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A LIBERDADE

Somos Espíritos imortais, mas, quando encarnados, estamos sujeitosàs limitações do corpo físico e presosàs leis que regem a matéria. Não obstante esses limites, a possibilidade de adquirir conhecimentos cria para nós infinitas oportunidades de crescimento. Somos, além disso, capazes de utilizar os potenciais da imaginação para conceber novas formas de estar no

mundo, por isso sonhamos com um futuro diferente, com dias mais felizes. Nesse sonho de felicidade projetado, para o amanhã, incluímos a liberdade. Não podemos pensar em felicidade sem liberdade. Quando refletimos mais profundamente sobre esse anseio de liberdade, percebemos a complexidade desse tema.

Em primeiro lugar, precisamos analisar se é viável esse sonho, ou se estaremos gastando energia improdutivamente, por ser impossível libertar-nos, enquanto estivermos presosà necessidade de vestir corpos materiais para evoluir.

Segundo o ensino dos Espíritos, a liberdade é uma lei divina, porque sem ela o homem seria apenas uma máquina movida ao sabor de circunstâncias alheiasà sua vontade. Uma primeira

resposta já se delineia com essa informação: é possível ao homem construir sua liberdade.

Podemos, pois, não só sonhar com a liberdade, como também trabalhar para conquistá-la.

A partir dessa primeira resposta, podemos analisar mais de perto o assunto. Será possível traçar um caminho para essa conquista tão fundamental?

Em reuniões para reflexão e estudo habitualmente realizadas nas Instituições Espíritas, o convívio com um píblico diversificado permite-nos a percepção de que as pessoas não estão satisfeitas com suas vidas. Há uma fome interior que não conseguem satisfazer, e isso ocorre,

mesmo que sejam pessoas realizadas profissionalmente e tenham suas famílias bem constituídas.

Percebe-se que a questão do anseio por mais liberdade está presente aí como uma das causas da insatisfação íntima. O estudo espírita mostra que a liberdade é um sonho realizável e temos procurado destacar isso, já que a informação poderá funcionar como fator de motivação importante, para que as pessoas iniciem um trabalho necessário e enriquecedor do seu cotidiano, mas propor a viabilidade da realização de um anseio não tem sido suficiente. Surge a necessidade de responderàs indagações:

1) Que tipo de liberdade é essa que podemos construir, enquanto encarnados num mundo

de provas e expiações?

2)Qual o meio de fazê-lo?

O estudo das questões ligadasà liberdade trazà lembrança um pensamento oriental inspirador de profundas reflexões:

˜ ˜O mundo inteiro ambiciona a liberdade, porém cada criatura adora os próprios grilhões. Este é o principal e o mais inextricável paradoxo da natureza humana. ™ ™ (Shri Aurobindo)

Ambicionar a liberdade e adorar os grilhões constitui um paradoxo, sem qualquer sombra de

dívida. Em avaliação mesmo superficial percebemos a veracidade da ambição de liberdade. Isso é algo verdadeiramente pertinente ao ser humano, independentemente de raça, credo ou

nacionalidade. Todos nós desejamos a liberdade de realizar todo o nosso potencial; desejamos a liberdade de usar plenamente as oportunidades que a vida nos oferece; desejamos a liberdade de incorporar aquilo que seja bom e nos afastar de tudo o que cause sofrimento e dor. Mas, de pronto, é difícil atinar com os fatos que levaram o sábio oriental a perceber que a criatura humana adore os seus grilhões. Teria havido algum engano na formulação dessa proposição? Teria o sábio observado erradamente o homem? De tempo para cá, o mundo ocidental começou a admirar a sabedoria nascida nos longínquos países do Oriente, pela propriedade de suas proposições em contraposição ao pragmatismo das filosofias que proliferam em nossa cultura. A milenar filosofia oriental não deriva suas proposições do nada, elas se fundamentam no conhecimento profundo do ser humano e na meditação madura sobre a vida. Devemos, portanto, tentar também, ampliar nossa concepção de mundo, pelo estudo e pela meditação, para alcançar o entendimento mais profundo desse paradoxo que focalizamos aqui. Muitos pensadores já se detiveram na análise desse assunto. Jean-Paul Sartre, filósofo francês do nosso tempo, por exemplo, tem uma contribuição a dar a esse tema.

