EXISTÊNCIAS FRAGMENTADAS – Livro – Amor Imbativel Amor 5/5 (2)

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O ego, utilizando-se de técnicas para mascarar-se, recorre com freqüência a mecanismos sutis, quan­do se vê defrontado pelo dever de assumir respon­sabilidades que se derivam dos atos insensatos, tais como transferência de culpa e autopunição.
No primeiro caso, torna-se-lhe mais fácil, raci­onalmente, fugir para a inocência e a fragilidade, direcionando acusações a outrem, do que enfrentar-se, e, no segundo caso, o recurso da autopunição castradora e infeliz, como anestésico para a consciência e liberação de um conflito, mesmo que geran­do outros.
Reprimindo-se desde a infância mal vivida, o ser escamoteia os sentimentos e procura viver conforme os estereótipos convencionais, impedindo-se a auto-re­alização, o enfrentamento lúcido, a coragem para assu­mir responsabilidades e delas desincumbir-se sem con­flito.
Ansiando por liberdade, defronta os impedimen­tos sociais e comportamentais, passando a ocultar os sentimentos e sofrer insatisfações que se sombreiam com perturbações psicológicas e desencantos.
Não se resolvendo por lutar contra os impedimen­tos à felicidade — que é a harmonia interior em identifi­cação com os propósitos de elevação — vive fragmenta­riamente, tornando a existência um fadário de pesada condução.
Somente por intermédio de uma resolução fir­me é que pode romper os fortes elos que o prendem aos sofrimentos desnecessários, mantendo a decisão de não se furtar às conseqüências, e superá-las a qual­quer preço.
Os gregos antigos, experimentando as mesmas injunções psicológicas, conceberam, através da Mi­tologia, os referenciais para bem traduzirem as ocor­rências e seus efeitos, em bem entretecidas catarses, que ainda servem de modelo para um bom entendi­mento dos conflitos humanos e suas soluções.
No mito de Prometeu, por exemplo, vemo-lo rou­bando o fogo sagrado de Zeus, a fim de auxiliar aos homens que se encontravam condenados às grandes trevas.
Surpreendido, foi aprisionado por trinta séculos, acorrentado a um rochedo, até ser libertado por Hera­cles.
Nesse período, tinha o fígado exposto a um abutre que o devorava incessantemente, enquanto o mesmo se refazia, a fim de que o seu fosse um suplício sem limite.
Face à trágica ocorrência, quando ficou livre, acon­selhou ao irmão Epimeteu, que se mantivesse adverti­do e lúcido, não aceitando presente algum de Zeus, que certamente planejava desforço.
Invigilante, porém, Epimeteu deixou-se seduzir por bela jovem que Zeus lhe enviara, e que conduzia uma preciosa caixa.
Tratava-se de Pandora que, após conquistá-lo e dominá-lo, abriu o cofre e espalhou o bafio das pestes, do sofrimento, das misérias que passaram a predomi­nar no mundo…
Apesar de admoestado, o irresponsável deixou-se conduzir pela imprevidência egóica, passando a sofrer-lhe as conseqüências, e tornando-se causador das des­graças humanas.
Prometeu, como o nome significa, é aquele que prevê, que percebe antes, enquanto Epimeteu é o que desperta tardiamente, que toma conhecimento depois.
O ego astuto não aceita as sugestões do Self, que o adverte, e, imediatista, ambiciona o prazer voluptuo­so, sem preocupação com os resultados da precipita­ção, da irreflexão.
Quando desperta, como ocorreu com Epimeteu, os danos já se avolumaram, e, ao invés de assumir as res­ponsabilidades, transfere-as para os outros ou autopu­ne-se em mecanismos de consciência de culpa e senti­mentos de remorso.
Todas as advertências que lhe são apresentadas soam sem significação, porque deseja a própria satisfa­ção, a imediata e tormentosa sensação saciada, que so­mente se converte em nova inquietação desencadeadora de diferentes conflitos.
O ser, porém, está destinado à plenitude, à auto-realização embora os desafios e as dificuldades aparen­tes que lhe surgem durante o período de crescimento.
A planta que germina arrebenta o claustro no qual a semente jaz encarcerada, desenvolvendo todos os conteúdos que a tipificam.
Nessa ruptura, desabrocha o fatalismo biológico que a conduz à totalidade.
As heranças das formas primevas pelas quais pas­sou o ser humano no seu processo antropológico, repe­tem-se desde o zigoto ao feto, à criança libertada do sacrário materno.
Os valores psicológicos, da mesma forma, ressu­mam das experiências humanas vividas antes, apresen­tando-se como tendências e conflitos, frustrações e ego­tismos, que se expressam no ser como recurso de segu­rança.
Os impulsos egóicos remanescentes dos instintos básicos, porém, devem ceder espaço às realizações cons­cientes, à diluição das mazelas e angústias, identifican­do a própria realidade.
Como resultado, não é lícito culpar os demais, menos ainda manter a atitude autopunitiva, masoquis­ta.
O Prometeu que jaz no inconsciente em forma de reflexão e cuidado nas decisões psicológicas, deve to­mar o lugar de Epimeteu, o malsucedido aventureiro e sonhador.
Qualquer tentativa de autopunição deverá ser subs­tituída pela aquisição da auto-estima e da boa orienta­ção para o logro da saúde mental e comportamental.
Face, porém, a qualquer tentação de transferir cul­pa para outrem, cabe a luta para assumir a coragem da responsabilidade sem conflito, compreendendo que se trata de experiência que libera a existência de fragmen­tação.
Essa atitude mental e de comportamento ético li­bera o germe de vida superior que também se encontra em todos os seres humanos à semelhança da flor e do fruto dormindo no silêncio da semente que é portado­ra de vida e de bênçãos.

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