Hippolyte Léon Denizard Rivail (Allan Kardec) 1804-1869

Our Score
Click to rate this post!
[Total: 0 Average: 0]
Download PDF

Escrito por Carlos Antonio Fragoso Guimarães

Allan

Allan Kardec

O codificador da doutrina espírita

Durante todo o século XVIII, a França se ergueu como o farol intelectual da civilização ocidental. Para lá iam artistas, professores, filósofos e cientistas. Apesar do esbanjamento e da corrupção da corte, Paris foi, desde muito tempo, a capital européia mais atrativa para os intelectuais do continente. Juntamente com a Alemanha, sua maior rival, a França era quem dirigia os rumos do intelecto humano, e foi com o Iluminismo que Paris passou ser conhecida como a Cidade Luz , pois, depois de tanto tempoà mercê dos ditames do clero e da aristocracia, o homem era incentivado a ser independente, a pensar com a própria cabeça. Todos os homens são iguais , era o slogan do Iluminismo, que nasceu e teve suas maiores consequências em solo francês.

Embora tenha sido, na verdade, um retumbante movimento burguês, com seus lamentáveis e inevitáveis excessos, a Revolução Francesa teve o mérito de desmistificar a pseudo-superioridade das classes privilegiadas (a corrupta aristocracia e o hipócrita clero católico), levantando a bandeira contagiante da Liberdade, Igualdade e Fraternidade , e da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão . Evidente-mente, a efervescência do período desembocou num paradoxo: surge o império napoleônico. Mas os frutos intelectuais da Revolução permitiram limpar a Europa do velho ranço aristocrático, forçando a melhoria dos direitos sociais em todas as nações do ocidente, fortificando, mais do que nunca, o papel do Direito.

Foi em meio a esse clima de mudanças e de reconstrução de um novo mundo, onde vingava, por toda parte, os perfumes primaveris do romantismo, que nasce, em 03 de outubro de 1804, em plena era napoleônica, na cidade de Lyon, Hippolite Léon Denizard Rivail, que mais tarde adotaria o pseudônimo Allan Kardec. Ele era filho de um juiz, Jean Baptiste-Antoine Rivail, e de Jeanne Duhamel.

 

Pestalozzi, o mestre

Conta-se que o pai o iniciou com todo cuidado nas primeiras letras e o incentivouà leitura dos clássicos, já em tenra idade. Denizard Rivail sempre se mostrou muito interessado em ciências e em línguas. Após completar os primeiros estudos em Lyon, Denizard partiu para a Suiça, para completar seus estudos secundários na escola do célebre professor Pestalozzi, na cidade de Yverdon. Bem cedo o jovem de Lyon chama a atenção do mestre, que o coloca como seu auxiliar nos trabalhos acadêmicos que exercia, tendo algumas vezes substituído Pestalozzi na direção da escola, enquanto este empreendia alguma viagem de divulgação de sua metodologia de ensino ou era convidado para criar, em outras localidades, uma instituição nos moldes de Yverdon.

Denizard também exercia com prazer o papel de professor, ensinando aos seus colegas as lições que aprendera. Ele, apesar de tão responsável, era visto como uns jovens amáveis, espirituosos e muito disciplinado. Não há registros de que tenha sido mal-quisto em qualquer fase de seu período estudantil.

Denizard Rivail bacharelara-se em Letras e Ciências. Falava fluentemente vários idiomas. Após ser dispensado do serviço militar, resolve fundar em Paris, uma escola nos moldes de Yverdon, que foi chamada de Liceu Polimático. Ele estava empenhado no aperfeiçoamento pedagógico da educação francesa, e, por isso, escreveu vários livros sobre o assunto, tendo sido premiado por seu trabalho em 1831, pela Academia Real de Arras. Por esta mesma época casa-se com a professora Amélie Gabrielle Boudet.

Quando tudo parecia ir bem, o sócio de Rivail, que era seu tio, leva o Liceuà ruína, por dissipar, no jogo, vastas somas. Nada restava a Rivail que pedir a liquidação do Instituto a que se dedicara com tanto amor. Com o dinheiro resultante da partilha, Rivail sofre um outro imprevisto: após ter aplicado o dinheiro na casa comercial de um de seus amigos, este logo abre falência, por realizar maus negócios, e Denizard se vê na constrangedora situação de nada mais ter.

