A ilusão da Salvação pela Graça
Artigo de Pedro Fagundes Azevedo, ex-presidente por três gestões da Legião Espírita de Porto Alegre
Um conhecido meu, avesso a qualquer idéia de espiritualidade, espera se esquivar da justiça divina com as mesmas artimanhas que tem usado para ludibriar a justiça terrena. Com este objetivo, para que Deus perdoe suas falcatruas e adultérios, imagina em se converter a uma das várias religiões tradicionais que aceitam e pregam a idéia da Salvação pela Graça. Imagina que, ao entrar na velhice, basta se arrepender, pedir perdão, encomendar algumas orações e pronto: se não for para o céu pega, no máximo, um purgatoriozinho transitório. Afinal, Jesus teria morrido na cruz para pagar pelos pecados de todos nós, incluindo os bilhões de criaturas que viveram há dois mil anos e de lá para cá, até os dias de hoje. Quer dizer, paga o justo pelo pecador, até por antecipação, e Deus ingenuamente aceita essa troca de papéis com toda a indiferença.
Essa crença até faz lembrar um outro costume, vigente quando Jesus andava na Terra. Naquele tempo, Deus perdoaria os erros humanos através do sacrifício de bois, ovelhas e pombas pelos sacerdotes de Jerusalém. Se o pecado era cabeludo, se a falta fosse grande, a oferenda tinha que ser um animal de grande porte, como um boi, para que Deus se desse por satisfeito. Entretanto, se o pecado fosse de porte médio, do tipo mensalão por exemplo, aí o sacrifício de um carneiro já resolveria a situação. E se fosse um roubo menor, aí o abate de uma pombinha rola já era o suficiente para aplacar a suposta ira de Deus. Qualquer questionamento contra esse absurdo era proibido e considerado heresia. A fé era imposta pelo medo, sem maiores explicações, tipo ou crê ou morre. Naturalmente, com o decorrer dos séculos, todos esses dogmas e contradições foram enfraquecendo as religiões que antigamente exerciam poderosa influência sobre o povo. E agora, ao perderem terreno, elas se voltam contra o Espiritismo, o consolador prometido por Jesus, que no tempo previsto vem explicar tudo o que o Evangelho apresenta sob a forma de alegorias, porque a que humanidade de então, rude e ingênua, ainda não estava apta a compreender toda verdade.
Aliás, foi o próprio Jesus quem assegurou: conhecereis a verdade e a verdade vos libertará. (Evangelho de João, 8:32). Libertará de que? Do erro, da ignorância e até das vidas sucessivas pois, uma vez resgatadas as nossas faltas e aprendida a lição do perdão e do amor ao próximo, não teremos mais a necessidade de reencarnar. O filósofo francês Leon Denis, contemporâneo e divulgador das idéias de Kardec, em seu livro Depois da Morte nos revela que todos ensinos religiosos estão ligados entre si numa ínica doutrina. Mas, seu sentido mais profundo não era transmitido ao povo, ao contrário do que se faz hoje na prática espírita.
No filme brasileiro O Auto da Compadecida, o ator Lima Duarte representando o papel de um bispo, tem o seguinte diálogo com um cangaceiro, que prestes a matá-lo, pede para ser perdoado. Retruca, então, o religioso: para ser perdoado, você primeiro tem que se arrepender e desistir de me matar. E o cangaceiro, no seu raciocínio simplório, responde: não faz mal, eu me arrependo depois. O que aconteceu aqui? Baseado talvez na crença da Salvação pela Graça, ainda muito em voga no nordeste brasileiro, este cangaceiro pensando em enganar a Deus, estava enganando a si mesmo. Cedo ou tarde, nesta ou noutra vida, vai se deparar com a lei universal de causa e efeito que é automática e independe de religiões. Aliás, sobre esse assunto, Jesus deixou bem claro (Mateus, 16:27): a cada um será dado segundo as suas obras – e não segundo a sua crença. E o apóstolo Paulo confirma em Gálatas, 6:7 – Deus não se deixa enganar, pois tudo o que o homem semear, isso também colherá.

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