Livro Céu e o Inferno – Primeira Parte – Capítulo XI Da Proibição de Evocar os Mortos – Allan Kard

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1 —A Igreja não nega de maneira alguma a existência das manifestações.
Pelo contrário, ela as admite todas, como vimos nas citações precedentes, mas atribuindo-as à intervenção exclusiva dos demônios.
É por engano que alguns invocam o Evangelho para as proibir, porque o Evangelho não diz uma só palavra nesse sentido.
O supremo argumento que se apresenta é a proibição de Moisés.

Eis em que termos se refere ao assunto a pastoral mencionada nos capítulos precedentes:

Não é permitido entrar em relação com eles (os Espíritos) seja imediatamente, seja por intermédio dos que os invocam e os interrogam.
A lei mosaica punia com a morte essas práticas detestáveis, em uso entre os gentios.
— Não procureis os mágicos, diz o livro do Levítico, e não façais aos adivinhos nenhuma pergunta, para não incorrerdes na contaminação de vos dirigirdes a eles.
(Cap.
XIX, v.
31.
) — Se um homem ou uma mulher tem um Espírito de Píton ou de adivinhação, que sejam punidos com a morte; serão lapidados e o seu sangue cairá sobre as suas cabeças.
(Cap.
XX, v.
27.
) E no livro do Deuteronômio: Que não haja entre vós pessoas que consultem os adivinhos, ou que observem os sonhos e os augúrios, ou que usem de malefícios, de sortilégios ou de encantamentos, ou quem consultem o Espírito de Píton e quem pratique a adivinhação ou interrogue os mortos para saber a verdade; porque o Senhor considera em abominação todas essas coisas e destruirá com a vossa chegada as nações que cometem esses crimes.
(Cap.
XVIII, v.
10, 11, 12.
)

2 — É conveniente, para compreensão do verdadeiro sentido das palavras de Moisés, lembrar o texto completo, que foi um tanto abreviado nessas citações:

Não vos desvieis do vosso Deus para procurar os mágicos e não consulteis os adivinhos para não vos contaminardes ao vos dirigir a eles.
Eu sou o Senhor vosso Deus.
(Levítico, cap.
XIX, v.
31.
)

Se um homem ou uma mulher tem o Espírito de Píton ou um Espírito de adivinhação, que sejam punidos com a morte; eles serão lapidados e o seu sangue cairá sobre as suas cabeças.
(Levítico, cap.
XX, v.
27.
)

Quando tiverdes entrado no país que o Senhor vosso Deus vos dará, guardai-vos de imitar as abominações daqueles povos; — E que não se encontre entre vós quem pretenda purificar seu filho ou sua filha fazendo-os passar pelo fogo ou quem consulte os adivinhos ou observe os sonhos e os augúrios, ou pratique malefícios, sortilégios e encantamentos, ou quem consulte os que têm o Espírito de Píton, e quem se ponha a adivinhar ou a interrogar os mortos para saber a verdade.
— Porque o Senhor considera em abominação todas essas coisas e exterminará todos esses povos na vossa chegada, por causa dessas espécies de crimes que eles têm cometido.
(Deuteronômio, cap, XVIII, v.
9, 10, 11 e 12.
)

3 — Se a lei de Móisés deve ser rigorosamente observada nesse ponto, deve sê-lo igualmente sobre todos os outros, pois como seria ela boa no concernente às evocações e má no tocante a outros assuntos? É necessário ser conseqüente: se reconhecermos que essa lei não está mais de acordo com o nosso costume e a nossa época por alguns motivos, não haverá razão para que o mesmo não aconteça no tocante à proibição de que tratamos.