Denizard Rivail e os livros didáticos

Para sobreviver, Rivail se lança freneticamente a escrever livros didáticos e a trabalhar como contador de três firmas comerciais, o que lhe possibilitou, após o susto e o desespero iniciais, recuperar parte de seu antigo padrão de vida. Chegaram a organizar, também, cursos de Física, Química, Astronomia e Anatomia Comparada, que eram muito populares entre os jovens da época. Depois de algum tempo, Denizard Rivail já tinha o necessário para viver com certo conforto e se dedicar ao ensino novamente.

Quase paralelamente a estes acontecimentos na vida de Denizard Rivail, ocorre nos E.U. A um conjunto de fenômenos que deram início ao nascimento do moderno Espiritismo (este termo, Espiritismo, foi cunhado em 1857, por Rivail, para distinguir este movimento de outras escolas espiritualistas). Trata-se dos fenômenos ocorridos em Hydesville, Estado de New York, em 1848, na casa da família Fox, que era metodista, e, portanto, longe de ter qualquer queda ou interesse por fatos que poderíamos hoje chamar de paranormais. As fortes pancadas que começaram a ser violentamente ouvidas no quarto das irmãs Katherine e Margaretta e que se fizeram frequentes por várias semanas, levaram a primeira, então com nove anos, a desafiar o batedor  a reproduzir as pancadas que ela mesma daria. A prontidão das respostas acabaria por marcar o início desse tipo de comunicação entre vivos e mortos.

Nesta época, em Paris, acontecia com frequência o fenômeno das mesas falantes  ou mesas girantes , que consistia em se fazer perguntas ao redor de uma mesa ou outro móvel qualquer que respondia através de pancadasàs perguntas formuladas. Isto era visto apenas como uma sutil e inexplicável diversão de salão, quando não era encarada como uma brincadeira ou embuste espirituoso. Mas havia quem levasse a sério tais coisas, pois muitas vezes as mesinhas davam respostas corretas sem que ninguém conseguisse provar o descobrir quem ou o que fazia as mesas responderem as questões. Convém notar que esta moda  das mesinhas que giravam parecia ocorrer em todos os lugares e em vários países, num boom  que dificilmente pode ser creditado ao acaso. Em 1854, Denizard ouve falar pela primeira vez sobre tais fenômenos , mas sua primeira atitude é a de ceticismo: Eu crerei quando vir, e quando conseguirem provar-me que uma mesa dispõe de cérebro e nervos, e que pode se tornar sonâmbula; até que isso se dê, dêem-me as permissões de não enxergar nisso mais que um conto para provocar o sono .

Rivail e as mesas girantes

Por insistência dos amigos, Rivail presencia algumas das manifestações físicas das mesinhas. Depois da estranheza e da descrença inicial, Rivail começa a cogitar seriamente na validade de tais fenômenos. Eis o que ele nos relata: De repente encontrava-me no meio de uns fatos esdríxulos, contrários,à primeira vista,às leis da natureza, ocorrendo em presença de pessoas honradas e dignas de fé. Mas a idéia de uma mesa falante ainda não cabia em minha mente . E ainda: Pela primeira vez pude testemunhar o fenômeno das mesas que giravam e pulavam em tais condições que dificilmente poderia se acreditar serem frutos de embuste ou fraude (…) Minhas idéias longe estavam de terem sofrido uma modificação, mas em tudo aquilo que se sucedia devia haver uma explicação  (segundo Henri Sausse, in Allan Kardec, ed. Opus). Foi em 1855 que Rivail testemunha pela primeira vez o fenômeno das mesas girantes. Passa então a observar estes fatos. Pesquisa-os cuidadosamente e, graças ao seu espírito de investigação, que sempre lhe fora peculiar, resiste a elaborar qualquer teoria preconcebida. Ele quer, a todo custo, descobrir as causas. Como disse Henri Sausse: Sua razão repele as revelações, somente aceita observações objetivas e controláveis. (…) Vários amigos que acompanhavam há cinco anos o estudo dos fenômenos, co-locamà sua disposição mais de cinquenta cadernos, contendo as comunicações feitas pelos espíritos. O estudo desses cadernos constituiu, para Rivail, o trabalho mais profundo e mais decisivo. Foi por esse estudo que ele se (…) convenceu da existência do mundo invisível e dos Espíritos .

