Às vésperas da partida em busca da gentilidade es panhola, eis que o
Apóstolo recebe uma carta comovente de Simão Pedro.
O ex -pescador de
Cafarnaum escrevia-lhe de Corinto, avisando sua próxima chegada à cidade
imperial.
A missiva era afetuos a e enternecedora, cheia de confidências
amargas e tristes.
Pedro confiava ao amigo suas derradeiras desilusões na
Ásia e mostrava-se-lhe vivamente interessado pelo que lhe sucedera em
Roma.
Ignorando que o ex -rabino fora restituido à liber dade, procurava
confortá-lo fraternalmente.
Também ele, Simão, deliberara exilar -se junto dos
irmãos da metrópole imperial, esperando ser útil ao amigo, em quaisquer cir –
cunstâncias.
Ainda no mesmo documento íntimo, rogava aproveitasse o
portador para comunicar aos confr ades romanos o propósito de se demorar
algum tempo entre eles.
O convertido de Damasco leu e releu a mensagem amiga, altamente
sensibilizado.
Pelo emissário, irmão da igreja de Corinto, foi avi sado de que o venerando
Apóstolo de Jerusalém chegaria ao port o de Óstia dentro de dez dias, mais ou
menos.
Não hesitou um momento.
Lançou mão de todos os meios ao seu alcance,
preveniu os íntimos e preparou uma casa modesta, onde Pedro pudesse alojar –
se com a família.
Criou o melhor ambiente para a recepção do res peitável
companheiro.
Valendo-se do argumento de sua próxima excursão à Espanha,
dispensava as dádivas dos amigos, indicando -lhes as necessidades de Simão,
para que nada lhe faltasse.
Transportou quanto possuía, em objetos de uso
doméstico, do singelo aposento que alugara junto à Porta Lavernal para a
casinha destinada a Simão, próximo dos cemitérios israelitas da Via Ápia.
Esse
exemplo de cooperação foi altamente apreciado por todos.
Os irmãos mais
humildes fizeram questão de oferecer pe queninas utilidades ao Apóstolo
venerando que chegaria desprovido.
Informado de que a embarcação entrava no porto, o ex -rabino largou-se
pressurosamente para Óstia.
Lucas e Timóteo, sempre em sua companhia,
junto de outros cooperadores devotados, o amparavam nos pequenos aci –
dentes do caminho, dando-lhe o braço, aqui e ali.
Não fora possível organizar uma recepção mais os tensiva.
A perseguição
surda aos adeptos do Nazareno apertava o cerco por todos os lados.
Os
últimos conselheiros honestos do Imperador estavam desaparecen do.
Roma
assombrava-se com a enormidade e quantidade de crimes que se repetiam
diariamente.
Nobres figuras do patriciado e do povo eram vítimas de atentados
cruéis.
Atmosfera de terror dominava todas as atividades polí ticas e, no
cômputo dessas calamidades, os cristãos eram os mais rudemente castigados,
em vista da atitude hostil de quantos se acomodavam com os velhos deuses e
se regalavam com os prazeres de uma existência dissoluta e fácil.
Os
seguidores de Jesus eram acusados e respon sabilizados por quaisquer
dificuldades que sobrevinham.
Se caía uma tempestade mais forte, devia -se o
fenômeno aos adeptos da nova doutrina.
Se o inverno era mais rigoroso, a
acusação pesava sobre eles, porqüanto nin guém como os discípulos do
Crucificado havia desprezado ta nto os santuários da crença antiga,
abominando os favores e os sacrifícios aos numes tutelares.
A partir do reinado
316
de Cláudio, espalhavam-se lendas torpes a respeito das práticas cristãs.
A
fantasia do povo, ávido das distribuições de trigo nas grandes festas do circo,
imaginava situações inexistentes, gerando conceitos extra vagantes e absurdos,
com relação aos crentes do Evan gelho.
Por isso mesmo, desde o ano de 58,
os cristãos imbeles eram levados ao Circo como escravos revolucio nários ou
rebeldes, que deveriam desaparecer.
A opressão agravara -se dia a dia.
Os
romanos mais ou menos ilus tres, pelo nome ou pela situação financeira, que
simpatizavam com a doutrina do Cristo, continuavam indenes de públicos
vexames; mas os pobres, os operários, os fil hos da plebe, eram levados ao
martírio, às centenas.
Assim, os amigos do Evangelho não prepararam
nenhuma homenagem pública à chegada de Simão Pedro.
Ao invés,
procuraram dar ao fato um cunho todo íntimo, de ma neira a não despertar
represálias dos esbirros da situação.
Paulo de Tarso estendeu os braços ao velho amigo de Jerusalém, tomado
de alegria.
Simão trouxera a es posa e os filhos, além de João.
Sua palavra
generosa estava cheia de novidades para o Apóstolo do gentilismo.
Em poucos
minutos, ficou sabendo da morte de Tiago e das novas torturas infligidas pelo
Sinédrio à igreja de Jerusalém.
O velho pescador contava as últimas peripécias
da sua sorte, bem-humorado.
Comentava os tes temunhos mais pesados com
um sorriso nos lábios e intercalava toda a nar rativa de louvores a Deus.
Depois
de reportar-se às lutas que empenhara em muitas e repetidas peregrinações,
contava ao ex-rabino que se refugiara alguns dias em Éfeso, junto de João,
sendo acompanhado pelo filho de Zebedeu até Corinto, onde resolveram
demandar a capital do Império.
Paulo, por sua vez, relatou as tarefas recebidas
de Jesus, nos últimos anos, e era de ver-se o otimismo e a coragem desses
homens que, inflamados do espírito messiânico e amoroso do Mestre,
comentavam as desilusões e as dores d o mundo como láureas da vida.
Depois das suaves alegrias do reencontro, o grupo se encaminhou
discretamente para a casinha reservada a Simão Pedro e sua família.
O ex-pescador, sentindo a excelência da acolhida carinhosa, não
encontrava palavras para tradu zir os júbilos dalma.
Como Paulo quando
chegou a Pouzzoles, tinha a impressão de estar num mundo diferente daquele
em que vivera até então.
Com a sua chegada, recrudesceram os serviços apos tólicos: mas o
pregador do gentilismo não abandonou a idéia de ir à Espanha.
Alegando que
Pedro o substituiria com vantagem, deliberou embarcar no dia pre fixado, num
pequeno navio que se destinava à costa gau lesa.
Não valeram amistosos
protestos, nem mesmo a Insistência de Simão para que adiasse a viagem.
Acompanhado de Lucas, Timóteo e Demas, o velho advogado dos gentios
partiu ao amanhecer de um dia lindo, cheio de projetos generosos.
A missão visitou parte das Gálias, dirigindo -se ao território espanhol,
demorando-se mais na região de Tor tosa.