É necessário que nos reportemos aos motivos determinantes dessa proibição, motivos que tinham na ocasião a sua razão de ser, mas que hoje seguramente não existem mais.
O legislador hebreu desejava que seu povo rompesse com todos os costumes trazidos do Egito, onde as evocações eram usadas de maneira abusiva como o provam estas palavras de Isaías: O Espírito do Egito se aniquilará por si mesmo e eu precipitarei o seu conselho; eles consultaram os seus ídolos, os seus adivinhos, as suas pitonisas e os seus mágicos.
(Cap.
XIX, v.
3.
)

Além disso, os israelitas não deviam contrair nenhuma aliança com as nações estrangeiras.
Eles iriam encontrar as mesmas práticas entre esses povos a que se dirigiam e que deviam combater.
Moisés devia, assim, por motivos políticos, inspirar ao povo hebreu a aversão por todos os seus costumes que tivessem pontos de contato com os assimilados no Egito.
Para motivar essa aversão devia apresentar esses costumes como reprovados pelo próprio Deus.
Eis porque ele dis se: O Senhor considera em abominação todas essas coisas e destruirá, na vossa chegada, as nações que cometem esses crimes.

4 — A defesa de Moisés era tanto mais justificada quanto os mortos não eram evocados em virtude do respeito e da afeição por eles, nem por um sentimento de piedade, mas para fins de adivinhação, da mesma maneira que se consultavam os augúrios e os presságios, explorados pelo charlatanismo e a superstição.
Por mais que fizesse, entretanto, não conseguiu arrancar do povo esses costumes que se haviam transformado em objeto de comércio, como o atestam as seguintes passagens do mesmo profeta:

E quando eles vos disserem: Consultai os mágicos e os adivinhos que murmuram nos seus encantamentos; respondei-lhes: cada povo não consulta o seu Deus? E deve-se falar aos mortos do que respeita aos vivos? (Isaías, cap.
VII, v.
19.
)

Sou eu que faço ver a falsidade dos prodígios da magia, que tornam insensatos os que se atrevem a adivinhar, que transtorna o Espírito dos sábios e converte em loucura a sua ciência vã.
(Cap.
XLIV, v.
25.
)

Que esses adivinhos que estudam o céu, que contemplam os astros e contam os meses para fazer predições, que desejam revelar-vos o futuro, venham agora e vos salvem.
— Eles se transformaram como em palha e o fogo os devorou; não puderam livrar suas almas das chamas ardentes; não restará do fogo em que se abrasarão nem mesmo os carvões com os quais alguém se possa esquentar, nem fogo ante o qual alguém se possa sentar.
— Eis no que se transformarão todas essas coisas, às quais vos entregastes com tanto trabalho; esses comerciantes que negociaram convosco desde a vossa juventude se foram todos, um de um lado, outro de outro lado, sem que se encontre um só que vos livre dos vossos males.
(Cap.
XLVII, v.
13, 14, 15.
)

Nesse capítulo Isaías se dirige aos babilônios, usando a figura alegórica da Virgem filha da Babilônia, filha dos Caldeus.
(Vers.
l.
) Diz que os encantamentos não impedirão a ruína da sua monarquia.
No capítulo seguinte ele se dirige diretamente aos israelitas:

Vinde aqui, vós outros, filhos de uma feiticeira, raça de um homem adúltero e de uma mulher prostituída.
— Com quem divertistes? Contra quem abristes a boca e lançastes as vossas línguas perfurantes? Não sois os filhos pérfidos e os bastardos rejeitados, vós que procurais vossa consolação nos vossos deuses sob todas as árvores frondosas em que sacrificais os vossos filhos pequenos, nas torrentes, ante a rochas elevadas? — Pusestes a vossa confiança nas pedras da torrente; derramastes licores em sua honra; oferecestes sacrifícios a ela.
Depois disso a minha indignação não devia explodir? (Cap.
LVII, 3, 4, 5, 6.
)

Estas palavras são inequívocas.
Elas provam claramente que naquele tempo as evocações tinham por fim a adivinhação, fazendo-se delas um comércio.
Estavam associadas às práticas mágicas e supersticiosas sendo até mesmo acompanhadas de sacrifícios humanos.

