Não são poucos os trabalhos que correm mundo, re lativamente à tarefa
gloriosa do Apóstolo dos gentios.
É justo, pois, esperarmos a interrogativa: —
Por que mais um livro sobre Paulo de Tarso? Homenagem ao gr ande
trabalhador do Evangelho ou informações mais detalhadas de sua vida?
Quanto à primeira hipótese, somos dos primeiros a reconhecer que o
convertido de Damasco não necessita de nossas mesquinhas homenagens; e
quanto à segunda, responderemos afirmativame nte para atingir os fins a que
nos pro pomos, transferindo ao papel humano, com os recursos possíveis,
alguma coisa das tradições do pla no espiritual acerca dos trabalhos confiados
ao grande amigo dos gentios.
Nosso escopo essencial não poderia ser apenas rememorar passagens
sublimes dos tempos apostólicos, e sim apresentar, antes de tudo, a figura do
cooperador fiel, na sua legitima feição de homem transformado por Jesus –
Cristo e atento ao divino ministério.
Esclarecemos, ainda, que não é nosso propósito levantar apenas uma
biografia romanceada.
O mundo está repleto dessas fichas educa tivas, com referência aos seus
vultos mais notáveis.
Nosso melhor e mais sincero desejo é recordar as lutas
acerbas e os ásperos testemunhos de um coração extraordinário, q ue se
levantou das lutas humanas para seguir os passos do Mestre, num esforço
incessante.
As igrejas amornecidas da atualidade e os falsos de sejos dos crentes, nos
diversos setores do Cristianismo, justificam as nossas intenções.
Em toda parte há tendências à ociosidade do espírito e manifestações de
menor esforço.
Muitos discípulos disputam as prerrogativas de Estado,
enquanto outros, distanciados voluntariamente do trabalho justo, suplicam a
proteção sobrenatural do Céu.
Templos e devotos entre gam-se, gostosamente,
às situações acomodatícias, prefe rindo as dominações e regalos de ordem
material.
Observando esse panorama sentimental é útil recor darmos a figura
inesquecível do Apóstolo generoso.
Muitos comentaram a vida de Paulo; mas, quando não lhe atr ibuíram
certos títulos de favor, gratuitos do Céu, apresentaram -no como um fanático de
coração ressequido.
Para uns, ele foi um santo por predestinação, a quem
Jesus apareceu, numa operação mecânica da graça; para outros, foi um
espírito arbitrário, absorvente e ríspido, inclinado a combater os companheiros,
com vaidade quase cruel.
Não nos deteremos nessa posição extremista.
Queremos recordar que Paulo recebeu a dádiva santa da visão gloriosa do
Mestre, às portas de Damasco, mas não podemos esquecer a d eclaração de
Jesus relativa ao sofrimento que o aguardava, por amor ao seu nome.
Certo é que o inolvidável tecelão trazia o seu ministé rio divino; mas, quem
estará no mundo sem um ministério de Deus? Muita gente dirá que
desconhece a própria tarefa, que é insciente a tal respeito, mas nós poderemos
responder que, além da ignorância, há desatenção e muito capricho pernicioso.
Os mais exigentes advertirão que Paulo recebeu um apelo direto; mas, na
verdade, todos os homens menos rudes têm a sua convocação pes soal ao
serviço do Cristo.
As formas podem variar, mas a essência ao apelo é sempre
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a mesma.
O convite ao ministério chega, ás vezes, de maneira sutil,
inesperadamente; a maioria, porém, resiste ao chamado generoso do Senhor.
Ora, Jesus não é um mestre d e violências e se a figura de Paulo avulta muito
mais aos nossos olhos, é que ele ouviu, negou -se a si mesmo, arrependeu-se,
tomou a cruz e seguiu o Cristo até ao fim de suas tarefas materiais.
Entre
perseguições, enfermidades, apodos, zombarias, desilusõe s, deserções,
pedradas, açoites e encarceramentos, Paulo de Tarso foi um homem intrépido
e sincero, caminhando entre as sombras do mundo, ao encontro do Mestre que
se fizera ouvir nas encruzilhadas da sua vida.
Foi muito mais que um predestinado, foi um re alizador que trabalhou
diariamente para a luz.
O Mestre chama-o, da sua esfera de claridadeS imor tais.
Paulo tateia na
treva das experiências humanas e responde: — Senhor, que queres que eu
faça?
Entre ele e Jesus havia um abismo, que o Apóstolo soube tra nspor em
decênios de luta redentora e cons tante.
Demonstrá-lo, para o exame do quanto nos compete em trabalhO próprio, a
fim de Ir ao encontro de Jesus, é o nosso objetivo.
Outra finalidade deste esforço humilde é reconhecer que o Apóstolo não
poderia chegar a essa possibilidade, em ação isolada no mundo.
Sem Estevão, não teríamos Paulo de Tarso.
O gran de mártir do
Cristianismo nascente alcançou influência muito mais vasta na experiência
paulina, do que poderíamos imaginar tão-só pelos textos conhecidos nos
estudos terrestres.
A vida de ambos está entrelaçada com miste riosa beleza.
A
contribuição de Estevão e de outras per sonagens desta história real vem
confirmar a necessidade e a universalidade da lei de cooperação.
E, para ve –
rificar a amplitude desse conceito, recordemos que Jesus, cuja misericórdia e
poder abrangiam tudo, procurou a companhia de doze auxiliares, a fins de
empreender a renovação do mundo.
Aliás, sem cooperação, não poderia existir amor; e o amor é a força de
Deus, que equilibra o Universo.
Desde já, vejo os críticos consultando textos e com binando versículos para
trazerem á tona os erros do nosso tentame singelo.
Aos bem -intencionados
agradecemos sinceramente, por conhecer a nossa expressão de criatura
falível, declarando que este livro modestO foi grafado por um Espírito para os
que vivam em espírito; e ao pedan tismo dogmático, ou literário, de todos os
tempos, recorremos ao próprio Evangelho para repetir que, se a letra mata, o
espírito vivifica.
Oferecendo, pois, este humilde t rabalho aos nossos irmãos da Terra,
formulamos votos para que o exemplo do Grande Convertido se faça mais
claro em nossos corações, a fim de que cada discípulo possa entender quanto
lhe compete trabalhar e sofrer, por amor a Jesus -Cristo.
Pedro Leopoldo, 8 de julho de 1941.