Em toda parte, a palavra e feitos do
Apóstolo ganhavam novos corações para o Cristo, multiplicando os serviços do
Evangelho e renovando as esperanças populares, à luz do Reino de Deus.
Em Roma, todavia, a situação prosseguia cada vez mais grave.
Com a
perversidade de Tigelino à frente da Prefeitura dos Pretorianos, acentuara -se o
terror entre os discípulos de Jesus.
Faltava somente um édito em que os
cidadãos romanos, simpatizantes do Evangelho, fossem condenados
publicamente, porque os libertos, os descendentes de outros pov os e os filhos
da plebe já enchiam as prisões.
317
Simão Pedro, como figura de relevo do movimento, não tinha descanso.
Não obstante a fadiga natural da senectude, procurava atender a todas as
necessidades emergentes.
Seu espírito poderoso sobrepunha -se a todas as
vicissitudes e desempenhava os mínimos deveres com devotamento máximo à
causa da Verdade.
Assistia os doentes, pregava nas catacumbas, percorria
longas distâncias, sempre animoso e satisfeito.
Os cristãos do mun do inteiro
jamais poderão esquecer aquela falange de abnegados que os precedeu nos
primeiros testemunhos da fé, afrontando situações dolorosas e injustas,
regando com sangue e lágrimas a sementeira do Cristo, abra çando-se
mutuamente confortados nas horas mais negras da história do Evangelho, nos
espetáculos hediondos do circo, nas preces de aflição que se elevavam dos
cemitérios abandonados.
Tigelino, grande inimigo dos prosélitos do Naza reno, buscava agravar a
situação por todos os meios ao alcance da sua autoridade odiosa e perversa.
O filho de Zebedeu preparava-se para regressar à Ásia, quando um grupo
de esbirros dos perseguidores o colheu em pregação carinhosa e inspirada, na
qual se despedia dos confrades de Roma, com exortações de to cante
reconhecimento a Jesus.
Apesar das atenciosas explicações, João foi preso e
esbordoado impiedosamente.
E, com ele, dezenas de irmãos foram
trancafiados nos cárceres imundos do Esquilino.
Pedro recebeu a notícia dolorosamente surpreendido.
Conhecia a extensão
dos trabalhos que aguardavam na Ásia o comp anheiro generoso e rogou ao
Senhor não o abandonasse, a fim de obter absolvição justa.
Como proceder
em tão difíceis circunstâncias? Recorreu às relações prestigiosas que a cidade
lhe oferecia.
Entretanto, seus afeiçoados eram igualmente pobres de influên cia
política nos gabinetes administrativos da época.
Os cristãos de posição
financeira mais destacada não ousavam enfrentar a onda avassaladora, de
perseguição e tirania.
O antigo chefe da igreja de Jerusalém não desanimou.
Precisava libertar o amigo, concorrendo, para isso, com todo o potencial de
energia, na esfera de suas possibilidades.
Compreendendo a timidez natural dos romanos simpatizantes do Cristo,
buscou reunir apressadamente uma assembléia de amigos íntimos, para
examinar o caso.
No meio dos debates alguém se lembrou de Paulo.
O Apóstolo dos gentios dispunha na capital do Império de grande número
de afeiçoados eminentes.
No caso da sua absolvição, a providência partira do
círculo dileto de Popéia Sabina.
Muitos militares colaboradores de Afrâ nius
Búrrus eram seus admiradores.
Acácio Domício, que dispunha de valiosos
empenhos junto dos pretorianos, era seu amigo dedicado e incondicional.
Ninguém melhor que o ex-tecelão de Tarso poderia incumbir -se da delicada
missão de salvar o prisioneiro.
Não se ria razoável pedir sua ajuda?
Comentava-se o caráter urgente da medida, mesmo porque, numerosos
cristãos morriam todos os dias na prisão do Esquilino, vítimas das queimaduras
de azeite fervente.
Tigelino e alguns comparsas da administração criminosa
distraíam-se com os suplícios das vítimas.
O azeite era lançado aos infelizes
no poste do martírio.
Outras vezes, os prisioneiros maniatados eram mergulha –
dos em grandes barris de água em ebulição.
O Prefeito dos Pretorianos exigia
que os correligionários assist issem ao suplício, para escarmento geral.
Os
encarcerados acompanhavam as tristes operações, banhados em pranto
silencioso.
Verificada a morte da vítima, um soldado se encarregava de lançar
318
as vísceras aos peixes famintos, nos tanques vastos das prisões od iosas.
Dada
a situação geral, apavorante, poder -se-ia contar com a intervenção de Paulo?
A Espanha ficava muito distante.
Era possível que a sua vinda não
aproveitasse ao caso pessoal de João.
Pedro, porém, considerou a
oportunidade do recurso e advertiu q ue seguiriam trabalhando a favor do filho
de Zebedeu.
Nada impedia, porém, de recorrer desde logo para o prestígio de
Paulo, ainda porque a situação piora va de instante a instante.
Aquele ano de
64 começara com terríveis perspectivas.
Não se podia dispens ar um homem
enérgico e resoluto à frente dos interesses da causa.
Dado este parecer do venerando Apóstolo de Jeru salém, a assembléia
concordou com a medida aventada.
Um irmão que se tornara devotado
cooperador de Paulo, em Roma, foi mandado à Espanha, com urgência.
Esse
emissário era Crescêncio, que saiu de Óstia, com enorme ansiedade, levando
a missiva de Simão.
O Apóstolo dos gentios, depois de muito peregrinar, demorava -se em
Tortosa, onde conseguira reunir grande número de colaboradores devotados a
Jesus.
Suas atividades apostólicas continuavam ativas, conquanto atenua das,
em virtude do cansaço físico.
O movimento das epístolas diminuira, mas não se
interrompera de todo Atendendo à necessidade das igrejas do Oriente, Timóteo
partira da Espanha para a Ásia, carregado de cartas e recomendações amigas.
Em torno do Apóstolo agrupa ra-se novo contingente de cooperadores
diligentes e sinceros.
Em todos os recantos, Paulo de Tarso ensinava o
trabalho e a renúncia, a paz da consciência e o culto do bem.
Quando planejava novas viagens na companhia de Lucas.
eis que surge
em Tortosa o mensageiro de Simão.
O ex-rabino lê a carta e resolve regressar à cidade imperial, imediatamente.
Através das linhas afetuosas do velho antigo, entreviu a gravidade dos
acontecimentos.
Além disso, João necessitava voltar à Ásia.
Não ignorava a
influência benéfica que ele exercia em Jeru salém.
Em Éfeso, onde a igreja se compunha de elementos judaicos e gentios, o
filho de Zebedeu fora sempre um vulto nobre e exemplar, indene de es pírito
sectarista.
