesma sepultura.

De regresso à casa, o Sr.
D.
encontrou-os asfixiados.
Respeitou-lhes os últimos desejos, e, assim, não consentiu fossem os corpos separados no cemitério.

Sendo esta ocorrência submetida à Sociedade de Paris, como assunto de estudo, um Espírito respondeu:

Os dois amantes suicidas não vos podem responder ainda.
Vejo-os imersos na perturbação e aterrorizados pela perspectiva da eternidade.
As conseqüências morais da falta cometida lhes pesarão por migrações sucessivas, durante as quais suas almas separadas se buscarão incessantemente, sujeitas ao duplo suicídio de se pressentirem e desejarem em vão.

Completada a expiação, ficarão reunidos, no seio do amor eterno.
Dentro de oito dias, na próxima sessão, podereis evocá-los.
Eles aqui virão sem contudo se avistarem, porque profundas trevas os separarão por muito tempo.

1.
Evocação da suicida.
— Vedes o vosso amado, com o qual vos suicidastes?

R.
Nada vejo, nem mesmo os Espíritos que comigo erram neste mundo.
Que noite! Que noite! E que véu espesso me circunda a fronte!

2.
Que sensação experimentastes ao despertar no outro mundo?

R.
Singular! Tinha frio e escaldava.
Tinha gelo nas veias e fogo na fronte! Coisa estranha, conjunto inaudito! Fogo e gelo pareciam consumir-me! E eu julgava que ia sucumbir uma segunda vez!.
.
.

3.
Experimentais qualquer dor física?

R.
Todo o meu sofrimento reside aqui, aqui.
.
.

— Que quereis dizer por aqui, aqui?

R.
Aqui no meu cérebro, aqui no coração.
.
.

É provável que, visível, o Espírito levasse a mão à cabeça e ao coração.

4.
Acreditais na perenidade dessa situação?

R.
Oh! Sempre! Sempre! Ouço às vezes risos infernais, vozes horríficas que bradam sempre assim!

5.
Pois bem, podemos com segurança dizer-vos que nem sempre assim será.
Pelo arrependimento obtereis o perdão.

R.
Que dizeis? Não ouço.

6.
Repetimos que os vossos sofrimentos terão um termo, que os podereis abreviar pelo arrependimento, sendo-nos possível auxiliar-vos com a prece.

R.
Não ouvi, além de sons confusos, mais que uma palavra.
Essa palavra é — graça! Seria efetivamente graça o que pronunciastes? Falastes em graça, mas sem dúvida o fizestes à alma que por aqui passou junto de mim, pobre criança que chora e espera.

Uma senhora, presente à reunião, declarou que fizera fervorosa prece pela infeliz, o que sem dúvida a comoveu, e que de fato, mentalmente, havia implorado em seu favor a graça de Deus.

7.
Dissestes estar em trevas e nada ouvir?

R.
Me é permitido ouvir algumas das vossas palavras, mas o que vejo é apenas um crepe negro, no qual de quando em quando se desenha um semblante que chora.

8.
Mas, uma vez que ele aqui está sem o avistardes, nem sequer vos apercebeis da presença do vosso amado?

R.
Ah! Não me faleis dele.
Devo esquecê-lo presentemente para que do crepe se extinga a imagem retratada.

9.
Que imagem é essa?

R.
A de um homem que sofre e cuja existência moral na Terra aniquilei por muito tempo.

Da leitura dessa narrativa logo se depreende haver neste suicídio circunstâncias atenuantes, encarando-o como ato heróico provocado pelo cumprimento do dever.
Mas reconhecesse, também, que, contrariamente ao julgado, longa e terrível deve ser a pena dos culpados por se terem voluntariamente refugiado na morte para evitar a luta.
A intenção de não faltar aos deveres era, efetivamente, honrosa, e lhes será levada em conta mais tarde, mas o verdadeiro mérito consistiria na resistência, tendo eles procedido como o desertor que se esquiva no momento do perigo.

A pena consistirá, como se vê, em se procurarem debalde e por muito tempo, quer no mundo espiritual, quer noutras encarnações terrestres; pena que ora é agravada pela perspectiva da sua eterna duração.
Essa perspectiva, aliada ao castigo, faz que lhes seja defeso ouvirem palavras de esperança que porventura lhes dirijam.
Aos que acharem esta pena longa e terrível, tanto mais quanto não deverá cessar senão depois de várias encarnações, diremos que essa duração não é absoluta, mas depende da maneira porque suportarem as futuras provações, além do que podem eles ser auxiliados pela prece.
E serão assim, como todos, os árbitros do seu destino.
Não será isso, ainda assim, preferível à eterna condenação, sem esperança, a que ficam irrevogavelmente submetidos segundo a doutrina da Igreja, que os considera votados ao inferno e para sempre, a ponto de lhes recusar, com certeza por inúteis, as últimas preces?