Moisés, portanto, tinha razão de proibir estas práticas, dizendo que Deus as considerava abomináveis.
Aliás, essas práticas supersticiosas sobreviveram até a Idade Média, mas hoje a razão as afugentou e o Espiritismo veio demonstrar que as relações com o além-túmulo têm um sentido exclusivamente moral, consolador e portanto religioso.
Desde que os espíritas não fazem sacrifícios de crianças e não derramam licores em homenagem aos deuses, desde que não interrogam os astros, nem os mortos, nem os adivinhos para conhecer o futuro que Deus prudentemente ocultou aos homens, e desde que eles repudiam toda a forma de comércio da faculdade que alguns possuem, de comunicar-se com os Espíritos, não sendo movidos por curiosidade nem por cupidez, mas por um sentimento de piedade e pelo desejo único de se instruirem e se melhorarem e de aliviarem as almas sofredoras, — a proibição de Moisés não se refere a eles de maneira alguma.
Para isso é que deviam atentar os que invocam essa proibição contra os espíritas.
Se eles aprofundassem melhor o sentido dessas palavras bíblicas, teriam reconhecido que não existe nenhuma analogia entre o que se passava com os hebreus e os princípios atuais do Espiritismo, tanto mais que o Espiritismo condena precisamente tudo o que dera motivo à proibição de Moisés.
Mas, cegos pelo desejo de encontrar argumentos contra as idéias novas, não chegam a perceber que essas acusações soam de maneira completamente falsa.

A lei civil dos nossos dias pune os abusos que Moisés queria reprimir.
Quando Moisés estabeleceu a pena de morte contra os delinqüentes, era porque necessitava de meios rigorosos para governar um povo indisciplinado.
Aliás, essa pena figurava constantemente na sua legislação, porque não havia muito que escolher no tocante aos meios de repressão.
Não existiam prisões nem casas de correção no deserto e seu povo não era de natureza a se atemorizar somente com as penas disciplinares.
Ele não podia estabelecer as graduações penais, como fazemos em nossos dias.

É errôneo querer-se apoiar na severidade daquele castigo para provar o grau de culpabilidade da evocação dos mortos.
Deveríamos, simplesmente por respeito à lei de Moisés, manter a pena capital para todos os casos em que ela a aplicava? Nesse caso, porque reviver com tanta insistência apenas esse artigo, passando em silêncio o começo do capítulo que proíbe aos padres possuir bens terrenos e participar de qualquer herança, porque o Senhor é em si mesmo a sua herança? (Ver.
Deuteronômio, cap.
XXVIII, v.
1 e 2.
)

5 — Há duas partes distintas na lei de Moisés: a lei de Deus propriamente dita, promulgada no Monte Sinai, e a lei civil ou disciplinar apropriada aos costumes e ao caráter do povo.
Uma é invariável, a outra se modifica segundo os tempos e não pode passar pelo pensamento de ninguém que tenhamos de ser governados hoje da mesma maneira que os hebreus em sua caminhada através do deserto.
Assim também os capitulares de Carlos Magno não poderiam aplicar-se à França do nosso século.
Quem pensaria, por exemplo, em reviver hoje este artigo da lei Mosaica: Se um boi chifrar um homem e uma mulher, que venham a morrer disso, o boi será lapidado e ninguém comerá da sua carne, mas o dono do boi será julgado inocente.
(Êxodo, cap.
XXI, v.
28 e seguintes.
)

Este artigo que nos parece tão absurdo não tinha por objetivo punir o boi e inocentar o seu dono, pois equivalia praticamente à confiscação do animal causador do acidente para obrigar o proprietário a ter maior cuidado.
A perda do boi representava a punição do dono, que devia ser bastante grave num povo de pastores, impedindo os descuidados de caírem em outra falta.
Mas como ela não devia aproveitar a ninguém, era proibido comer a carne.
Outros artigos estipulam penalidades para os donos responsáveis.

Tudo tinha a sua razão de ser na legislação de Moisés, porque tudo nela estava previsto, até os menores detalhes.
Mas a forma e o fundo estavam de acordo com as circunstâncias em que os hebreus se encontravam.
Claro que se Moisés voltasse hoje e tivesse de dar um novo código a uma nação civilizada da Europa, não recorreria mais àquele dos hebreus.