Paulo de Tarso passou em revista as necessidades do serviço
evangélico entre as comunidades orientais, e con cluiu pela urgência do
regresso de João, deliberando in tervir no assunto sem perda de tempo.
Como de outras vezes, nada valeram as considerações dos amigos, no
tocante ao problema de sua saúde.
O homem enérgico e decidido, apesar dos
cabelos brancos, mantinha o mesmo ânimo resoluto, elevado e firme, que o
caracterizara na mocidade distante.
Favorecido pela grande movimentação de barcos, nos princípios de maio
de 64, não lhe foi difícil retornar ao porto de Óstia, junto dos companheiros.
Simão Pedro recebeu-o enternecido.
Em poucas horas o convertido de
Damasco conhecia a situação intole rável criada em Roma pela ação delituosa
de Tigelino.
João continuava encarcerado, apesar dos recursos leva dos aos
tribunais, O antigo pescador de Cafarnaum, em significativas confidências,
revelava ao companheiro que o coração lhe pressagiava novas dores e
testemunhos cruciantes.
Um sonho proféti co anunciava-lhe perseguições e
provas ásperas.
Numa das últimas noites, contem plara um quadro singular, em
que uma cruz de proporções gigantescas parecia envolver com sua sombra
toda a família dos discípulos do Senhor.
Paulo de Tarso ou viu-o, com
interesse, manifestando-se de inteiro acordo com os seus pressentimentos.
319
Apesar dos horizontes car regados, deliberaram uma ação conjunta para libertar
o filho de Zebedeu.
Corria o mês de junho.
O ex-rabino desdobrou-se em atividades intensas, procurou Acácio
Domicio, solicitando a sua intervenção e valimento.
Mais ainda: considerando
que as providências morosas poderiam redundar num fracasso, auxiliado por
amigos eminentes procurou avistar -se com numerosos áulicos da Corte
Imperial, chegando à presença de Popéia Sabina, a fim de rogar seus bons
ofícios, no caso do filho de Zebedeu.
A célebre favorita ouviu -lhe a confidência
com enorme surpresa.
Aquelas revelações de uma vida eterna, aquela
concepção da Divindade assus tavam-na.
Embora inimiga declarada dos
cristãos, dada a simpatia que mantinha pelo judaísmo, Popéia impres sionou-se
com a figura ascética do Apóstolo e com os argumentos de reforço ao seu
pedido.
Sem ocultar sua admiração, prometeu atendê -lo, apontando desde logo
as providências imediatas.
Paulo retirou-se esperançoso da absolvição do companheiro, porque
Sabina prometera libertá-lo dentro de três dias.
Voltando à comunidade, deu ciência aos irmãos da entrevista que tivera
com a favorita de Nero; mas, terminada a exposição, notou, algo surpres o, que
alguns companheiros reprovavam a sua iniciativa.
Pediu, então, que o
esclarecessem e justificassem quaisquer dúvidas.
Surgiram fracas
considerações que ele acolheu com a sua inesgotável serenidade.
Alegava-se que não era louvável dirigir -se a uma cortesã dissoluta, para
impetrar um favor.
Semelhante proceder afigurava -se de Éfeso a seguidores do
Cristo.
Popéia era mulher de vida notadamente dissoluta, banqueteava -se nas
orgias do Palatino, caracterizava-se por sua luxúria escandalosa.
Seria
razoável pedir-lhe proteção para os discípulos de Jesus?
Paulo de Tarso aceitou as mofinas argüições com beatífica paciência e
objetou, sensatamente:
— Respeito e acato a vossa opinião, mas, antes de tudo, considero
necessário libertar João.
Fosse eu o pri sioneiro e não haveria de julgar o caso
tão urgente e tão grave.
Estou velho, alquebrado, e, portanto, melhor me fora, e
mais útil quiçá, meditar na misericórdia de Jesus, através das grades do
cárcere.
Mas João está relativamente moço, é forte e dedicado; o Cr istianismo
da Ásia não pode dispensar -lhe a atividade construtiva, até que outros
trabalhadores sejam chamados à semeadura di vina.
Com referência às vossas
dúvidas, porém, cumpre-me aduzir um argumento que requer ponderação.
Por
que considerais imprópria uma solicitação a Popéia Sabina? Teríeis a mesma
idéia, se me dirigisse a Tigelino ou ao próprio imperador? Não serão eles
vítimas da mesma prostituição que estigmatiza as favoritas de sua Corte? Se
combinasse com um militar embriagado, do Pa latino, as providências
imprescindíveis à libertação do companheiro, talvez aplaudísseis meu gesto,
sem restrições.
Irmãos, é indispensável compreender que a der rocada moral da mulher,
quase sempre, vem da prostitui ção do homem.
Concordo em que Popéia não é
a figura mais conveniente ao feito, em virtude das inquietações da sua vida;
entretanto, é a providência que as circunstâncias indicaram e nós precisamos
libertar o devotado discípulo do Senhor.
Aliás, procurei valer -me de semelhantes
recursos, recordando a exor tação do Mestre, na qual recomenda ao
homem granjear amigos com as rique zas da iniqüidade (1).
Considero que
320
quaisquer relações com o Palatino constituem expressões da fortuna iníqua,
mas suponho útil mobilizar os que se conservam “mortos” no pecado para
algum ato de caridade e de fé, pelo qual se desliguem dos laços com o
passado delituoso, auxiliados pela intercessão de amigos fiéis.
A elucidação do Apóstolo espalhou grande calma em todo o recinto.
Em
poucas palavras, Paulo de Tarso fi zera ver, aos companheiros, transcendentes
conclusões de ordem espiritual.
A promessa não falhara.
Em três dias o filho de Zebedeu era restituído à
liberdade.
João estava abatidíssimo.
Os maus tratos, a contemplação dos
quadros
(1) Lucas.
Capítulo 16º, versículo 9.
— (Nota de Emmanuel.
)
terríveis do cárcere, a expectação angustiosa, haviam -lhe mergulhado o
espírito em perplexidades dolorosas.
Pedro regozijava-se, mas o ex-rabino, atento à tensão ambiente, sugeriu o
regresso do Apóstolo galileu à Ásia, sem perda de temp o.
A igreja de Éfeso
esperava-o.
Jerusalém devia contar com a sua colaboração desinte ressada e
amiga.
João não teve tempo para muitas considerações, porque Paulo, como
que possuído de amargos pressentimentos, foi ao porto de Óstia para
predispor o seu embarque, aproveitando um navio napolitano prestes a largar
para Mileto.
Colhido pelas providências e impossibilitado de resistir ao resoluto
ex-rabino, o filho de Zebedeu embarcou em fins de junho de 64, enquanto os
demais amigos permaneceriam em Roma para a boa batalha em prol do
Evangelho.
Quanto mais sombrios os horizontes, mais coeso se tornava o grupo dos
irmãos na fé, em Cristo Jesus.