Luís e a Prespontadeira de Botinas

Havia sete para oito meses que Luís G.
, oficial-sapateiro, namorava uma jovem, Vitorina R.
, com a qual em breve deveria casar-se, já tendo mesmo corrido os proclamas do casamento.

Estando neste pé as coisas, consideravam-se quase definitivamente ligados e, como medida econômica, diariamente vinha o sapateiro almoçar e jantar em casa da noiva.

Um dia, ao jantar, sobreveio uma controvérsia a propósito de qualquer futilidade e, obstinando-se os dois nas opiniões, foram as coisas ao ponto de Luís abandonar a mesa, protestando não mais voltar.

Apesar disso, no dia seguinte veio pedir perdão.
A noite é boa conselheira, como se sabe, mas a moça, prejulgando talvez pela cena da véspera o que poderia acontecer quando não há mais tempo de remediar o mal, recusou-se à reconciliação.
Nem protestos, nem lágrimas, nem desesperos puderam demovê-la.
Muitos dias ainda se passaram, esperando Luís que a sua amada fosse mais razoável, até que resolveu fazer uma última tentativa.

Chegando à casa da moça, bateu de modo que fosse reconhecido, mas a porta permaneceu fechada, recusaram abrir-lhe.

Novas súplicas do repelido, novos protestos não ecoaram no coração da sua pretendida.
Adeus, pois, cruel! — exclamou o pobre moço — adeus para sempre.
Trata de procurar um marido que te estime tanto como eu .
Ao mesmo tempo a moça ouvia um gemido abafado e logo após o baque como que de um corpo escorregando pela porta.
Pelo silêncio que se seguiu, a moça julgou que Luís se assentara à soleira da porta e protestou a si mesma não sair enquanto ele ali se conservasse.

Decorrido um quarto de hora é que um locatário, passando pela calçada e levando luz, soltou um grito de espanto e pediu socorro.

Depressa acorre a vizinhança, e Vitorina, abrindo então a porta, deu um grito de horror, reconhecendo estendido sobre o lajedo, pálido, inanimado, o seu noivo.
Cada qual se apressou em socorrê-lo, mas para logo se percebeu que tudo seria inútil, visto como ele deixara de existir.
O desgraçado moço enterrara uma faca na região do coração e o ferro ficara-lhe cravado na ferida.

(Sociedade Espírita de Paris, agosto de 1858)

1.
Ao Espírito de S.
Luís — A moça, causadora involuntária do suicídio, tem responsabilidade?

R.
Sim, porque o não amava.

2.
Então para prevenir a desgraça deveria desposá-lo a despeito da repugnância que lhe causava?

R.
Ela procurava uma ocasião de descartar-se e assim fez em começo da ligação, o que viria a fazer mais tarde.

3.
Neste caso, a sua responsabilidade decorre de haver alimentado sentimentos dos quais não participava e que deram em resultado o suicídio do moço?

R.
Sim, exatamente.

4.
Mas então essa responsabilidade deve ser proporcional à falta e não tao grande como se consciente e voluntariamente houvesse provocado o suicídio.

R.
É evidente.

5.
E o suicídio de Luís tem desculpa pelo desvario que lhe acarretou a obstinação de Vitorina?

R.
Sim, pois o suicídio oriundo do amor é menos criminoso aos olhos de Deus, de que o suicídio de quem procura libertar-se da vida por motivos de covardia.

(Ao Espírito de Luís G.
, evocado mais tarde, foram feitas as seguintes perguntas) :

1.
Que julgais da ação que praticastes?

R.
Vitorina era uma ingrata e eu fiz mal em suicidar-me por sua causa, pois ela não o merecia.

2.
Então não vos amara?

R.
Não.
A princípio iludia-se, mas a desavença que tivemos abriu-lhe os olhos e ela até se deu por feliz achando um pretexto para se livrar de mim.

3.
E o vosso amor por ela era sincero?

R.
Paixão somente, creia; pois se o amor fosse puro eu me teria poupado de lhe causar um desgosto.

4.
E se acaso ela adivinhasse a vossa intenção, persistiria na sua recusa?

R.
Não sei, penso mesmo que não, porque ela não é má.
Mas, ainda assim, não seria feliz, e melhor foi para ela que as coisas se passassem dessa forma.

5.
Batendo-lhe à porta, tínheis já a idéia de vos matar, caso se desse a recusa?

R.
Não pensava naquilo ainda, porque também não contava com a sua obstinação.
Foi somente à vista desta que perdi a razão.

6.
Parece que não lamentais o suicídio senão pelo fato de Vitorina o não merecer.
.
.
É realmente o vosso único pesar?

R.
Neste momento, sim; estou ainda perturbado, afigura-se-me estar ainda à porta, conquanto também experimente outra sensação que não posso definir.

7.
Chegareis a compreendê-la mais tarde.

R.
Sim, quando estiver livre desta perturbação.
Fiz mal, deveria resignar-me.
.
.
Fui fraco e sofro as conseqüências da minha fraqueza.
A paixão cega o homem a ponto de obrigá-lo a praticar loucuras e infelizmente ele só o compreende muito tarde.