6 — Objeta-se a isso que todas as leis de Moisés foram ditadas em nome de Deus, como as recebidas no Sinai.
Mas se considerarmos todas de origem divina, porque os mandamentos de Deus formam apenas o decálogo? É que se faz a distinção.
Se todas emanassem de Deus, todas seriam igualmente obrigatórias.
Porque, pois, não observar a todas? Porque, por exemplo, não foi observada a circunscrição que o próprio Jesus sofreu e não aboliu? Esquecem-se de que todos os legisladores antigos, para darem maior autoridade às suas leis, diziam tê-las recebido de uma divindade.
Moisés, mais do que qualquer outro, necessitava desse apoio em virtude do caráter do seu povo.
Se apesar disso lhe foi tão difícil fazer-se obedecer, quanto pior não seria se tivesse promulgado essas leis em seu próprio nome.

Jesus não veio modificar a lei mosaica, mas a sua lei não é hoje o código dos cristãos? Não disse ele: Sabeis que foi dito aos antigos tal e tal coisa, mas eu vos digo esta outra coisa? Mas, assim dizendo, tocou ele na lei do Sinai? De maneira alguma, pois a sancionou e toda a sua doutrina moral não é mais do que o desenvolvimento daquela.
Ora, em nenhum momento ele se refere à proibição de evocar os mortos, entretanto era essa uma questão bastante grave para que ele a tivesse omitido nas suas instruções, quando tratou de outros assuntos de natureza secundária.

7 — Em resumo, trata-se de saber se a Igreja coloca a lei mosaica acima da lei evangélica, ou melhor dito, se ela é mais Judia do que Cristã.
É mesmo de se notar que de todas as religiões a que menos se opôs ao Espiritismo foi a Judia, que não invocou contra as relações com os mortos a lei de Moisés, sobre a qual entretanto se apoiam as seitas Cristãs.
(44)

8 — Há outra contradição.
Se Moisés proibiu a evocação dos Espíritos dos mortos, é que esses Espíritos podem manifestar-se, pois de outra maneira a sua proibição seria inútil.
Se eles podiam manifestar-se no seu tempo, é claro que o podem ainda hoje.
Se se trata dos Espíritos dos mortos, não são exclusivamente os demônios que se manifestam.
De resto, Moisés não faz nenhuma referência a esses últimos.

É pois evidente que não se poderia apoiar logicamente na lei de Moisés nesta circunstância, pelo duplo motivo de que ela não rege o Cristianismo e não é apropriada aos costumes da nossa época.
Mas, mesmo supondo-se que tenha toda a autoridade que alguns lhe dão, ela não pode, como acabamos de ver, aplicar-se ao Espiritismo.
(45)

Moisés, é verdade, abrange na sua proibição a interrogação dos mortos.
Mas isso apenas de maneira secundária, como um acessório das práticas de feitiçaria.
A palavra interrogar, colocada ao lado das palavras adivinhos e áugures, prova que entre os hebreus as evocações constituíam um meio de adivinhação.
Ora, os espíritas não evocam os mortos para obter revelações ilícitas, mas para receberem os seus conselhos e procurar o alívio dos que sofrem.
É claro que se os hebreus não se tivessem servido das comunicações de além-túmulo com esse fim, longe de as proibir, Moisés as encorajaria, porque elas teriam tornado melhor o seu povo.

9 — Se alguns críticos irônicos ou mal intencionados têm apresentado as reuniões espíritas como assembléias de feitiçeiros e necromantes, e os médiuns como ledores da sorte; se, por outro lado, alguns charlatães misturam o nome do Espiritismo a práticas ridículas que ele desaprova, entretanto muita gente sabe como considerar o caráter essencialmente moral e sério das reuniões espíritas.
Aliás, a doutrina escrita e divulgada por todo o mundo protesta suficientemente contra os abusos de toda espécie para que a calúnia possa recair sobre quem realmente a merece.

10 — Dizem que a evocação é uma falta de respeito para com os mortos, cujas cinzas não devemos perturbar.
Quem diz isso? Os adversários dos dois campos opostos, que nesse momento se dão as mãos: os incrédulos que não crêem nas almas e os que, embora crendo, pretendem que elas não podem manifestar-se e que o demônio é quem se manifesta.