Multiplicavam-se as reuniões nos cemitérios
distantes e abandonados.
Naqueles dias de sofrimentos, as prega ções
pareciam mais belas.
Paulo de Tarso e os cooperadores desdobravam -se em edificações
espirituais, quando a cidade foi sacudida, de súbito, por espantoso
acontecimento.
Na manhã de 16 de julho de 64 irrompeu violento incêndio nas
proximidades do Grande Circo, abrangendo toda a região do bairro localizado
entre o Célio e o Palatino.
O fogo começara em vastos armazéns repletos de
material inflamável e propagara-se com rapidez assombrosa.
Debalde foram
convocados os operários e homens do povo para atenuar -lhe a violência; em
vão a turba numerosa e compacta movimentou recursos para aliviar a situação.
As labaredas subiam sempre, alastrando -se com furor, deixando montões de
escombros e ruínas.
Roma inteira acudia a ver o sinistro espetáculo, já
empolgada pelas suas paixões ameaçadoras e terríveis.
O fogo, com
prodigiosa rapidez, deu volta ao Palatino e invadiu o Velabro.
O primeiro dia
findava-se com angustiosas perspectivas.
O firmamento cobria -se de fumo
espesso, iluminando-se grande parte das colinas com o clarão od ioso do
incêndio terrível.
As elegantes construções do Aventino e do Célio pareciam
árvores secas de floresta em chamas.
Acentuara-se a desolação das vítimas
da enorme catástrofe.
Tudo ardia nas adjacências do Fórum.
Começou o
êxodo com infinitas dificuldades.
As portas da cidade congestionavam-se de
pessoas tomadas de profundo terror.
Animais espavoridos corriam ao longo
das vias públicas, como acossados por perseguidores invisíveis.
Prédios
antigos, de sólida construção, ruiam com sinistro estrondo.
To dos os habitantes
321
de Roma desejavam distanciar -se da zona comburente.
Ninguém mais se atrevia a atacar a fogueira indômita.
O segundo dia
apresentou-se com o mesmo espetáculo inesquecível.
Os populares desistiram
de salvar alguma coisa; contentavam-se em poder enterrar os mortos sem
conta, encontrados nos locais de possível acesso.
Dezenas de pessoas
percorriam as ruas em gargalhadas de hor rível acento; a loucura generalizava –
se entre as criaturas mais impressionáveis.
Macas improvisadas conduziam
feridos sem destino certo.
Longas procissões invadiam os santuários para
salvar as suntuosas imagens dos deuses.
Milhares de mulheres
acompanhavam a figura impassível dos numes tutelares, em dolorosas
súplicas, fazendo votos de penosos sacrifícios, em vozes esten tóricas.
Homens
piedosos apanhavam, no remoinho das multidões estonteadas, as crianças
massacradas ou apenas feridas.
Toda a zona de acesso a Via Ápia, em
direção de Alba Longa, estava entupida de retirantes apressados e desiludidos.
Centenas de mães gritavam pelos filhinhos desaparecidos e, não raro,
tomavam-se providências, à pressa, para socorrer as que enlouque ciam.
A
população em peso desejava abandonar a cidade, ao mesmo tempo.
A
situação tornara-se perigosa.
A turba amotinada atacava as liteiras do s
patrícios.
Somente os cavaleiros desassombrados conseguiam romper a mole
humana, provocando novas blasfêmias e lamen tações.
O fogo já havia devorado, quase totalmente, os pala cetes nobres e
preciosos das Carinas e continuava des troçando os bairros romanos, entre os
vales e as colinas, onde a população era muito densa.
Durante uma semana,
dia e noite, lavrou o fogo destruidor, espalhando deso lações e ruínas.
Das
catorze circunscrições em que se dividia a metrópole imperial, apenas quatro
ficaram incólumes.
Três eram uma aluvião de escombros fumegan tes e as
outras sete conservavam tão-só alguns vestígios dos edifícios mais preciosos.
O imperador estava em Áncio (Antium), quando irrompeu a fogueira por ele
mesmo idealizada, pois a verdade é que, desejo so de edificar uma cidade nova
com os imensos recursos financeiros que chegavam das pro víncias tributárias,
projetara o incêndio famoso, assim vencendo a oposição do povo, que não
desejava a transferência dos santuários.
Além dessa medida de ordem urbaní stica, o filho de Agripina caracterizava –
se, em tudo, pela sua originalidade satânica.
Presumindo-se genial artista, não
passava de monstruoso histrião, assinalando a sua passagem pela vida pública
com crimes indeléveis e odiosos.
Não seria interessante apresentar ao mundo
uma Roma em chamas? Nenhum espetáculo, a seus olhos, seria ines quecível
como esse.
Depois das cinzas mortas, reedifi caria os bairros destruídos.
Seria
generoso para com as vítimas da imensa catástrofe.
Passaria à história do
Império como administrador magnânimo e amigo dos súditos sofredores.
Alimentando tais propósitos, combinou o atentado com os áulicos de sua
maior confiança e intimidade, ausentando -se da cidade para não despertar
suspeitas no espírito dos políticos mais honestos.
Entretanto, não pudera prever, ele próprio, a exten são da espantosa
calamidade.
O incêndio tomara pro porções indesejáveis.
Seus conselheiros
menos dignos não puderam pressentir a amplitude do desastre.
Arran cado, à
pressa, dos seus prazeres criminosos, o imperador chegou a tempo de
observar o último dia de fogo, verificando o caráter da medida odiosa.
Dirigindo-se a um dos pontos mais elevádos, contemplou o montão de ruínas e
sentiu a gravidade da situação.
O extermínio da propriedade particular atingira
322
proporções quase infinitas.
Não se pudera prever tão dolorosas conseqüências.
Reconhecendo a irritação justa do povo, Nero pro curou falar, em público,
esboçando algumas lágrimas na sua profunda capacidade de dissimulação.
Prometeu auxiliar a restauração das casas particulares, declarou que
compartilhava do sofrimento geral e que Roma.
se levan taria novamente sobre
os escombros fumegantes, mais imponente e mais bela.
Imensa multidão
ouvia-lhe a palavra, atenta aos seus mínimos gestos.
O imperador na sua
mímica teatral, assumia atitudes comovedoras.
Referia -se aos santuários
perdidos, debulhado em pranto.
Invocava a proteção dos deuses, a cada frase
de maior efeito.
A turba sensibilizara -se.
Jamais o César se mostrara tão
paternalmente comovido.
Não seri a razoável duvidar das suas promessas e
observações.
Em dado instante, a sua palavra vibrou mais patética e expres siva.
Comprometia-se, solenemente, com o povo, a punir inexoravelmente os
responsáveis.
Procuraria os incendiários, vingaria a desgraça roman a sem
piedade.