8.
Dizeis que tendes um desgosto.
.
.
qual é?

R.
Fiz mal em abreviar a vida.
Não deveria fazê-lo.
Era preferível tudo suportar a morrer antes do tempo.
Sou portanto infeliz; sofro e é sempre ela que me faz sofrer, a ingrata.
Parece-me estar sempre à sua porta, mas.
.
.
não falemos nem pensemos mais nisso, que me incomoda muito.
Adeus.

Por isto se vê ainda uma nova confirmação da justiça que preside à distribuição das penas, conforme o grau de responsabilidade dos culpados.
Neste caso, é à moça que cabe a maior responsabilidade, por haver entretido em Luís um amor que não sentia, por brincadeira.
Quanto ao moço, este já é de sobejo, punido pelo sofrimento por que passa, mas a sua pena é leve, porquanto apenas cedeu a um movimento irrefletido, em momento de exaltação e não à fria premeditação dos suicidas que ousam subtrair-se às provações da vida.

Um Ateu

O Sr.
M.
J.
B.
D.
, era um homem instruído, porém em extremo saturado de idéias materialistas, não acreditando em Deus nem na existência da alma.
A pedido de um parente, foi evocado na Sociedade Espírita de Paris, dois anos depois de desencarnado.

1.
Evocação

— R.
Sofro.
Sou um réprobo.

2.
Fomos levados a evocar-vos em nome de parentes que, como parentes, desejam saber da vossa sorte.
Podereis dizer-nos se esta nossa evocação vos é penosa ou agradável?

R.
Penosa.

3.
A vossa morte foi voluntária?

R.
Sim.

4.
Tende calma, que nós todos pediremos a Deus por vós.

R.
Sou forçado a crer nesse Deus.

5.
Que motivo poderia têr-vos levado ao suicídio?

R.
O tédio de uma vida sem esperança.

Concebe-se o suicídio quando a vida é sem esperança; procura-se fugir então dela a qualquer preço.
Com o Espiritismo, ao contrário, a esperança fortalece-se porque o futuro se nos desdobra.
O suicídio deixa de ser objetivo, uma vez reconhecido que apenas se isenta a gente do mal para arrostar com um mal cem vezes pior.
Eis porque o Espiritismo tem subtraído muita gente a uma morte voluntária.
Grandemente culpados são aqueles que se esforçam por acreditar, com sofismas científicos e a pretexto de uma falsa razão, nessa idéia desesperadora, fonte de tantos crimes e males, de que tudo acaba com a vida.
Esses serão responsáveis não só pelos próprios erros, como igualmente por todos os males a que os mesmos deram causa.

6.
Quisestes escapar às vicissitudes da vida.
.
.
Ganhastes alguma coisa? Sois agora mais feliz?

R.
Por que não existe o nada?

7.
Tende a bondade de nos descrever do melhor modo possível a vossa atual situação.

R.
Sofro pelo constrangimento em que estou de crer em tudo quanto negava.
Meu Espírito está como um braseiro, horrivelmente atormentado.

8.
De onde provinham as vossas idéias materialistas de outrora?

R.
Em anterior encarnação eu fora mau e por isso condenei-me na seguinte aos tormentos da incerteza e assim foi que me suicidei.

Aqui há todo um corolário de idéias.
Muitas vezes nos perguntamos como pode haver materialistas quando, tendo eles passado pelo mundo espiritual deveriam ter dele a intuição; ora, é precisamente essa intuição que é recusada a alguns Espíritos que, conservando o orgulho, não se arrependeram das próprias faltas.
Para esses, a prova consiste na aquisição, durante a vida corporal e à custa do próprio raciocínio, da prova da existência de Deus e da vida futura que tem, por assim dizer, incessantemente debaixo dos olhos.
Muitas vezes, porém, a presunção de nada admitir, acima de si, os empolga e absorve.
Assim sofrem eles a pena até que, domado o orgulho, se rendem à evidência.

9.
Quando vos afogastes, que idéia tínheis das conseqüências? Que reflexões fizestes nesse momento?

R.
Nenhuma, pois tudo era o nada para mim.
Depois de que vi que, tendo cumprido toda a sentença, teria de sofrer mais ainda.

10.
Estais bem convencido agora da existência de Deus, da alma, da vida futura?

R.
Ah! Tudo isso muito me atormenta!

11.
Tornastes a ver vosso irmão?

R.
Oh! não.

12.
E por que não?

R.
Para que confundir os nossos desesperos? Exila-se a gente na desgraça e na ventura se reune, eis o que é.

13.
Incomodar-vos-ia a presença de vosso irmão, que poderíamos atrair aí para junto de vós?

R.
Não o façais, que não o mereço.

14.
Por que vos opondes?

R.
Porque ele também não é feliz.

15.
Receiais a sua presença e no entanto ela só poderia ser benéfica para vós.

R.
Não; mais tarde.
.
.

16.
Tendes algum recado para os vossos parentes?

R.
Que orem por mim.

17.
Parece que na roda das vossas relações há quem partilhe das vossas opiniões.
Quereis que lhes digamos alguma coisa do assunto?