Analisando o ser humano com o propósito fundamental de alcançar a compreensão das questões e problemas que agitam a Humanidade, Sartre afirmou que há dois modos fundamentais de ser: o da consciência humana que é pura transcendência, é o ser-para-si; e o das coisas materiais que é pura imanência, é o ser-em-si. O ser-para-si é pura indeterminação, é radicalmente livre, mas, ao experimentar a liberdade, experimenta também uma angístia característica: a angístia da escolha. Para escapar a essa angístia, tenta livrar-se dessa liberdade. Nega, então, suas possibilidades, procura eximir-se das suas responsabilidades, ilude-se com o pensamento de ter um destino irremediável. Cai em má-fé. Definiu ele dois tipos de comportamento de má-fé: o primeiro, quando nos comportamos como seres-em-si, isto é, objetos, e deixamos que os outros escolham por nós; e o segundo, quando representamos o papel que os outros designaram para nós, pela necessidade de prestígio social. Sartre lutou contra as ideologias que minimizavam o poder da consciência humana, como as que nasceram do irracionalismo filosófico ou do conhecimento do inconsciente psicanalítico. Ele estava convencido do poder da consciência humana, afirmava que somos totalmente livres para escolher e que nos escolhemos a nós próprios a cada momento.

Segundo ele, as circunstâncias materiais que marcam nossos limites constituem a base sobre a qual deveremos exercer nossa escolha livre.

Nessa análise rápida do pensamento filosófico de Sartre, já surpreendemos a confirmação do que afirma o sábio oriental: o ser humano adora seus próprios grilhões. É certo que o

existencialismo sartreano parte da premissa da não existência de Deus, com a qual não concordamos, mas ele, não obstante, alcançou uma percepção que a Doutrina Espírita corrobora, quando menciona a liberdade inerente ao ser humano. Como Espíritos, somos dotados do livre-arbítrio, somos inteiramente livres, para decidir e escolher nossos caminhos de desenvolvimento moral. Estamos sujeitos a contingências determinadas pelas leis que regem a vida, mas os limites originários dessas leis que marcam a nossa experiência na Terra não inibem a nossa liberdade essencial. O que limita essa liberdade é a nossa maneira de interpretar os acontecimentos da vida, a ideologia que inadvertidamente assimilamos no contexto cultural em que vivemos.

Para construir a liberdade com que sonhamos, portanto, precisamos deslocar o foco da nossa atenção. Até hoje, estivemos olhando as amarras que estão fora de nós, lutamos contra correntes exteriores, mas os verdadeiros entraves estão em nós mesmos. Afirmou Jesus com muita propriedade: ˜ ˜Se permanecerdes nas minhas palavras, sereis meus discípulos, e conhecereis a verdade, e a verdade vos fará livres ™ ™. A meditação mais profunda sobre essa proposição do Cristo poderá trazer-nos a chance de construir a liberdade com que, por enquanto, apenas sonhamos.

˜ ˜Permanecer na sua palavra ™ ™ significa considerar com seriedade seus ensinamentos, e, temos que convir, até mesmo isso fica difícil, sem a chave que o Espiritismo proporciona.

É quando consideramos a sobrevivência da alma ao fenômeno da morte física, sua possibilidade de comunicar-se com o mundo material e a reencarnação, que alcançamos o entendimento mais preciso das recomendações de Jesus. Suas palavras passam a fazer sentido

e descortina-se-nos o roteiro que Ele trilhou na exemplificação da fraternidade. Fazendo-nos seus discípulos, no esforço contínuo de seguir esse exemplo luminoso impresso na história da sua vida, iremos atingindo o burilamento necessárioà visão clara da verdade que nos libertará de todas as amarras.

DALVA SILVA SOUZA

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