Rogava, mesmo, a todos os habitantes da cidade cooperassem com
ele, procurando e denunciando os culpados.
Nesse ínterim, quando o verbo imperial se tornara mais significativo, notou –
se que a massa popular se agi tava estranhamente.
Maioria esmagadora
irmanava-se, agora, num grito terrível:
—Cristãos às feras! Às feras!
O filho de Agripina encontrara a solução que pro curava.
Ele que procurava,
em vão, no espírito super-excitado, as novas vítimas das suas maquinações
execrandas, às quais pudesse atribuir a culpa dos sucessos lamentáveis, viu
no brado ameaçador da turba uma resposta às próprias cogitações sinistras.
Nero conhecia o ódio que o vulgo votava aos seguidores humildes do
Nazareno, Os discípulos do Evangelho mantinham -se alheios e superiores aos
costumes dissolutos e brutais da época.
Não freqüentavam os circos,
afastavam-se dos templos pagãos, não se prosternavam diante dos ídolos nem
aplaudiam as tradições políticas do Império.
Além disso, pregavam
ensinamentos estranhos e pare ciam aguardar um novo reino.
O grande histrião
do Palatino sentiu uma onda de alegria invadir -lhe os olhos míopes e
congestos.
A escolha do povo romano não poderia ser melhor.
Os cristãos
deviam ser mesmo os criminosos.
Sobre eles deveria cair o gládio vingad or.
Trocou um olhar inteligente com Tigelino, como a expri mir que haviam
apanhado, ao acaso, a solução imprevista e logo afirmou à massa enfurecida
que tomaria providências imediatas para reprimir os abusos e castigar os
culpados da catástrofe; finalment e, que o incêndio seria considerado crime de
lesa-majestade e sacrilégio, para que os castigos também fossem
excepcionais.
O povo aplaudia freneticamente, antegozando as sen sações do circo, com
esgares de feras e cânticos de martírio.
A nefanda acusação pesou sobre os discípulos de Jesus, como fardo
hediondo.
As primeiras prisões realizaram-se como flagelo maldito.
Numerosas
famílias refugiaram-se nos cemitérios e nos arredores da cidade meio
destruída, receosas dos algozes implacáveis.
Praticava -se toda a espécie de
abusos.
Jovens indefesas eram entregues, nos cárceres, ao instinto feroz de
soldados sem entranhas.
Anciães res peitáveis conduzidos à enxovia, sob
algemas e pancadas.
Os filhos arrancados do colo maternal, entre lágrimas e
323
apelos comovedores.
Tempestade sinistra caíra sobre os seguidores do
Crucificado, que se submetiam a puni ções injustas, de olhos postos no céu.
De nada valeram, para Nero, as ponderações dos patrícios ilustres, que
ainda cultivavam as tradições de prudência e honestidade.
Quantos se
aproximavam da autoridade imperial, com a valiosa contribuição de alvi tres
justos, eram declarados suspeitos, agravando a situação.
O filho de Agripina e seus áulicos imediatos deli beraram que se oferecesse
ao povo o primeiro espetáculo no pri ncípio de agosto de 64, como positiva
demonstração das providências oficiais, contra os supostos autores do nefando
atentado.
As demais vítimas, isto é, todos os prisioneiros que chegassem ao
cárcere, depois da festa inicial, serviriam de ornamento aos fu turos regozijos, à
medida que a cidade pudesse recompor -se com as novas construções em
perspectiva.
Para isso, determinara -se a reedificação imediata do Grande
Circo.
Antes de atender às próprias necessidades da Corte, o imperador dese –
java as simpatias do povo ignorante e sofredor, alimen tando o que pudesse
satisfazer seus estranhos caprichos.
A primeira carnificina, destinada a distrair o ânimo popular, foi levada a
efeito em jardins imensos, na parte que permanecera imune da destruição, por
entre orgias indecorosas, de que participaram a plebe e a grande fra ção do
patriciado que se entregara à dissolução e ao desregramento.
A festividade
prolongou-se por noites sucessivas, sob a claridade de esplêndida iluminação e
o ritmo harmonioso de numerosas orque stras, que inundavam o ar de melodias
enternecedoras.
Nos lagos artifi ciais deslizavam barcos graciosos,
artisticamente iluminados.
No seio da paisagem, favorecida pelas sombras da
noite, que as tochas poderosas não conseguiam afastar de todo, repastava -se
a devassidão em jogo franco.
Ao Lado das expressões festivas, enfileiravam -se
as do martírio dos pobres condenados.
Os cristãos eram entregues ao povo
para o castigo que ele julgasse mais justo.
Para isso, com intervalos regulares,
os jardins estavam cheios de cruzes, de postes, de açoites e numerosos
instrumentos outros de flagelação.
Havia guardas imperiais para auxi liarem as
atividades punitivas – Em fogueiras preparadas, encontravam-se água e azeite
fervente, bem como pontas de ferro em brasa, par a os que desejassem aplicálas.
Os gemidos e soluços dos desgraçados casavam -se ironicamente com as
notas harmoniosas dos alaúdes.
Uns expiravam entre lágrimas e preces, aos
apupos do povo; outros, entregavam-se estoicamente ao martírio,
contemplando o céu alto e estrelado.
A linguagem mais forte será pobre para traduzir as dores imensas da grei
cristã, naqueles dias angustiosos.
Não obstante os tormentos inenarráveis, os
seguidores fiéis de Jesus revelaram o poder da fé àquela so ciedade perversa e
decadente, afrontando as torturas que lhes cabiam.
Interrogados nos tribunais,
em momento tão trágico, declaravam abertamente sua confiança em Cristo
Jesus, aceitando os sofrimentos com humildade, por amor ao seu nome.
Aquele heroismo parecia acirrar, ainda mai s, os ânimos da multidão
animalizada.
Inventavam-se novos gêneros de suplício.
A perversidade apre sentava,
diariamente, números novos em sua venenosa facúndia.
Mas os cristãos
pareciam possuidos de energias diferentes das conhecidas nos campos de
batalhas sanguinolentas.
A paciência invencível, a fé poderosa, a capacidade
moral de resistência, assombravam os mais afoitos.
Não foram poucos os que
324
se entregaram ao sacrifício, cantando.
Muita vez, diante de tanta coragem, os
verdugos improvisados temeram o misterioso poder triunfante da morte.
Terminada a chacina de agosto, com grande entu siasmo popular, continuou
a perseguição sem tréguas, para que não faltasse o contingente de vítimas nos
espetáculos periódicos, oferecidos ao povo em regozijo pela recons trução da
cidade.
Diante das torturas e da carnificina, o coração de Paulo de Tarso sangrava
de dor.
A tormenta operava confusão em todos os setores.
Os cristãos do
Oriente, em sua maioria, trabalhavam por desertar do campo da luta, forçados
por circunstâncias imperiosas da vida par ticular.