R.
Oh! Os desgraçados! Assim possam eles crer em outra existência, eis quanto lhes posso desejar.
Se eles pudessem avaliar a minha triste posição, muito refletiriam.

(Evocação de um irmão do precedente, que professava as mesmas teorias, mas que não se suicidou.
Posto que também infeliz, este se apresenta mais calmo; a sua escrita é clara e legível.
)

18.
Evocação

— R.
Possa o quadro dos nossos sofrimentos ser útil lição, persuadindo-vos da realidade de outra existência, na qual se expiam as faltas oriundas da incredulidade.

19.
Vós, e vosso irmão que acabamos de evocar, vos vedes reciprocamente?

R.
Não; ele me foge.

Poder-se-ia perguntar como é que os Espíritos se podem evitar no mundo espiritual, uma vez que aí não existem obstáculos materiais nem refúgios impenetráveis à vista.
Tudo é, porém, relativo nesse mundo e conforme a natureza fluídica dos seres que o habitam.
Só os Espíritos superiores têm percepções indefinidas, que nos inferiores são limitadas.
Para estes, os obstáculos fluídicos equivalem a obstáculos materiais.

Os Espíritos furtam-se às vistas dos semelhantes por efeito volitivo, que atua sobre o envoltório perispiritual e fluidos ambientes.
A Providência, porém, como mãe, por todos os seus filhos vela e individualmente lhes concede ou nega essa faculdade, conforme as suas disposições morais, o que constitui, conforme as circunstâncias, um castigo ou uma recompensa.

20.
Estais mais calmo do que vosso irmão.
Podereis dar uma descrição mais precisa dos vossos sofrimentos?

R.
Não sofreis aí na Terra no vosso orgulho, no vosso amor próprio, quando obrigados a reconhecer os vossos erros?

O vosso Espírito não se revolta com a idéia de vos humilhardes a quem vos demonstre o vosso erro? Pois bem! Julgai quanto deve sofrer o Espírito que por toda a sua vida se persuadiu de que nada existia além dele e que sobre todos prevalecia sempre a sua razão.

Encontrando-se de súbito em face da verdade imponente, esse Espírito sente-se aniquilado, humilhado.
A isso vem ainda juntar-se o remorso de haver por tanto tempo esquecido a existência de um Deus tão bom, tão indulgente.

A situação é insuportável; não há calma nem repouso; não se encontra um pouco de tranqüilidade senão no momento em que a graça divina, isto é, o amor de Deus, nos toca, pois o orgulho de tal modo se apodera de nós, que de todo nos embota, a ponto de ser preciso ainda muito tempo para que nos despojemos completamente dessa roupagem fatal.
Só a prece dos nossos irmãos pode ajudar-nos nesses transes.

21.
Quereis falar dos irmãos encarnados, ou dos Espíritos?

R.
De uns e outros.

22.
Enquanto nos entretínhamos com o vosso irmão, uma das pessoas aqui presentes orou por ele: essa prece lhe foi proveitosa?

R.
Ela não se perderá.
Se ele agora recusa a graça, outro tanto não fará quando estiver em condições de recorrer a essa divina panacéia.

Aqui lobrigamos outro gênero de castigo, mas que não é o mesmo em todos os céticos.
Para este Espírito é independente do sofrimento a necessidade de apregoar verdades, que repudiara quando encarnado.

As suas idéias atuais revelam certo grau de adiantamento, comparado ao de outros Espíritos persistentes na negação de Deus.
Confessar o próprio erro é já alguma coisa, porque é premissa de humildade.

Na subseqüente encarnação é mais que provável que a incredulidade ceda lugar ao sentimento inato da fé.

Transmitindo à pessoa que no-la havia solicitado o resultado das duas evocações, tivemos dela a seguinte resposta:

Não podeis imaginar, meu caro senhor, o grande benefício advindo da evocação de meu sogro e de meu tio.
Reconhecemo-los perfeitamente.
A letra do primeiro, sobretudo, é uma analogia notável com a que ele tinha em vida, tanto mais quanto, durante os últimos meses que conosco passou, essa letra era sofreada e indecifrável.
Aí se verificam a mesma forma de pernas, do etc.
e de certas letras.
Quanto ao vocabulário e ao estilo, a semelhança é ainda mais frisante; para nós, a analogia é completa, apenas com maior conhecimento de Deus, da alma e da eternidade que ele tão formalmente negava outrora.
Não nos restam dúvidas, portanto, acerca da sua identidade.