Ele utilizava o material dos cadernos, com as respostas dadas pelos supostos espíritos, para refazer as mesmas perguntas para outros médiuns, de preferência desconhecidas dos primeiros. Com base nas novas respostas, Rivail comparava o conteído de ambas, e ficava perplexo com as similaridades frequêntes en-ter ele. Ele reformulava as perguntas, e pedia a ajuda de amigos para fazê-las a outros médiuns, em outras localidades. Ele recebia as respostas e compilava-as organizadamente por tópicos e assuntos.

A mediunidade

Como poderia, pessoas que nunca se viram darem as mesmas respostas para as mesmas perguntas,às quais possuíam, frequentemente, um grande peso filosófico e uma amplidão de conhecimentos que escapavamà formação ou aos conhecimentos normais dos médiuns? A ínica resposta lógica seria a de que agentes inteligentes as dariam por intermédio de certas pessoas com uma sensibilidade psíquica especial: os médiuns. Além do mais, Rivail notou que poderia existir uma extraordinária discrepância entre o desenvolvimento moral e intelectual de um médiun e as comunicações obtidas em estado de transe, que na época se chamava estado sonambílico, ou, algumas vezes, de mesmerização, nome devido ao pioneiro da hipnose, Mesmer. Sendo assim, a faculdade de comunicar-se com os agentes inteligentes invisíveis independentes do grau de desenvolvimento espiritual do médiun, havendo médiuns moralmente medíocres, e até mesmo, perversos, e outros médiuns de grande desenvolvimento moral, que podem, uns e outros, receberem mensagens de cunho elevado ou banal.

Por estarem numa dimensão diferente da nossa, estes agentes inteligentes invisíveis teriam de vivenciar uma realidade própria ao estado vibratório de sua dimensão que explicaria algumas características das repostas dadas. Isso abriria um imenso leque de cogitações e de explicações extraordinárias. Mas Rivail não se deixou levar pelo entusiasmo.

Ele percebeu claramente, desde o início, que muitas das respostas obtidas por meio dos médiuns eram tolas e pueris, e outro tinha muito a ver com os conhecimentos ou as crenças do próprio médium, embora, durante o transe, ele comumente não tivesse consciência do que dizia ou escrevia. Assim, Rivail chegouàs seguintes conclusões:

Primeiro, se são agentes inteligentes não físicos que dão as respostas, nem por isso eles parecem ser muito diferentes dos homens vivos, pois suas respostas são parecidasàs repostas que qualquer homem daria, inclusive dentro do nível de instrução a que tenham chegado, pois há respostas muitas bem elaboradas junto com muitas outras muito fíteis. E, segundo, algumas vezes as respostas são dadas de forma não-consciente, pelo próprio médium. Então, seria o agente inteligente do próprio médium que daria certas respostas, em certas ocasiões. Estas repostas não são destituídas de valor. Elas podem apresentar um extraordinário grau de maturidade, mesmo que sejam estranhas ao pensa-mento normal do médium quando em estado de vigília ou de consciência desperta.

Assim, Denizard Rivail reconhecia clara e lucidamente, que as entidades, por serem seres extra-corpóreos, nem por isso eram necessariamente mais sábias que os homens encarnados. Elas mesmas diziam que nada mais eram do que os espíritos dos homens que já morreram, e por isso mesmo, continuavam tão humana e cheia de falhas quantas antes. E mais ainda, Rivail antecipou-se extraordinariamente em mais de quarenta e três anos a Sigmund Freud (1856-1939) ao reconhecer uma ação inconsciente pessoal agindo sobre a manifestação mediínica, algumas vezes. Assim, poderemos nos perguntar, Rivail não teria sido, indiretamente, um precursor da cética Psicanálise?