(44) Esta observação de Kardec é das mais significativas e tem a sua explicação na própria História da religião judaica, toda ela, como se vê na Bíblia, na Kabala, no Talmud e na Literatura do povo hebreu, antiga e moderna, — fundada nas manifestações espirituais.
O teatro e a ficção modernas de Israel, como a antiga literatura hebraica e a moderna literatura ídiche não escapam à tradição das visões, das aparições e até mesmo das materializações, que marcam toda a cultura judaica.
No próprio texto bíblico encontramos passagens em que Moisés, como no caso típico de Eldad e Medad (Números, cap.
13 v.
24 a 29) se declara francamente favorável à mediunidade.
Além disso, sabe-se que a tenda de Moisés era uma câmara mediúnica em que o Espírito de Jeová chegava a materializar-se.
(N.
do T.
)

(45) As leis civis de Moisés pertencem a uma época bem definida da História, que é a das civilizações agrárias.
O próprio decálogo traz as marcas dessa fase histórica e em nossos dias é divulgado com a supressão dos pormenores que o tornariam ridículo aos nossos olhos.
Trata-se, pois, de legislação anacrônica.
(N.
do T.
)

Quando a evocação é feita religiosamente, com o devido recolhimento; quando os Espíritos são chamados com afeto e simpatia, pelo desejo sincero de instrução e de aperfeiçoamento moral, e não por curiosidade; não se percebe o que haveria de falta de respeito, e isso tanto ao chamar as pessoas depois de mortas como durante a vida.

Mas há uma outra resposta decisiva a essa objeção.
É que os Espíritos se manifestam livremente e não de maneira forçada.
Eles costumam vir espontaneamente até nós, sem serem chamados, e revelam a satisfação de poderem comunicar-se com os homens, lamentando freqüentemente o esquecimento em que às vezes os deixam.
Se eles fossem perturbados na sua paz ou não gostassem de ser chamados, declarariam isso ou não nos atenderiam.
Desde que são livres, quando nos atendem é porque isso lhes convém.

11 — Alega-se ainda: As almas moram no lugar que a justiça de Deus lhes determinou, seja no Inferno ou no Paraíso.
Assim, as que estão no inferno não podem sair, embora toda liberdade seja dada aos demônios nesse sentido.
As que estão no Paraíso acham-se inteiramente entregues à beatitude e estão muito acima dos mortais para se preocuparem conosco, sendo muito felizes para voltar a esta Terra de misérias, interessando-se pelos parentes e amigos que aqui deixaram.
Essas almas seriam como os ricos que desviam a vista dos pobres, com receio de que eles lhes perturbem a digestão? Se assim fosse, elas seriam bem pouco dignas da felicidade suprema, que seria, por sua vez, o prêmio do egoísmo.

Restam aquelas que estão no Purgatório.
Mas essas são almas sofredoras e têm de pensar antes de tudo na própria salvação.
Dessa maneira, nenhuma delas podendo nos atender, é somente o diabo que se apresenta.
Mas se elas não podem vir, não há nenhum motivo para temermos perturbar o seu repouso.

12 — Aqui se apresenta outra dificuldade.
Se as almas que estão na beatitude não podem abandonar a sua morada feliz para socorrer os mortais, porque a Igreja invoca a assistência dos santos, que devem gozar da maior soma possível de beatitude? Por que aconselha ela aos fiéis que os invoquem nas doenças, aflições e para se preservarem dos flagelos? Por que, segundo ela, os santos, a própria Virgem mostram-se aos homens através de visões e fazem milagres? Eles deixam, então, o céu para vir à Terra.
Se esses Espíritos que se encontram no mais alto dos céus podem deixá-lo, por que motivo os que estão mais em baixo não o poderiam?

13 —Que os incrédulos neguem a manifestação das almas, isso se concebe em razão da sua própria descrença.
Mas o que estranha é ver aqueles cuja crença repousa precisamente na existência da alma e no seu futuro, se encarniçarem contra os meios de se provar que ela existe, esforçando-se por demonstrar que isso é impossível.
Pareceria natural, ao contrário, que os que têm maior interesse na sua existência aceitassem com alegria e como uma graça da Providência o aparecimento dos meios de confundir os negadores por provas irrecusáveis, desde que são eles os negadores da própria religião.