O velho Apóstolo, entretanto,
unindo-se a Pedro, reprovava essa atitude.
À exceção de Lucas, todos os
cooperadores diretos, conhecidos desde a Ásia, haviam regressado.
O ex –
tecelão, todavia, fazendo causa comum com os d esamparados, fez questão de
assisti-los no transe inaudito.
As igrejas domésticas estavam silenciosas.
Fe –
chados os grandes salões alugados na Suburra para as pregações da doutrina.
Restava aos seguidores do Mes tre apenas um meio de se entreverem e se
reconfortarem na prece e nas lágrimas comuns: era as reuniões nas
catacumbas abandonadas.
E a verdade é que não poupa vam sacrifícios para
acorrer a esses lugares tristes e ermos.
Era nesses cemitérios esquecidos que
encontravam o conforto fraternal, para o momento trágico que os visitava.
Ali
oravam, comentavam as luminosas lições do Mestre e hauriam novas forças
para os testemunhos impendentes.
Amparando-se em Lucas, Paulo de Tarso enfrentava o frio da noite, as
sombras espessas, os caminhos ásperos.
Enquant o Simão Pedro cogitava de
atender a outros setores, o ex -rabino encaminhava-se aos antigos sepulcros,
levando aos irmãos aflitos a inspiração do Mestre Divino, que lhe borbulhava
na alma ardente.
Muitas vezes as pregações se realizavam alta madrugada,
quando soberano silêncio dominava a Natureza.
Centenas de dis cípulos
escutavam a palavra luminosa do velho Apóstolo dos gentios, experimentando
o poderoso influxo da sua fé.
Nesses recintos sagrados, o convertido de
Damasco associava-se aos cânticos que se misturavam de prantos dolorosos.
O espírito santificado de Jesus, nesses momentos, parecia pairar na fronte
daqueles mártires anônimos, infundindo-lhes esperanças divinas.
Dois meses haviam decorrido, após a festa hedionda, e o movimento das
prisões aumentava dia a dia.
Esperavam-se grandes comemorações.
Alguns
edifícios nobres do Palatino, reconstruídos em linhas sóbrias e elegantes,
reclamavam homenagens dos poderes públicos.
As obras de reedificação do
Grande Circo estavam adiantadíssimas.
Era impresci ndível programar festejos
condignos.
Para esse fim, os cárceres estavam repletos.
Não faltariam figurantes para as cenas trágicas.
Projetavam -se naumaquias
pitorescas, bem como caçadas humanas no circo, em cuja arena
seriam igualmente representadas peças famosas de sabor mitológico.
Os cristãos oravam, sofriam, esperavam.
Certa noite, Paulo dirigia aos irmãos a palavra afe tuosa, no comentário do
Evangelho de Jesus.
Seus con ceitos pareciam, mais que nunca, divinamente
inspirados.
As brisas da madrugada pe netravam a caverna mortuária, que se
iluminava de algumas tochas bruxuleantes.
O recinto estava repleto de
mulheres e criança , ao lado de muitos homens embuçados.
Depois da pregação comovedora, ouvida por todos, com os olhos molhados
de lágrimas, o ex-tecelão de Tarso perolava solícito:
325
— Sim, irmãos, Deus é mais belo nos dias trágicos.
Quando as sombras
ameaçam o caminho, a luz é mais preciosa e mais pura.
Nestes dias de
sofrimento e morte, quando a mentira destronou a verdade e a virtude foi
substituida pelo crime, lembremos Jesus no madeiro in famante.
A cruz tem,
para nós outros, uma divina men sagem.
Não desdenhemos o testemunho
sagrado, quando o Mestre, não obstante imáculo, só alcançou neste mundo
batalhas silenciosas e sofrimentos indefiníveis.
For taleçamo-nos na idéia de
que seu reino ainda não é deste mundo.
Alcemos o espírito à esfera do seu
amor imortal.
A cidade dos cristãos não está na Terra; ela não poderia ser a
Jerusalém que crucificou o Enviado Divino, nem a Roma que se comprás em
derramar o sangue dos mártires.
Neste mundo, estamos em uma frente de
combate incruento, trabalhando pelo triunfo eterno da paz do Senhor.
Não
esperemos, portanto, repousar no lugar do trabalho e dos testemunhos vivos.
Da cidade indestrutível da nossa fé, Jesus nos contempla e balsamiza o
coração.
Caminhemos ao seu encontro, através dos su plícios e das
perplexidades dolorosas.
Ele ascendeu ao Pai, do cimo do Calvário; nós lhe
seguiremos as pegadas, aceitando com humildade os sofrimentos que, por seu
amor, nos forem reservados.
.
.
O auditório parecia extático, ouvindo as palavras proféticas do Apóstolo.
Entre as lajes frias e impassíveis, os irmãos na fé sentiam-se mais unidos entre
si.
Em todos os olhares cintilava a certeza da vitória espi ritual.
Naquelas
expressões de dor e de esperança havia o tácito compromisso de seguir o
Crucificado até ao seu Reino de Luz.
O orador fizera uma pausa, sentindo -se dominado por estranhas
comoções.
Nesse instante inesquecível, um magote de guardas rompeu afoito no
recinto.
O centurião Volúmnio, à testa da patrulha armada, fazia íntimações em
alta voz, enquanto os crentes pacíficos estarreciam surpresos.
—Em nome de César! — bradava o preposto imperial, exultando de
contentamento.
E ordenando aos soldados que fechassem o círcu lo em torno
dos cristãos indefesos, continuava gritando de modo espetacular.
— E que
ninguém fuja! Quem o tentar, morre como um cão!
Apoiando-se a forte cajado, pois, nessa noite não tivera a companhia de
Lucas, Paulo, erecto, evidenciando sua energia mora l, exclamou firmemente:
—E quem vos disse que fugiríamos? Ignorais, por ventura, que os cristãos
conhecem o Mestre a quem servem? Sois emissário de um príncipe do mundo,
que estes sepulcros esperam; mas nós somos trabalhadores do Salvador
magnânimo e imortal!.
.
.
Volúmnio fitou-o surpreso.
Quem seria aquele velho, cheio de energia e
combatividade?
Apesar da admiração que lhe inspirava, o centurião manifestou seu
desagrado num sorriso de ironia.
Medindo o ex -rabino de alto a baixo, com
olhar de profundo desprezo, acrescentou:
—Atentem bem no que aqui dizem e fazem.
.
.
E depois de uma gargalhada, dirigiu -se a Paulo com insolência:
—Como ousas afrontar a autoridade de Augusto? Devem existir, de fato,
diferenças singulares entre o imperador e o crucificado de J erusalém.
Não sei
onde estaria seu poder de salvação para deixar suas vítimas ao abandono, no
fundo dos cárceres ou nos postes do martírio.