Deus será glorificado pela maior firmeza das nossas crenças no Espiritismo e os nossos irmãos encarnados e desencarnados se tornarão melhores.
A identidade de seu irmão também não é menos evidente, na mudança de ateu em crente, reconhecemos-lhe o caráter, o estilo, o contorno da frase.
Uma palavra, sobre todas, nos despertou atenção — panacéia — predileta dele, que a todo o instante a repetia.

Mostrei essas duas comunicações a várias pessoas, que não menos se admiraram da sua veracidade, mas os incrédulos, com as mesmas opiniões dos meus parentes, esses desejariam respostas ainda mais categóricas.

Queriam, por exemplo, que M.
D.
se referisse ao lugar em que foi enterrado, onde se afogou, como foi encontrado etc.
A fim de os convencer, não vos seria possível fazer nova evocação perguntando onde e como se suicidou, quanto tempo esteve submergido, em que lugar acharam o cadáver, onde foi inumado, de que modo, se civil ou religiosamente, foi sepultado?

Dignai-vos, caro senhor, insistir pela resposta categórica a essas perguntas, pois são essenciais para aqueles que ainda duvidam.
Estou convencido de que darão, nesse caso, imensos resultados.

Dou-me pressa a fim de esta vos ser entregue na sexta-feira de manhã, de modo que se possa fazer a evocação na sessão da Sociedade desse mesmo dia.
.
.
etc.

Reproduzimos esta carta pelo fato da confirmação da identidade e aqui lhe anexamos a nossa resposta para ensino das pessoas não familiarizadas com as comunicações.

As perguntas que nos pediram para novamente endereçar ao Espírito de vosso sogro são inconstestavelmente, ditadas por intenção louvável, como a de convencer incrédulos, visto como em vós não mais existe qualquer sentimento de dúvida ou curiosidade.
Contudo, um conhecimento mais aprofundado da ciência espírita, vos faria julgar supérfluas essas perguntas.
Em primeiro lugar, solicitando-me conseguir resposta categórica, mostrais ignorar a circunstância de não podermos governar os Espíritos, a nosso bel-prazer.
Ficai sabendo que eles nos respondem quando e como querem e também como podem.
A liberdade da sua ação é maior ainda do que quando encarnados, possuindo meios mais eficazes de se furtarem ao constrangimento moral que por acaso sobre eles queiramos exercer.

As melhores provas de identidade são as que fornecem espontaneamente, por si mesmos, ou então as oriundas das próprias circunstâncias.
Estas, é quase sempre inútil provocá-las.
Segundo afirmais, o vosso parente provou a sua identidade de modo inconcusso; por conseguinte, é mais que provável a sua recusa em responder a perguntas que podem por ele ser com razão consideradas supérfluas, visando satisfazer à curiosidade de pessoas que lhe são indiferentes.
A resposta bem poderia ser a que outros têm dado em casos semelhantes, isto é; — para que perguntar coisas que já sabeis ?

A isto acrescentarei que a perturbação e os sofrimentos de que está tomado devem agravar-se com as investigações desse gênero, que correspondem exatamente ao fato de se querer constranger um doente, que mal pode pensar e falar, a historiar as minúcias da sua vida, faltando-se assim às considerações inspiradas pelo seu próprio estado.

Quanto ao objetivo por vós alegado, ficai certo de que tudo seria negativo.
As provas de identidade fornecida são bem mais valiosas, por isso que foram espontâneas, e não de antemão premeditadas.
Ora, se estas não puderam contentar os incrédulos, muito menos o fariam interrogativas já preestabelecidas, de cuja conivência, poderiam suspeitar.

Há pessoas a quem coisa alguma pode convencer.
Essas poderiam ver o vosso parente, com os próprios olhos, e continuariam a supor-se vítimas de uma alucinação.

Duas palavras ainda, quanto ao pedido que me fizestes no sentido de promover essa evocação no mesmo dia do recebimento de vossa carta.
As evocações não se fazem assim de momento; os Espíritos nem sempre correspondem ao nosso apelo; é preciso que queiram, e não só isso, mas que também possam fazê-lo.
É preciso, ainda, que encontrem um médium que lhes convenha, com as aptidões especiais necessárias e que esse médium esteja disponível em dado momento.
É preciso, enfim, que o meio lhes seja simpático, etc.
Pela concorrência dessas circunstâncias nem sempre se pode responder e importa muito conhecê-las quando se quer cuidar dessas coisas com seriedade e segurança.

Feliciano

Era um homem rico, instruído, poeta espirituoso, possuidor de caráter são, obsequioso e ameno, de perfeita honradez.

Falsas especulações comprometeram-lhe a fortuna e, não lhe sendo possível repará-la em razão da idade avançada, cedeu ao desânimo, enforcando-se em dezembro de 1864, no seu quarto de dormir.

Não era materialista nem ateu, mas um homem de gênio um tanto superficial, ligando pouca importância ao problema da vida de além-túmulo.
Conhecendo-o intimamente, evocamo-lo, quatro meses após o suicídio, inspirados pela simpatia que lhe dedicávamos.

