Obsediados e Subjugados
Muito se tem falado dos perigos do Espiritismo.
Entretanto, é de notar-se que aqueles que mais gritaram são
precisamente os que só o conhecem de nome. Já refutamos os
principais argumentos que lhe opuseram, de tal forma que a eles
não mais retornaremos; acrescentaremos somente que, se
quiséssemos proscrever da sociedade tudo quanto possa oferecer
perigo e dar margem a abuso, não saberíamos ao certo o que haveria
de restar, mesmo em relaçãoàs coisas de primeira necessidade, a
começar pelo fogo, causa de tantas desgraças; as estradas de ferro,
em seguida, etc., etc. Se admitirmos que as vantagens compensam
os inconvenientes, o mesmo raciocínio se aplica a tudo o mais: assim
o indica a experiência,à medida que tomamos certas precauções
para nos subtrairmos aos perigos que não podemos evitar.
Realmente, o Espiritismo representa um perigo real; de
modo algum, porém, aquele que se supõe: é preciso que se seja
iniciado nos princípios da ciência para bem compreendê-lo. Não
nos dirigimos absolutamenteàqueles que lhe são estranhos, mas
aos próprios adeptos, aos que o praticam, visto ser para eles que o
perigo existe. Importa que o conheçam, a fim de se porem em guarda:
R E V I S T A E S P Ã R I T A
404
perigo previsto, já se sabe, é perigo pela metade. Diremos mais:
para quem quer que esteja instruído na ciência, não há perigo; só
existe para os que julgam saber e nada sabem, isto é, para os que
não possuem a necessária experiência, como sói acontecer em todas
as coisas.
Um desejo muito natural em todos aqueles que
começam a se ocupar do Espiritismo é ser médium, principalmente
médium de psicografia. Sem dívida é o gênero que oferece mais
atração, em virtude da facilidade das comunicações, e por ser o
que melhor se desenvolve pelo exercício. Compreende-se a
satisfação que deve experimentar aquele que, pela primeira vez,
vê a própria mão formar letras, depois palavras, depois frases que
respondem aos seus pensamentos. Essas respostas, que traça
maquinalmente, sem saber o que faz e que, no mais das vezes,
estão fora de toda idéia pessoal, não lhe podem deixar nenhuma
dívida quantoà intervenção de uma inteligência oculta. Assim,
grande é a sua alegria de poder se entreter com os seres de alémtímulo,
com esses seres misteriosos e invisíveis que povoam os
espaços; seus parentes e amigos já não se acham ausentes; se não
os vê com os olhos, nem por isso deixam de ali estar; conversam
com ele, e ele os vê pelo pensamento; pode saber se são felizes, o
que fazem, o que desejam e com eles trocar boas palavras;
compreende que entre eles a separação não é eterna e acelera,
com seus votos, o instante em que poderão reunir-se num mundo
melhor. Isso não é tudo: quanto não vai saber por meio dos
Espíritos que se comunicam com ele! Não irão levantar o véu de
todas as coisas? Desde então, nada mais de mistérios; não tem
senão que interrogar, para tudo ficar sabendo. À sua frente, já vê
a Antiguidade sacudir a poeira dos tempos, revolver as ruínas,
interpretar as escrituras simbólicas e fazer reviver aos seus olhos
os séculos que se foram. Outro, mais prosaico, e menos preocupado
em sondar o infinito onde seu pensamento se perde, simplesmente
sonha em explorar os Espíritos para fazer fortuna. Os Espíritos,
que devem ver tudo e tudo saber, não podem recusar fazer-lhe
405
O U T U B R O D E 1 8 5 8
descobrir algum tesouro oculto ou algo secreto e maravilhoso.
Quem quer que se dê ao trabalho de estudar a ciência espírita não
se deixará jamais seduzir por esses belos sonhos; sabe a que se
ater sobre o poder dos Espíritos, sua natureza e o objetivo das
relações que com eles pode o homem estabelecer. Recordemos,
primeiro, em poucas palavras, os pontos principais, que jamais
devem ser perdidos de vista, porque são como que a pedra angular
do edifício.
1o Os Espíritos não são iguais nem em poder, nem em
conhecimento, nem em sabedoria. Nada mais sendo que as almas
dos homens, desembaraçadas de seu invólucro corporal, apresentam
variedade ainda maior do que as encontradas entre os homens na
Terra, visto procederem de todos os mundos e porque entre os
mundos o nosso planeta não é o mais atrasado, nem o mais avançado.
