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O ego, utilizando-se de técnicas para mascarar-se, recorre com frequência a mecanismos sutis, quanÂdo se vê defrontado pelo dever de assumir responÂsabilidades que se derivam dos atos insensatos, tais como transferência de culpa e autopunição.
No primeiro caso, torna-se-lhe mais fácil, raciÂonalmente, fugir para a inocência e a fragilidade, direcionando acusações a outrem, do que enfrentar-se, e, no segundo caso, o recurso da autopunição castradora e infeliz, como anestésico para a consciência e liberação de um conflito, mesmo que geranÂdo outros.
Reprimindo-se desde a infância mal vivida, o ser escamoteia os sentimentos e procura viver conforme os estereótipos convencionais, impedindo-se a auto-reÂalização, o enfrentamento lícido, a coragem para assuÂmir responsabilidades e delas desincumbir-se sem conÂflito.
Ansiando por liberdade, defronta os impedimenÂtos sociais e comportamentais, passando a ocultar os sentimentos e sofrer insatisfações que se sombreiam com perturbações psicológicas e desencantos.
Não se resolvendo por lutar contra os impedimenÂtosà felicidade ” que é a harmonia interior em identifiÂcação com os propósitos de elevação ” vive fragmentaÂriamente, tornando a existência um fadário de pesada condução.
Somente por intermédio de uma resolução firÂme é que pode romper os fortes elos que o prendem aos sofrimentos desnecessários, mantendo a decisão de não se furtaràs consequências, e superá-las a qualÂquer preço.
Os gregos antigos, experimentando as mesmas injunções psicológicas, conceberam, através da MiÂtologia, os referenciais para bem traduzirem as ocorÂrências e seus efeitos, em bem entretecidas catarses, que ainda servem de modelo para um bom entendiÂmento dos conflitos humanos e suas soluções.
No mito de Prometeu, por exemplo, vemo-lo rouÂbando o fogo sagrado de Zeus, a fim de auxiliar aos homens que se encontravam condenadosàs grandes trevas.
Surpreendido, foi aprisionado por trinta séculos, acorrentado a um rochedo, até ser libertado por HeraÂcles.
Nesse período, tinha o fígado exposto a um abutre que o devorava incessantemente, enquanto o mesmo se refazia, a fim de que o seu fosse um suplício sem limite.
Faceà trágica ocorrência, quando ficou livre, aconÂselhou ao irmão Epimeteu, que se mantivesse advertiÂdo e lícido, não aceitando presente algum de Zeus, que certamente planejava desforço.
Invigilante, porém, Epimeteu deixou-se seduzir por bela jovem que Zeus lhe enviara, e que conduzia uma preciosa caixa.
Tratava-se de Pandora que, após conquistá-lo e dominá-lo, abriu o cofre e espalhou o bafio das pestes, do sofrimento, das misérias que passaram a predomiÂnar no mundo…
Apesar de admoestado, o irresponsável deixou-se conduzir pela imprevidência egóica, passando a sofrer-lhe as consequências, e tornando-se causador das desÂgraças humanas.
Prometeu, como o nome significa, é aquele que prevê, que percebe antes, enquanto Epimeteu é o que desperta tardiamente, que toma conhecimento depois.
O ego astuto não aceita as sugestões do Self, que o adverte, e, imediatista, ambiciona o prazer voluptuoÂso, sem preocupação com os resultados da precipitaÂção, da irreflexão.
Quando desperta, como ocorreu com Epimeteu, os danos já se avolumaram, e, ao invés de assumir as resÂponsabilidades, transfere-as para os outros ou autopuÂne-se em mecanismos de consciência de culpa e sentiÂmentos de remorso.
Todas as advertências que lhe são apresentadas soam sem significação, porque deseja a própria satisfaÂção, a imediata e tormentosa sensação saciada, que soÂmente se converte em nova inquietação desencadeadora de diferentes conflitos.
O ser, porém, está destinadoà plenitude,à auto-realização embora os desafios e as dificuldades aparenÂtes que lhe surgem durante o período de crescimento.
A planta que germina arrebenta o claustro no qual a semente jaz encarcerada, desenvolvendo todos os conteídos que a tipificam.
Nessa ruptura, desabrocha o fatalismo biológico que a conduzà totalidade.
As heranças das formas primevas pelas quais pasÂsou o ser humano no seu processo antropológico, repeÂtem-se desde o zigoto ao feto,à criança libertada do sacrário materno.
Os valores psicológicos, da mesma forma, ressuÂmam das experiências humanas vividas antes, apresenÂtando-se como tendências e conflitos, frustrações e egoÂtismos, que se expressam no ser como recurso de seguÂrança.
Os impulsos egóicos remanescentes dos instintos básicos, porém, devem ceder espaçoàs realizações consÂcientes,à diluição das mazelas e angístias, identificanÂdo a própria realidade.
Como resultado, não é lícito culpar os demais, menos ainda manter a atitude autopunitiva, masoquisÂta.
O Prometeu que jaz no inconsciente em forma de reflexão e cuidado nas decisões psicológicas, deve toÂmar o lugar de Epimeteu, o malsucedido aventureiro e sonhador.
Qualquer tentativa de autopunição deverá ser subsÂtituída pela aquisição da auto-estima e da boa orientaÂção para o logro da saíde mental e comportamental.
Face, porém, a qualquer tentação de transferir culÂpa para outrem, cabe a luta para assumir a coragem da responsabilidade sem conflito, compreendendo que se trata de experiência que libera a existência de fragmenÂtação.
Essa atitude mental e de comportamento ético liÂbera o germe de vida superior que também se encontra em todos os seres humanosà semelhança da flor e do fruto dormindo no silêncio da semente que é portadoÂra de vida e de bênçãos.
Joana de Ângelis – Psicografado por Divaldo franco