O Livro dos Espíritos

Com o estudo meticuloso das respostas dadas pelos espíritos, por meio de diversos médiuns e em diversas localidades de diversos países, Rivail teve suficiente material para compor um livro. Ele faz uma lícida introdução sobre seu trabalho no prefácio da obra que fez nascer o Espiritismo: O Livro dos Espíritos, lançado em Paris, em 18 de abril de 1857. Na capa da obra, está o nome do autor, ou melhor, o seu pseudônimo, Allan Kardec. Rivail preferiu adotar este nome para diferenciar sua nova obra, dos trabalhos anteriores, voltadosà educação eà pedagogia. E por que Allan Kardec? Bem, certa ocasião, depois repetida inímeras vezes, um espírito, que se denominava de Z, havia dito a Rivail que eles haviam sido amigos numa vida anterior. Eles haviam vivido entre os Druidas, nas Gálias, e o nome de Rivail era, na ocasião, Allan Kardec. É incrível, porém mais uma vez uma antiga concepção fluente no ocidente desde Pitágoras, Sócrates, Platão, Plotino e entre os povos originários da Bretanha Maior e Menor, como nos Celtas, e nos chamados movimentos heréticos como a dos Cátaros e a dos Templários, vinhaà tona novamente na Europa: a idéia da reencarnação.

De uma profundidade filosófica e psicológica desconcertantes, O Livro dos Espíritos  possui passagens e reflexões que vão muito além do nível de conhecimento ordinário de sua época de publicação, inclusive no que tange aos aspectos científicos da obra. Citemos, só de passagem, a noção de evolução das espécies vivas dado pelos espíritos e comentadas por Kardec, publicado nesta obra um ano antes do livro seminal de Charles Darwin, A Origem das Espécies , ou ainda, da identidade entre matéria e energia (chamado por Kardec de fluido universal), que se diferenciam entre si apenas por um estado de condensação da energia, muito antes de Albert Einstein. De igual modo, as noções de percepção de consciência como sendo diferentes manifestações de maturação psíquica lembra e muito as atuais abordagens da Psicologia, principalmente a Psicologia Transpessoal. Há momentos em que a apresentação da doutrina em O Livro dos Espíritos  não fica a dever em nadaàs melhores teorias da personalidade da Psicologia moderna. A descrição de Kardec do Fluido Universal lembra o conceito de orgônio, ou orgon, dado pelo psicanalista Wilhelm Reich, pai da Bioenergética.

Da mesma forma, os fundamentos e causas do processo da reencarnação é idêntico aos fundamentos e causas postulados por alguns psico-terapêutas (muitos dos quais não conhecem Allan Kardec) e que, por meios de desenvolvimento e pesquisas diversos, a partir do atendimento clínico de pacientes, chegaramà técnica da Terapia de Vidas Passadas “ TVP. E a filosofia de vida que a doutrina estimula a adotar é, em muitos pontos, similaràs condições propícias ao desenvolvimento da auto-atualização que é o lema dos psicólogos humanistas, tais como Abraham Maslow e Carl Ransom Rogers. A noção de animismo aponta para o conceito de inconsciente que teve em Sigmund Freud seu mais sério teórico, e a de evolução espiritual lembra o processo de individuação postulado pelo gênio de Carl Gustav Jung. E ainda mais assombroso Kardec logo reconheceria que seu estudo sobre a comunicação dos chamados espíritos (como elas mesmas se diziam ser, as forças inteligentes), que ele chamou de Espiritismo, não trazia nada de realmente novo, a não ser o fato destes fenômenos serem vistos e entendidos sob as óticas modernas, científicas: Constituindo uma lei da natureza, os fenômenos estudados pelo Espiritismo hão de ter existido desde a origem dos tempos e sempre nos esforçamos por demonstrar que dele se descobrem sinais na Antiguidade mais remota. Pitágoras, como se sabe, não foi o autor da metempsicose (ou seja, da transmigração da alma pela reencarnação); ele o colheu dos filósofos indianos e dos egípcios, que o tinham desde tempos imemoriais (…) o que não padece dívidas é que uma idéia não atravessa séculos e séculos, e nem consegue impor-seà inteligências de escol, se não contiver algo de sério (…)  (Kardec, p. 143 de O Livro dos Espíritos, ed. FEB).

 

O Evangelho Segundo o Espiritismo

É por isso também que a introdução de O Evangelho Segundo o Espiritismo , de 1864 (obra de cunho filosófico com o objetivo de esclarecer a posição da doutrina frenteà mensagem do Cristo) traz um estudo histórico que culmina em um resumo do posicionamento de Sócrates e Platão como precursores dos mais elevados ideais cristãos e, em suas filosofias, de vários tópicos do Espiritismo, como bem fica evidenciado no diálogo Fédon, de Platão. Já em O Livro dos Espíritos , Kardec tece comentários sobre a ancestralidade das idéias básicas do Espiritismo (no capítulo V) e como os fenômenos ditos espíritas são universais.

