Ela era uma menina de oito anos de idade, quando os nazistas invadiram a França.
Judia, ela foi obrigada a levar no peito uma enorme estrela amarela, para que todos soubessem a sua origem.
Francine Christophe, com sua família, foi enviada para o campo de concentração Bergen-Belsen, na Alemanha.
Conta que, por serem filhas de prisioneiros de guerra, tinham o direito de levar consigo uma pequena bolsa.
Tão pequena que poderia ter em seu interior um torrão de açúcar, um punhado de arroz, um pedaço de chocolate.
Sua mãe optou por levar dois pedaços de chocolate e disse que quando a pequena Francine estivesse destroçada, acabada, talvez aquela porçãozinha de chocolate tivesse o condão de reerguê-la.
Certo dia, chegou ao campo uma mulher.
Estava grávida.
Mas, tão magra, que mal dava para ver-lhe a silhueta.
Chegou o dia do parto.
A mãe de Francine, que era chefe de barraca, a acompanhou até um certo local tido como enfermaria.
Quando estava para sair da barraca, foi até sua filha e lhe perguntou se ela ainda tinha um dos pedaços de chocolate.
Ante a afirmativa da menina, lhe disse que um parto naquelas condições traria, com quase certeza, a morte para a parturiente.
Quem sabe se ela oferecesse aquele chocolate, poderia ajudar.
A garota entregou a sua preciosidade.
A mulher deu à luz um bebê minúsculo.
Nem ela morreu, nem o bebê que, no entanto, jamais chorou.
Nunca deu sequer um gemido.
Seis meses depois, quando aconteceu a libertação, ao ser desenrolada aquela coisinha minúscula, ela gritou.
Foi emocionante.
Segundo Francine, foi naquele dia que o bebê verdadeiramente nasceu.
Muitos anos depois, casada, Francine foi indagada por sua própria filha se tudo não teria sido diferente se os prisioneiros dos campos de concentração, ao retornarem para seus países, tivessem tido o apoio de psicólogos.
Como teria sido? – se perguntou Francine.
E, resolveu organizar uma conferência, aberta a quem desejasse: sobreviventes, psicólogos, psiquiatras, jovens, idosos.
O tema era: Se tivesse havido psicólogos quando voltamos dos campos de concentração, como teria sido?
No dia da conferência, pouco antes de iniciar a sua fala, uma psiquiatra, residente na cidade francesa de Marselha, se aproximou.
Disse que tinha um presente para lhe oferecer.
Mexeu no bolso e retirou de lá um chocolate.
Entregou-o, emocionada, para a palestrante e disse somente: Eu sou o bebê.
* * *
Todo bem que façamos, por mais insignificante nos possa parecer ou por mais grandioso tenha sido, não passa em branco.
Numa alma nobre, a gratidão fica registrada.
Podem passar os dias, a alegria retornar, a vida ser refeita, para quem viveu o caos da fome, da miséria, do quase esquecimento de ser gente, de ser uma criatura humana.
Tudo pode ser deixado para trás, na tentativa de buscar o sentido para a própria vida.
Para encontrar caminhos para seguir em frente.
Nada disso fará com que a gratidão se apague.
Por vezes, difícil se torna agradecer pessoalmente ao benfeitor.
No entanto, alguns de nós, como a psiquiatra francesa, tem ocasião de conseguir isso.
Sim, a gratidão sempre nos alcança.
Redação do Momento Espírita, com base em relato oral
de Francine Christophe, no vídeo HUMAN, produzido por
Bettencourt Schueller Foundation e Good Planet Foundation.
Em 24.
9.
2020.