.
.
Essas palavras eram pontilhadas de mordaz ironia, mas o Apóstolo
326
respondeu com a mesma nobreza de Convicção:
—Enganai-vos, centurião! As diferenças são apre ciáveis!.
.
É que vós
obedeceis a um infeliz e odiento perseguidor e nós trabalhamos por um
salvador que ama e perdoa.
Os administradores romanos, impensadamente,
poderão inventar crueldades; mas Jesus nunca cessa rá de nutrir a fonte das
bênçãos!.
.
A resposta produzira grande sensação no auditório.
Os cristãos pareciam
mais calmos e confiantes, os sol dados não ocultavam a enorme impressão que
os dominava.
O centurião, embora reconhecendo o desassombro daquele
espírito varonil, não queria parecer fraco aos olhos dos subalternos e exclamou
irritado:
—Vamos, Lucílio: três bastonadas neste velho atre vido.
O nomeado avançou para o Apóstolo, impassível.
Ante a admiração
silenciosa dos presentes, o bastão zuniu no ar, bateu em cheio no rosto do
Apóstolo que, nem por isso, se alterou.
As três pancadas foram rápi das; no
entanto, um filete de sangue lhe escorria da face dilacerada.
O ex-rabino, a quem haviam tomado o cajado de apoio, mantinha -se de pé
com certa dificuldade, mas sem trair o bom ânimo que lhe caracterizava a alma
enérgica.
Fixou os verdugos com firmeza e sentenciou:
—Não podeis ferir senão o corpo.
Podereis amar rar-me de pés e mãos;
quebrar-me a cabeça, mas as minhas convicções são intangíveis, inacessíve is
aos vossos processos de perseguição.
Diante de tanta serenidade, Volúmnio quase recuou aterrado.
Não podia
compreender aquela energia moral que se lhe deparava aos olhos cheios de
espanto.
Começava a acreditar que os cristãos, desprotegidos e anô nimos,
retinham um poder que a sua inteligência não lograva atingir.
Impressionando –
se com semelhante resistência, organizou, à pressa, as filas dos pobres
perseguidos, que, humildes, obedeciam sem vacilar.
O velho Apóstolo tarsense
tomou lugar entre os prisioneiros sem trair o mínimo gesto de enfado ou
rebeldia.
Observando atentamente a conduta dos guardas, exclamou, quando se
deslocava o bloco de vítimas e verdugos, ao primeiro contacto com o relento
frio da madrugada:
—Exigimos o máximo respeito para com as mulheres e crianças!.
.
–
Ninguém ousou responder à observação, articulada em tom grave de
advertência.
O próprio Volúmnio parecia obedecer inconscientemente às
admoestações daquele homem de fé poderosa e invencível.
O grupo marchou em silêncio, atravessa ndo as estradas desertas,
chegando à Prisão Mamertina quando listravam o horizonte os primeiros
clarões da aurora.
Atirados, previamente, num pátio escuro, até serem alojados
individualmente nas divisões gradeadas e in fectas, os discípulos do Senhor
aproveitaram esses rápidos momentos para conforto mútuo, para trocarem
idéias e conselhos edificantes.
Paulo de Tarso, todavia, não descansou.
Solicitou audiência ao
administrador da prisão, prerrogativa con ferida ao seu titulo de cidadania
romana, sendo prestes atendido.
Expôs sua doutrina sem rebuços e, impres –
sionando a autoridade com seu verbo fluente e sedutor, encareceu as
providências atinentes ao seu caso, pedindo a presença de vários amigos
como Acácio Domício e outros, para deporem no concernente à sua conduta e
327
antecedentes honestos.
O administrador vacilava na reso lução a tomar.
Tinha
ordens terminantes de recolher ao cárcere todos os componentes de
assembléias que se filiassem à crença perseguida e execrada.
No entanto, as
determinações de ordem superior continham certas restrições, no sentido de
preservar, de algum modo, os “humiliores” (1), aos quais a Corte oferecia
recursos de liberdade, caso prestassem juramento a Júpiter, abju rando o Cristo
Jesus.
Examinando os títulos de Paulo e conhecen do, através de seus informes
verbais, as prestigiosas relações de que podia dispor nos círculos roma nos, o
chefe da Prisão Mamertina resolveu consultar Acácio Domício, sobre as
providências cabíveis no caso.
Chamado ao estudo da questão, o amigo do Apósto lo compareceu solícito,
procurando falar com o prisioneiro, depois de longa entrevista com o diretor da
prisão.
Domício explicou ao benfeitor que a situação era muito grave; que o
Prefeito dos Pretorianos estava in vestido de plenos poderes para dirigir a
campanha como melhor entendesse; que toda a prudência era indispen sável e
que, como último recurso, só restava um apelo à magnanimidade do
imperador, perante quem o Apóstolo devia comparecer para defender -se
pessoalmente, caso fosse deferida a petição apr esentada a César naquele
mesmo dia.
(1) Humiliores eram as pessoas de condição humilde sem qualquer titulo
de dignidade social.
— (Nota de Emmanuel.
)
Ouvindo essas ponderações, o ex -rabino recordou que uma noite, em
meio à tempestade, entre a Grécia e a Ilha de Malta, ouvira a voz profética de
um mensageiro de Jesus, que lhe anunciava o comparecimento perante César,
sem esclarecer os motivos do evento.
Não seria aquele o momento previsto?
Milhares de irmãos estavam presos ou em extrema desolação.
Acusados de incendiários, não haviam encontrado uma voz firme e
resoluta que lhes advogasse a causa com o preciso desas sombro.
Percebia
em Acácio a preocupação pela sua liberdade; mas, por trás das insinuações
delicadas, havia um convite discreto para que ocult asse a sua fé perante o
imperador, na hipótese de ser admitido à real entre vista.
Compreendia os receios do amigo, mas, íntimamente, desejava alcançar
a audiência de Nero, a fim de esclarecê -lo quanto aos sublimes princípios do
Cristianismo.
Constituir-se-ia advogado dos irmãos perseguidos e desditosos.
Afrontaria de face a tirania ovante, clama ria pela retificação do seu ato injusto.
Se fosse novamente preso, voltaria ao cárcere com a consciência edifi cada no
cumprimento de um sagrado dever.
Depois de rápida meditação sobre a conveniência do recurso que lhe
parecia providencial, insistiu com Domício para que o patrocinasse com os
empenhos ao seu alcance.
O amigo do Apóstolo multiplicou atividades pessoais para alcançar os fins
em vista.
Valendo-se do prestígio de todos os que viviam em condições de
subalternidade junto do imperador, conseguiu a desejada audiência para que
Paulo de Tarso se defendesse, como convinha, no apelo direto à autoridade de
Augusto.