Os fenômenos que caracterizam o Espiritismo, especialmente o da comunicação entre vivos e mortos , são mencionados e reconhecidos como existentes em todas as épocas da humanidade, qualquer que seja a cultura considerada. Um dos mais antigos e claros registros a este respeito, dentro de nossa tradição judaico-cristã, é a referência bíblica que está em Samuel 28,7-19, onde Saul visita a pitonisa (médium) de En-Dor, que lhe possibilitou a comunicação com o espírito do profeta Samuel.

A idéia da reencarnação, por exemplo, é tão antiga e universal quanto a própria humanidade (ver o capítulo V de O Livro dos Espíritos ), e éà base de diversas tradições filosóficas e religiosas do oriente, como o Budismo e o Hinduísmo, por exemplo, e a das religiões pré-cristãs da Europa, como a dos Druidas, ou, posteriormente, baseados no cristianismo, o posicionamento de alguns pais da Igreja antes do concílio de Constantinopla, em 533, quando a doutrina da reencarnação foi abolida por motivos políticos, mas que é encontrada em figuras excepcionais da Igreja, como em Orígenes de Alexandria, só para citar um exemplo. Ainda houve a presença de alguns movimentos fortemente contestatórios da ação da Igreja de Roma, como a dos Cátaros, embora os conhecimentos antropológicos, históricos e sociológicos de seu tempo não permitissem a Kardec ir muito além na análise destas tradições, filosofias e ocorrências históricas. Além do mais, diferentemente de outras escolas espiritualitas, Kardec fez absoluta questão de expor seus estudos de forma racional, sem cair nas armadilhas do discurso místico ordinário, mais levado pela emoção e pela fantasia do que pela razão, a partir de fatos, fenômenos e percepções re-ais, com o máximo zeloà análise e ao cuidado da descrição dos fenômenos a partir de sólidos referenciais lógicos. Seu trabalho seria, então, o de trazer ao nível intelectual moderno alguns fenômenos que sempre acompanharam o homem em sua história e que foram negligenciados pela ciência mecanicista moderna, principalmente a partir do legado de Descartes e de Newton, apesar de ambos terem sido pessoas espiritualizadas, principalmente o segundo, que foi o primeiro grande cientista da era moderna e o íltimo grande mago dos tempos alquímicos.

 

Revista Espírita

Em 1º de Janeiro de 1858, Allan Kardec publica o primeiro nímero da Revista Espírita, que serviu como poderosa auxiliar para os trabalhos ulteriores e para a divulgação da Doutrina Espírita na Europa e América. Segundo Henri Sausse, em menos de um ano, a Revista Espírita estava espalhada por todos os continentes do Globo. (…) De tal maneira aumentou o nímero de assinantes, que Kardec, a pedido destes, reimprimiu duas vezes as coleções de 1858, 1859 e 1860 .

Dentre os mais célebres admiradores, amigos e estudiosos de Kardec e do Espiritismo, destacamos o famoso astrônomo francês Camille Flammarion, o filósofo H. Bergson, o psicólogo e filósofo William James, o físico William Crookes, o biólogo Alfred Russel Wallace, o físico Oliver Lodge, o escritor Arthur Conan Doyle, dentre inímeros outros.

Podemos expor a importância do trabalho de Kardec por estas palavras do pai da moderna Parapsicologia, o fisiólogo Charles Richet: Allan Kardec foi o homem que no período de 1857 a 1871 exerceu a mais penetrante influência, e que traçou o sulco mais profundo na ciência metapsíquica  (Charles Richet in Traité de Métapsychique ). Da mesma forma, vários outros estudiosos confirmam a importância de Allan Kardec no desenvolvimento dos estudos psíquicos no mundo inteiro. Camille Flammarion, um dos maiores astrônomos da história, sempre lhe foi grato pelos estudos que eram correntes.

na Sociedade de Estudos Espíritas de Paris, e foi ele quem fez o discurso fínebre de Kardec. A lista poderia se alongar com o nome de vários outros célebres pesquisadores, como Ernesto Bozzano, César Lombroso, dentre vários outros.

