Ela era a terceira filha do casal.
Mais de uma vez, ouvira os pais comentando: Poderíamos ter evitado essa.
À medida em que o entendimento se acentuou, ela pôde compreender que o que eles queriam dizer é que ela não fora planejada.
Ela podia sentir isso, todos os dias, no tratamento que recebia.
Jamais uma frase elogiosa, de incentivo.
Para Klara, o gênio da família, que aos cinco anos tocava violino, maravilhosamente, choviam elogios e cuidados.
Os pais a enviaram para Budapeste a fim de aprimorar a sua arte, aos cuidados de renomado professor, em um Conservatório.
Magda, a outra irmã, era pianista.
Ela, Edith, a última, a raspa do tacho, nada além de críticas.
O pai lhe disse, um dia, que desejava que ela tivesse nascido menino.
As irmãs, fazendo coro às críticas, criaram uma música para ela: Você é tão feia, você é tão pequena.
Nunca vai arranjar um marido.
Depois de um procedimento cirúrgico malfeito, ela ficara estrábica.
Por isso, andava de cabeça baixa e não olhava para as pessoas quando falava com elas.
Sua mãe dizia que ela nunca seria bonita.
A esperança era que, aos dez anos, ela não teria mais que esconder o rosto.
Doutor Klein, de Budapeste, iria consertar seu estrabismo.
Apesar de tudo, Edith foi para a escola de ballet e o seu intuito era ser a melhor.
Quando sua turma foi convidada a se apresentar em um festival, ela se sentiu maravilhosa.
No estúdio, mais de uma vez fora incentivada pelo professor.
Só o que ela pensava é que iria brilhar na apresentação e seus pais a iriam aplaudir.
No entanto, enquanto sonhava acordada, no trajeto de casa à escola, ela perdeu todo o dinheiro que lhe fora entregue para pagar o trimestre inteiro.
Pela primeira vez, ela enfrentou a raiva do pai, que ergueu os punhos e lhe bateu.
Nenhuma palavra saiu da boca dele.
Naquela noite, em sua cama, Edith desejou morrer.
Queria morrer e que seu pai sofresse pelo que fizera com ela.
Também desejou que ele morresse.
* * *
Esses relatos são verdadeiros, contados mais de setenta anos depois, pela protagonista que, ao registrar suas memórias, escreve:
Talvez cada infância seja o terreno em que tentamos identificar nossa importância.
Um mapa onde estudamos as dimensões e as fronteiras do nosso valor.
Essa menina se transformou em uma das mais extraordinárias mulheres, e se dedicou a auxiliar outras vidas, através da profissão que abraçou: Psicologia.
Os relatos de suas mágoas, que demoraram décadas para serem curadas, leva-nos a questionar o que fazemos da infância dos nossos filhos.
E nos convida a termos olhares mais atentos a todos e a cada um.
A lhes descobrirmos as virtudes e incentivá-los ao seu aprimoramento.
A verificarmos quanto um elogio, um gesto de atenção, uma manifestação de carinho, pode fazer toda a diferença na vida de quem se ensaia para o mundo.
Pensemos nisso: pais e educadores temos grande responsabilidade na formação do caráter dos pequenos que estão sob nossa guarda.
Esmeremo-nos em nossa missão.
Em nossas mãos repousa o futuro de outras vidas.
Redação do Momento Espírita, com base no cap.
1, do
livro A bailarina de Auschwitz, de Edith Eva Eger,
ed.
Sextante.
Em 11.
3.
2022.