Deploram essas pessoas, incessantemente, a propagação da incredulidade que aniquila o rebanho de fiéis, mas quando se lhes apresenta o mais poderoso meio de combatê-Ia, repelem-no com mais obstinação do que os próprios incrédulos.
Depois, quando as provas se multiplicam a ponto de não deixarem nenhuma dúvida, recorrem como argumento supremo à proibição de tratar do assunto, e procuram para justificá-la um artigo da lei de Moisés de que ninguém se lembrava e ao qual pretendem dar, de qualquer maneira, uma aplicação que não pode ter.
E ficam muito felizes com essa descoberta, sem perceberem que esse mesmo artigo constitui uma justificação da Doutrina Espírita.

14 —Todos os motivos alegados contra as relações com os Espíritos não podem suportar um exame sério.
Do próprio empenho com que se entregam a essa luta pode-se deduzir que a questão envolve grandes interesses, pois do contrário não haveria tamanha insistência.
Ao ver esta cruzada de todos os cultos contra as manifestações, poderíamos dizer que eles estão atemorizados.
O verdadeiro motivo poderia ser o temor de que os Espíritos, demasiado clarividentes, viessem esclarecer os homens sobre os pontos que eles tentam manter na obscuridade, fazendo os homens conhecerem de maneira precisa o que se refere ao outro mundo e às verdadeiras condições para nele serem felizes ou infelizes.

É por isso que, da mesma maneira que se diz a uma criança: não vá lá porque existe um lobisomem, dizem aos homens: não evoqueis os Espíritos, pois quem atende é o Diabo.
Mas não haverá dificuldade: se proibirem aos homens de evocar os Espíritos, não poderão impedir os Espíritos de virem até os homens para tirar a lâmpada debaixo do alqueire.

O culto religioso que estiver de posse da verdade absoluta nada terá a temer da luz, porque a luz fará ressaltar a verdade e o demônio não poderia prevalecer contra a verdade.

15 — Repelir as comunicações de além-túmulo seria rejeitar o poderoso meio de instrução que resulta da iniciação no conhecimento da vida futura e dos exemplos que elas nos fornecem.
A experiência nos ensina, além disso, como podemos fazer o bem desviando do mal os Espíritos imperfeitos, ajudando os sofredores a se libertarem da matéria e a se melhorarem, e proibir isso seria privar as almas infelizes da assistência que lhes podemos dar.
A seguinte comunicação de um Espírito resume admiravelmente os efeitos da evocação, quando praticada com uma finalidade caridosa.

Cada Espírito sofredor e desesperado vos contará a causa de sua queda, os arrastamentos a que não resistiu, e vos dirá das suas esperanças, das suas lutas, dos seus terrores.
Ele vos dirá também dos seus remorsos, das suas dores, dos seus desesperos, e vos mostrará Deus, justamente irritado, punindo o culpado com toda a severidade da sua justiça.

Ao escutá-lo, sereis movidos de compaixão por ele e de temor por vós mesmos.
Ao seguir os seus lamentos, vereis Deus não o perdendo de vista, esperando o pecador arrependido, abrindo os braços tão logo ele comece a avançar em sua direção.
Vereis os progressos do culpado, para os quais tereis a felicidade e a glória de haver contribuído.
Acompanhareis com solicitude a sua reforma; como o cirurgião acompanha a cicatrização da ferida de que cuida diariamente.
(Bordeus, 1861.
)(46)

O Prof.
Ernesto Bozzano, apoiado especialmente em pesquisas etnológicas de Andrew Lang e Max Freedon Long, em seu livro Popoli primitivi e manifestazione supernormale, formulou a tese da origem mediúnica das religiões.
Os fundamentos dessa tese são científicos e filosóficos.
As pesquisas metapsíquicas e parapsicológicas vêm confirmando a sua validade ao provarem que as funções psi (ou mediúnicas) são uma faculdade humana natural.
Os avanços da Ciência em nosso tempo, e particularmente os da Física — revelação da estrutura atômica da matéria, descoberta da antimatéria e aceitação teórica da existência do antiuniverso — ampliam no plano físico as conseqüências das investigações psicofisiológicas.
É hoje inegável que vivemos num Universo fechado pelas limitações de nossas percepções sensoriais, mas que se abre ante as possibilidades da percepção extra-sensorial e dos novos recursos da Ciência para penetrar nos arcanos da Natureza.