Há, pois, Espíritos muito superiores, e outros bastante inferiores;
muito bons e muito maus, muito sábios e muito ignorantes; há os
levianos, malévolos, mentirosos, astuciosos, hipócritas, engraçados,
espirituosos, zombeteiros, etc.
2o Estamos incessantemente cercados por uma multidão
de Espíritos que, por serem invisíveis aos nossos olhos materiais,
nem por isso deixam de estar no espaço, ao redor de nós, ao nosso
lado, espiando nossas ações, lendo os nossos pensamentos, uns para
nos fazerem o bem, outros para nos induzirem ao mal, conforme
sejam bons ou maus.
3o Pela inferioridade física e moral de nosso globo na
hierarquia dos mundos, os Espíritos inferiores são aqui mais
numerosos que os superiores.
4o Entre os Espíritos que nos rodeiam, há os que se
vinculam a nós, que agem mais particularmente sobre o nosso
pensamento, aconselham-nos, e cujo impulso seguimos sem o saber.
Felizes se escutarmos somente a voz dos bons.
R E V I S T A E S P Ã R I T A
406
5o Os Espíritos inferiores não se ligam senão aos que
os ouvem, junto aos quais têm acesso e aos quais se prendem. Caso
consigam estabelecer domínio sobre alguém, identificam-se com o
seu próprio Espírito, fascinam-no, obsidiam-no, subjugam-no e o
conduzem como se fosse uma verdadeira criança.
6o A obsessão jamais se dá senão pelos Espíritos
inferiores. Os Espíritos bons não causam nenhum constrangimento;
aconselham, combatem a influência dos maus e, se não são ouvidos,
afastam-se.
7o O grau de constrangimento e a natureza dos efeitos
que produz marcam a diferença entre a obsessão, a subjugação e a
fascinação.
A obsessão é a ação quase permanente de um Espírito
estranho, que faz com que a vítima seja induzida, por uma necessidade
incessante, a agir nesse ou naquele sentido, a fazer tal ou qual coisa.
A subjugação é uma opressão moral que paralisa a
vontade daquele que a sofre, impelindo-oàs mais despropositadas
ações e, frequentemente,àquelas que mais contrariam os seus
interesses.
A fascinação é uma espécie de ilusão, ora produzida
pela ação direta de um Espírito estranho, ora por seus raciocínios
capciosos, ilusão que altera o senso moral, falseia o julgamento e
faz tomar o mal pelo bem.
8o Por sua vontade, pode o homem livrar-se sempre do
jugo dos Espíritos imperfeitos, porque, em virtude de seu livrearbítrio,
tem a escolha entre o bem e o mal. Se o constrangimento
chegou a ponto de paralisar a vontade, e se a fascinação é bastante
grande para obliterar a razão, a vontade de uma outra pessoa pode
substituí-la.
407
O U T U B R O D E 1 8 5 8
Outrora se dava o nome de possessão ao império exercido
pelos Espíritos maus, quando sua influência ia atéà aberração das
faculdades. Mas a ignorância e os preconceitos muitas vezes fizeram
tomar por possessão o que não resultava senão de um estado
patológico. Para nós, a possessão seria um sinônimo de subjugação.
Se não adotamos esse termo, foi por dois motivos: primeiro, porque
implica a crença em seres criados e votados perpetuamente ao mal,
enquanto apenas existem seres mais ou menos imperfeitos e todos
podem melhorar; segundo, porque pressupõe igualmente a idéia de
tomada de posse do corpo por um Espírito estranho, uma espécie
de coabitação, quando só há constrangimento. A palavra subjugação
traduz perfeitamente esse pensamento. Dessa forma, para nós, não
existem possessos no sentido vulgar do termo, mas tão-somente
obsequiados, subjugados e fascinado
Foi por motivo semelhante que não adotamos a palavra
demônio para designar os Espíritos imperfeitos, embora muitas vezes
esses Espíritos não valham mais que aqueles que chamamos
demônios; foi unicamente por causa da idéia de especialidade e de
perpetuidade que se liga a esse vocábulo. Assim, quando dizemos
que não há demônios, não pretendemos afirmar que só haja Espíritos
bons; longe disso; sabemos perfeitamente que os há maus e muito
maus, que nos impelem para o mal, que nos estendem armadilhas,
nada havendo nisso de espantoso, visto que foram homens. Queremos
dizer que eles não formam uma classeà parte na ordem da Criação, e
que Deus deixa a todas as criaturas o poder de se melhorarem.
Mel