Evocação.

— Choro a Terra na qual tive decepções, porém menores do que as experimentadas aqui.
Eu, que sonhava maravilhas, estou abaixo da realidade do meu ideal.
O mundo dos Espíritos é bastante promíscuo e para torná-lo suportável fora mister uma boa escolha.
Não torno a ele.
Que esboço de costumes espíritas se poderia fazer aqui! O próprio Balzac, estando no seu elemento, não faria esse esboço senão de modo rústico.
Não o lobriguei, porém.
Onde estarão esses grandes Espíritos que tão energicamente profligaram os vícios da Humanidade! Deviam eles, como eu, habitar por aqui antes de se lançarem a regiões mais elevadas.
Apraz-me observar este curioso pandemônio e assim fico por aqui.

Apesar de o Espírito nos declarar que se acha numa sociedade assaz promíscua e, por conseguinte, de Espíritos inferiores, surpreendeu-nos a sua linguagem, dado o gênero de morte, ao qual, aliás, não faz qualquer referência.
A não ser isso, tudo mais refletiu seu caráter.

Essa circunstância deixava-nos em dúvida acerca da identidade.

P.
Tende a bondade de nos dizer como morrestes.
.
.

R.
Como morri? Pela morte por mim escolhida, a que mais me agradou, sendo para notar que meditei muito tempo nessa escolha com o intuito de me livrar da vida.
Apesar disso, confesso que não ganhei grande coisa: libertei-me dos cuidados materiais, porém, para encontrá-los mais graves e penosos na condição de Espírito, da qual nem sequer prevejo o fim.

P.
(ao Guia do médium) O Espírito em comunicação será efetivamente o de Feliciano? Esta linguagem, quase despreocupada, torna-se suspeita em se tratando de um suicida.
.
.

R.
Sim.
Entretanto, por um sentimento justificável na sua posição, ele não queria revelar ao médium o seu gênero de morte.
Foi por isso que dissimulou a frase, acabando no entanto por confessá-lo diante da pergunta direta que lhe fizestes e não sem angústias.
O suicídio fá-lo sofrer muito e por isso desvia, o mais possível, tudo o que lhe recorde o seu fim funesto.

P.
(ao Espírito).
A vossa desencarnação tanto mais nos comoveu, quanto lhe prevíamos as tristes conseqüências, além da estima e intimidade das nossas relações.
Particularmente não me esqueci do quanto éreis obsequioso e bom para comigo.
Seria feliz se pudesse testemunhar-vos a minha gratidão, fazendo alguma coisa por vós.

R.
Entretanto, eu não podia furtar-me de outra maneira aos impecilhos da minha posição material.
Agora, só tenho necessidade de preces, orai, principalmente, para que me veja livre desses hórridos companheiros que aqui estão junto de mim, obsidiando-me com gritos, sorrisos e infernais motejos.
Eles chamam-me covarde, e com razão, porque é covardia renunciar à vida.
É a quarta vez que sucumbo a essa provação, não obstante a formal promessa de não falir.
.
.
Fatalidade!.
.
.
Ah! Orai.
.
.

Que suplício o meu! Quanto sou desgraçado! Orando, fazeis por mim mais que por vós pude fazer quando na Terra; mas a prova, ante a qual fracassei tantas vezes, aí está retraçada, indelével, diante de mim! É preciso tentá-la novamente em tempo oportuno.
.
.
Terei forças? Ah! recomeçar a vida tantas vezes; lutar por tanto tempo para sucumbir aos acontecimentos, é desesperador, mesmo aqui! Eis porque tenho necessidade de força.
Dizem que podemos obtê-la pela prece.
.
.
Orai por mim, que eu quero orar também.

Este caso particular de suicídio se bem que realizado em circunstâncias vulgares, apresenta uma característica especial.
Ele mostra-nos um Espírito que se renovará até que ele tenha forças para resistir.

Assim se confirma o fato de não haver proveito no sofrimento, sempre que deixamos de atingir o fim da encarnação, sendo preciso recomeçá-lo até que saiamos vitoriosos da refrega.

Ao Espírito do Sr.
Feliciano — Ouvi, eu vo-lo peço, ouvi e meditai nas minhas palavras.
O que denominais fatalidade é apenas a vossa fraqueza, pois se a fatalidade existisse o homem deixaria de ser responsável pelos seus atos.
O homem é sempre livre e na liberdade está o seu maior e mais belo privilégio.
Deus não quis fazer dele um autômato obediente e cego e, se essa liberdade o torna falível, também o torna perfectível, com o que somente pela perfeição poderá atingir a suprema felicidade.

O orgulho somente pode levar o homem a atribuir ao destino as suas infelicidades terrenas, quando a verdade é que essas infelicidades promanam da sua própria incúria.
Tendes disso um exemplo bem patente na vossa última encarnação, pois tínheis tudo que se fazia necessário à felicidade humana na Terra: espírito, talento, fortuna, merecida consideração; nada de vícios ruinosos, mas, ao contrário, apreciáveis qualidades.
.
.
Como pois ficou tão comprometida a vossa posição? Unicamente pela vossa imprevidência.