Quando Pasteur descobriu o mundo invisível dos micróbios teve de lutar contra a ignorância dos doutos e sábios do tempo.
Kardec é o Pasteur do Espírito — descobriu o mundo invisível dos espíritos e demonstrou que estes, à maneira das bactérias, dividem-se em benéficos e maléficos, podendo produzir infestações (que são infecções espirituais) ocasionando doenças mentais e orgânicas.
Contra ele se levantaram da mesma maneira os doutos e os sábios do tempo, mas ainda mais fortemente apoiados pelos clérigos e teólogos das religiões dominantes do que no caso de Pasteur.
A luta era mais difícil, porque contra Kardec se conjugavam preconceitos, superstições e interesses materiais muito maiores e mais arraigados.
Mas mesmo assim a verdade não pode ser obscurecida.

Mas deixando de lado a questão científica — e também a questão filosófica, a que nem nos referimos aqui — para tratar da questão religiosa, que é o assunto deste livro, podemos assegurar que a condenação de Moisés, erroneamente aplicada ao Espiritismo, redundaria na eliminação pura e simples de todas as religiões.
Porque todas elas, desde as primitivas até as mais culturalmente refinadas, apoiam-se na relação do homem com o mundo invisível e dela se alimentam.
Os fatos espíritas estão na raiz e na seiva da Religião, que tem sua origem na Revelação e se desenvolve graças à seiva mediúnica da permanente comunicação dos homens com os espíritos.

A evocação — contra a qual se levantam os maiores protestos — é também uma constante na história, na teoria e na prática das religiões.
Como Kardec explica, basta pensarmos num espírito para o evocarmos.
Mas isso não o obriga a atender-nos.
Os espíritos são mais livres do que nós, os encarnados, e a evocação é um simples apelo, nunca uma tentativa mágica de sujeitar o espírito ao homem.
Ao contrário disso, há práticas religiosas em nosso tempo que pretendem sujeitar o próprio Deus às exigências formalistas e convencionais de um sacerdote.
Proibir essas práticas seria mais fácil, porque são criações humanas e dependem apenas dos homens, mas proibir as evocações espíritas e as manifestações espontâneas que se dão por toda parte através da mediunidade é impossível, porque estas dependem dos espíritos, que não estão ao alcance das determinações humanas.

Além disso é preciso considerar o problema da evolução espiritual do homem, que cada dia mais o aproxima dos espíritos, abrindo-lhe as possibilidades da percepção extra-sensorial.
Rompendo a clausura dos sentidos, a rede do sensório orgânico, o homem de hoje aumenta cada vez mais, e com evidente aceleração evolutiva, as suas possibilidades de comunicação com o mundo invisível.
Os dois planos da vida humana — o visível e o invisível — tornam-se mais próximos e se familiarizam na proporção em que a alma (espírito encarnado) aguça as suas faculdades para uma percepção mais dinâmica e real do mundo em que vive.
(N.
do T.
)

(46) Proibir as relações do homem com o mundo invisível é um contrasenso e revela ignorância da natureza humana e da própria História Universal.
Em todos os tempos, desde os primitivos, como o atestam de maneira inegável as pesquisas paleontológicas, arqueológicas, antropológicas, etnológicas e históricas, os homens mantiveram relações com entidades espirituais, sempre considerando-as humanas, diabólicas e divinas.
O que são as religiões senão as formas institucionalizadas dessas relações? O que é a Bíblia, no seu conjunto e em cada um dos seus livros, senão um testemunho maciço e imponente dessa realidade inegável? E poderemos acaso negar que os próprios Evangelhos testemunham esse fato e nos instruem a respeito da maneira por que devemos proceder nessas relações? (Veja-se I Coríntios, cap.
12 e I João 4:1-6).

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