 

Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas

Em 1º de abril de 1858, Allan Kardec funda a Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, que tinha por objetivo (…) o estudo de todos os fenômenos relativosàs manifestações espíritas e suas aplicaçõesàs ciências morais, físicas, históricas e psicológicas .

Não era intenção de Kardec fundar uma religião, como ocorreu posteriormente a partir do seu legado. Para ele A ciência espírita compreende duas partes: uma experimental, relativaàs manifestações em geral e outra, filosófica, relativaàs manifestações inteligentes e suas consequências  (Kardec, in O Livro dos Espíritos, tópico XVII da Introdução). Em outubro 1861 ocorreu um patético acontecimento. Trata-se do famoso Auto-de-Fé , promovido pela Igreja Católica na cidade de Barcelona, Espanha, onde foram queimadas em praça píblica, cerca de trezentas publicações espíritas. Estas obras, encomendadas a Allan Kardec pelos bibliotecários e livreiros Maurício Lachâtre, foram enviadas de forma comum, nas condições alfandegárias normais, tendo as taxas de importação sidas pagas pelo destintárioàs autoridades espanholas. Porém, a entrega das encomendas não foi realizada. Elas foram confiscadas pelo Bispo de Barcelona, com a seguinte justificativa: A Igreja Católica é universal, e estes livros são contráriosà fé católica, não podendo o governo (veja só, voltamos a ter a mistura do poder temporal com o religioso, sendo este íltimo mais forte) permitir que eles passem a perverter a moral e religião de outros países .

Talvez com saudades dos áureos tempos de absoluto domínio das consciências humanas,à base de ferro e fogo, o douto Bispo de Barcelona, acreditando pertencerà uma seleta instituição de ínicos representantes da vontade de Deus na Terra, fez reacender as fogueiras que tantas vítimas inocentes fizera em séculos anteriores, onde, pelas mãos de um carrasco, as obras foram queimadas certamente no lugar das pessoas que deveriam lá estar: os espíritas franceses em geral, e um homem em particular: Allan Kardec. Em tudo a pantomima seguiu as regras de uma execução inquisitorial. Graças a esta demonstração de brutalidade da religião de Roma, o Espiritismo acabou tendo uma grande repercussão em toda a Espanha, granjeando inímeros adeptos. De certa forma, este ato alçou o Espiritismo ao mesmo patamar de outros mártires da liberdade de espírito, incluindo Jacques DeMolay, Galileu, Giordano Bruno e aquela que, com toda a infalibilidade papal, foi condenada como bruxaà fogueira para, quatro séculos depois, ser elevadaà categoria de santa: Joana D ™arc.

 

Uma religião para o clero

Eis uma observação de Kardec, na Revue Spirite de 1864, p. 199, com respeitoà divulgação do Espiritismo como uma religião pelos doutores da Lei da era moderna: Quem primeiro proclamou que o Espiritismo era uma religião nova, com seu culto e seus sacerdotes, senão o clero? Onde se viu, até o presente, o culto e os sacerdotes do Espiritismo? Se algum dia ele se tornar uma religião, o clero é quem o terá provocado .

Kardec passou o resto de sua vida no mister de divulgar os resultados de seus estudos e os de outros colegas. Empreendeu inímeras viagens pela França e pela Bélgica, entre 1859 a 1868, e escreveu várias brochuras e pequenos artigos para a divulgação do Espiritismo.

Kardec escreveu ainda muitos outros livros, entre eles se destacam O Livro dos Médiuns , de 1861; em 1865, O Céu e o Inferno, ou a Justiça Divina Segundo o Espiritismo ; em 1868, A Gênese . Sempre lícido e lógico, soube como enfrentar a oposição e difamação de inimigos gratuitos com dignidade e nobreza, reconhecendo quando algum argumento oposto tinha um valor sério e sincero. Manteve-seà frente da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, além de escrever outros livros e artigos para a Revista Espírita. Desencarnou em 31 de março de 1869, aos 65 anos de idade, causa de um aneurismo cerebral.

 

Publicado na Revista Cristã de Espiritismo, edição 02.

Loading