Haveis de convir que, agindo com mais prudência, contentando-vos com o muito que já vos coubera, antes que procurando aumentá-lo sem necessidade, a ruína não sobreviria.
Não havia nisso nenhuma fatalidade, uma vez que podíeis ter evitado o acontecido.
A vossa provação consistia num encadeamento de circunstâncias que vos deveriam dar não à necessidade mas à tentação do suicídio; desgraçadamente, apesar do vosso talento e instrução, não soubestes dominar essas circunstâncias e sofreis agora as conseqüências da vossa fraqueza.

Essa prova, como o pressentis com razão, deve renovar-se ainda; na vossa próxima encarnação tereis de enfrentar acontecimentos que vos sugerirão as idéias de suicídio e sempre assim acontecerá até que de todo tenhais triunfado.

Longe de acusar o destino que é a vossa própria obra, admirai a bondade de Deus que, em vez de condenar irremissivelmente pela primeira falta, oferece sempre os meios de repará-la.

Assim sofrereis não eternamente, mas por tanto tempo quanto reincidirdes no erro.
Depende de vós, no estado espiritual, tomar a resolução bastante enérgica de manifestar a Deus um sincero arrependimento, solicitando instantemente o apoio dos bons Espíritos.
Voltareis então à Terra, escudado na resistência a todas as tentações.

Uma vez alcançada essa vitória que sob outros aspectos o vosso progresso é já considerável.
Como vedes, há ainda um passo a vencer, para o qual vos auxiliaremos com as nossas preces.
Estas só serão improfícuas se nos não ajudardes com os vossos esforços.

R.
Oh! Obrigado! Oh! Obrigado por tão boas exortações.
Delas tenho tanto maior precisão quanto sou mais desgraçado do que aparentava.
Vou aproveitá-las, garanto, no preparo da próxima encarnação, durante a qual farei todo o possível por não sucumbir.
Já me custa suportar o meio ignóbil do meu exílio.

Feliciano.

Antonio Bell

Era o caixa de uma casa bancária do Canadá e suicidou-se a 28 de fevereiro de 1865.
Um dos nossos correspondentes, médico e farmacêutico residente na mesma cidade, deu-nos dele as informações que se seguem:

Conheci-o, havia perto de 20 anos, como homem pacato e chefe de numerosa família.
De certo tempo para cá imaginou ter comprado um tóxico na minha farmácia, do qual se serviu para envenenar alguém.
Muitas vezes vinha suplicar-me para lhe dizer a época daquela compra, tomado então de alucinações terríveis.

Perdia o sono, lamentava-se, batia no peito.
A família vivia em constante ansiedade das 4 da tarde às 9 da manhã, hora esta em que se dirigia para a casa bancária, onde aliás, procedia com muita regularidade, aos seus serviços de escriturações, sem que jamais tivesse cometido um só erro.
Habitualmente dizia sentir dentro de si um ente que o fazia desempenhar com acerto e ordem a sua contabilidade.
Quando se dava por convencido da extravagância das suas idéias, exclamava: Não, não; quereis iludir-me.
.
.
lembro-me.
.
.
é verdade.

A pedido desse amigo, foi ele evocado em Paris, a 17 de abril de 1865.

1.
Evocação.

R.
Que pretendeis de mim? Sujeitar-me a um interrogatório? É inútil, tudo confessarei.

2.
Bem longe de nós o pensamento de vos afligir com perguntas indiscretas; desejamos saber apenas qual a vossa posição nesse mundo, bem como se vos poderemos ser úteis.
.
.

R.
Ah! Se for possível, ser-vos-ei extremamente grato.
Tenho horror ao meu crime e sou muito infeliz!

3.
Temos a esperança de que as nossas preces atenuarão as vossas penas.
Parece-nos que vos achais em boas condições, visto como o arrependimento já vos assedia o coração, o que constitui um começo de reabilitação.
Deus, infinitamente misericordioso, sempre tem piedade do pecador arrependido.
Orai conosco.
(Faz-se a prece pelos suicidas, a qual se encontra em O Evangelho Segundo o Espiritismo).

Agora, tende a bondade de nos dizer de quais crimes vos reconheceis culpado.
Essa confissão, humildemente feita, servos-á favorável.

R.
Deixai primeiro que vos agradeça por esta esperança que fizestes raiar no meu coração.
Oh! Há já bastante tempo que vivia numa cidade banhada pelo Mediterrâneo.
Amava, então, uma bela moça que me correspondia; mas, pelo fato de ser pobre, fui repelido pela família.
A minha eleita participou-me que desposaria o filho de um negociante cujas transações se estendiam para além de dois mares e assim fui eu preterido.

Louco de dor, resolvi acabar com a vida, não sem deixar de assassinar o detestado rival, saciando o meu desejo de vingança.
Repugnando-me os meios violentos, horrorizava-me a perpetração do crime, porém, o meu ciúme a levou de vencida.
Na véspera do casamento, morria o meu rival envenenado, pelo meio que me pareceu mais fácil.
Eis como se explicam as reminiscências do passado.
.
.
Sim, eu já reencarnei, e preciso é que reencarne ainda.
.
.
Oh! Meu Deus, tende piedade das minhas lágrimas e da minha fraqueza!

4.
Deploramos essa infelicidade que retardou vosso progresso e sinceramente vos lamentamos; dado, porém, que vos arrependais, Deus se há de compadecer de vós.
Dizei-nos se chegastes a executar o vosso projeto de suicídio.
.
.

R.
Não e confesso, para vergonha minha, que a esperança se me despontou novamente no coração, com o desejo de me aproveitar do crime já cometido.
Traíam-me, porém, os remorsos e acabei por expiar, no último suplício, aquele meu desvario: enforquei-me.

5.
Na vossa última encarnação tínheis a consciência do mal praticado na penúltima?

R.
Nos últimos anos somente, e eis como se dava o fato: eu era bom por natureza e, depois de submetido, como todos os homicidas, ao tormento da visão perseverante da vítima, que me perseguia qual vivo remorso, dela me desvencilhei depois de muitos anos, pelo meu arrependimento e pelas minhas preces.
Recomecei outra existência, a última que atravessei calmo e tímido.
Tinha em mim como que vaga intuição da minha inata fraqueza, bem como da culpa anterior, cuja lembrança em estado latente conservara.

Mas um Espírito obsessor e vingativo, que não era outro senão o pai da minha vítima, facilmente se apoderou de mim e fez reviver no meu coração, como em mágico espelho, as lembranças do passado.

Simultaneamente influenciado por ele e pelo meu Guia, que me protegia, eu era o envenenador e ao mesmo tempo o pai de família angariando pelo trabalho o sustento dos filhos.
Fascinado por esse demônio obsessor, deixei-me arrastar para o suicídio.
Sou muito culpado realmente, porém menos do que se deliberasse por mim mesmo.
Os suicidas da minha categoria, incapazes por sua fraqueza de resistir aos obsessores, são menos culpados e menos punidos do que aqueles que abandonam a vida por efeito exclusivo da própria vontade.

Orai comigo para que o Espírito que tão fatalmente me obsediou renuncie à sua vingança e orai por mim para que adquira a energia, a força necessária para não ceder à prova do suicídio voluntário, prova a que serei submetido, dizem-me, na próxima encarnação.

Ao Guia do médium — Um Espírito obsessor pode, realmente, levar o obsediado ao suicídio?

R.
Certamente, pois a obsessão que, por si mesma, já é um gênero de provação, pode revestir todas as formas.
Mas isso não quer dizer isenção de culpa.
O homem dispõe sempre do livre-arbítrio e conseqüentemente está em si o ceder ou resistir às sugestões a que o submetem.

Assim é que, sucumbindo, o faz sempre com assentimento da própria vontade.
Relativamente ao mais, o Espírito tem razão dizendo que a ação incitada por outrem é menos culposa e repreensível do que quando voluntariamente cometida.
Contudo, nem por isso se inocenta de culpa, visto como, afastando-se do caminho reto, mostra que o bem ainda não estava vinculado no seu coração.

6.
Como não obstante a prece e o arrependimento terem libertado esse Espírito da visão tormentosa da sua vítima, pode ele ser atingido pela vingança de um obsessor na última encarnação?

R.
O arrependimento, bem o sabeis, é apenas a preliminar indispensável à reabilitação, mas não é o suficiente para libertar o culpado de todas as penas.
Deus não se contenta com promessas, sendo preciso a prova por atos, do retorno ao bom caminho.
Eis porque o Espírito é submetido a novas provações que o fortalecem, acrescendo-lhe um merecimento ainda maior quando delas sai triunfante.

O Espírito só arrosta com a perseguição dos maus, dos obsessores, enquanto estes o não encontram bastante forte para resistir-lhes.
Encontrando resistência, eles o abandonam convictos da inutilidade dos seus esforços.

Estes dois últimos exemplos mostram-nos a renovação da mesma prova em sucessivas encarnações e por tanto tempo quanto o da sua ineficácia.
Antônio Bell mostra-nos enfim o fato muito instrutivo do homem perseguido pela lembrança de um crime cometido em anterior existência, como um remorso e um aviso.

Vemos ainda por aí que todas as existências são solidárias entre si; que a justiça e bondade divinas se ostentam na faculdade ao homem conferida de progredir gradualmente, sem nunca privá-lo do resgate das faltas; que o culpado é punido pela própria falta, sendo esta punição, em vez de uma vingança de Deus, o meio empregado para fazê-lo progredir.

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