328
No dia aprazado, foi conduzido entre guardas, à presença de Nero, que o
recebeu curioso num vasto salão onde costumava reunir os favoritos ociosos
da sua Corte criminosa e excêntrica.
Interessava -lhe a personalidade do exrabino.
Queria conhecer o homem que mobilizara grande número de seus
íntimos para apoiar-lhe o recurso.
A presença do Apóstolo dos gentios causou –
lhe enorme decepção.
Que valor poderia ter aquele velho insignifi cante e
franzino? Ao lado de Tigelino e de outros conselheiros perversos, fixou
ironicamente a figura de Paulo.
Era incrív el tamanho interesse em torno de
uma criatura tão vulgar.
Quando se dispunha a recambiá -lo à prisão sem lhe
ouvir o apelo, um dos áulicos lembrou que seria conveniente facultar -lhe a
palavra, para que se lhe aferisse a indigência mental.
Nero, que jamais perdia
ocasião de ostentar suas presunções artísticas, considerou o alvitre bem
apresentado e ordenou ao prisioneiro que falasse à vontade.
Ladeado por dois guardas, o inspirado pregador do Evangelho levantou a
fronte cheia de nobreza, fitou César e os companheiros do seu séquito leviano
e começou, resoluto:
— Imperador dos romanos, compreendo a grandeza desta hora em que
vos falo, apelando para os vossos sentimentos de generosidade e justiça.
Não
me dirijo, aqui, a um homem falível, a uma personalidade h umana,
simplesmente, mas ao administrador que deve ser consciencioso e justo, ao
maior dos príncipes do mundo e que, antes de tomar o cetro e a coroa de um
Império imenso, deve considerar -se o pai magnânimo de milhões de criaturas!.
As palavras do velho Apóstolo ecoavam no recinto com o caráter de uma
profunda revelação.
O imperador fixava -o, admirado e enternecido.
Seu
temperamento caprichoso era sensível às referências pessoais, onde pre –
dominassem as imagens brilhantes.
Percebendo que se impunha ao redu zido
auditório, o convertido de Damasco prosseguiu mais corajoso:
—Confiando em vossa longanimidade, pleiteei esta hora inesquecível, a
fim de apelar para o vosso coração, não somente por mim, mas por milhares
de homens, mulheres e crianças, que padecem nos cárceres ou sucumbem
nos circos do martírio.
Falo, aqui, em nome dessa multidão incontável de
sofredores, perseguida com requintes de crueldade por favoritos de vossa
Corte, que deveria ser constituída de homens íntegros e humanitá rios.
Acaso não chegarão aos vossos ouvidos os lamentos angustiosos da
viuvez, da velhice e da orfandade? Oh! Augusto imperante do trono de Cláudio,
sabei que uma onda de perversidade e de crimes odiosos varre os bairros da
cidade imperial, arrancando soluços dolorosos aos vossos tutelados
miserandos! Ao lado da vossa atividade governamental, por certo, rastejam
víboras venenosas que é necessário extirpar, a bem da tranqüilidade e do
trabalho honesto do vosso povo.
Esses cooperadores per versos desviam
vossos esforços do caminho reto, espalham terror entre as classes
desfavorecidas da sorte, ameaçam os mais infelizes! São eles os acusadores
dos prosélitos de uma doutrina de amor e redenção.
Não acrediteis no embuste
dos seus conselhos que ressumam crueldade.
Ninguém trabalho u, talvez,
quanto os cristãos, no socorro às vítimas do incêndio voraginoso.
Enquanto os
patrícios ilustres fugiam de Roma desolada, enquanto os mais timidos se
recolhiam aos lugares mais abrigados de perigo, os discípulos de Jesus
percorriam os quarteirões em chamas, aliviando as vítimas infor tunadas.
Alguns imolaram a vida ao altruísmo dignifi cador.
E por fim, vede, os trabalhadores sinceros do Cristo foram recompensados
329
com a pecha de autores do crime hediondo, de caluniadores sem entranhas.
Acaso não vos doeu a consciência ao endossardes tão infames alegações, à
revelia de uma sindicância imparcial e rigorosa? No esfervilhar das calúnias,
não vi surgir uma voz que vos esclarecesse.
Admito que participais, certa –
mente, de tão trágicas ilusões, porque n ão creio no desvirtuamento da vossa
autoridade reservada às melhores resoluções em favor do Império.
Ë por isso
— 6 imperador dos romanos! — que, reconhecendo o grandioso poder
enfeixado em vossas mãos, ouso levantar minha voz para esclarecer -vos.
Atentai para a extensão gloriosa de vossos deveres.
Não vos entregueis à
sanha de políticos inconscientes e cruéis.
Lembrai -vos de que, numa vida mais
elevada que esta, ser-vos-ão pedidas contas de vossa conduta nos atos
públicos.
Não alimenteis a pretensão de que vosso cetro seja eterno.
Sois
mandatário de um Senhor poderoso, que reside nos Céus.
Para vos
convencerdes da singularidade de semelhante situação, volvei um olhar,
apenas, ao passado brumoso.
Onde os vossos antecessores? Em vossos
palácios faustosos perambularam guerreiros triunfantes, reis improvisados,
herdeiros vaidosos de suas tradições.
Onde estão eles? A História nos conta
que chegaram ao trono com os aplau sos delirantes das multidões.
Vinham
soberbos, ostentando magnificências nos carros do t riunfo, decretando a morte
dos inimigos, adornando-se com os despojos sangrentos das vítimas.
Entretanto, bastou um sopro para que resvalassem do esplendor do trono para
a escuridão do sepulcro.
Uns partiram pelas conseqüências fatais dos próprios
excessos destruidores; outros assassinados pelos filhos da revolta e do
desespero.
Recordando semelhante situação, não desejo transformar o culto
da vida em culto da morte, mas demonstrar que a fortuna suprema do homem
é a paz da consciência pelo dever cumprido.
Por todas essas razões, apelo para a vossa magnanimi dade, não só por
mim como por todos os correligionários que gemem à sombra dos cárceres,
esperando o gládio da morte.
Observando-se longa pausa no verbo eloqüente do orador, podia ver -se a
estranha sensação que a sua palavra havia causado.
Nero estava lívido.
Tigelino, profundamente irritado, procurava um recurso para insi nuar-se com
alguma observação menos digna, a respeito do postulante.
As raras cortesãs
presentes não disfarçavam a indizível comoção que lhes abalara o sistema
nervoso.
Os amigos do Prefeito dos Pretorianos mostra vam-se indignados,
rubros de cólera.
Depois de ouvir um áulico, o imperador ordenou que o
apelante se conservasse em silêncio, até que tomasse as primeiras deli –
berações.
Estavam todos surpreendidos.
Não se podia esperar de um velho franzino
e doente tamanho poder de per suasão, um desassombro que raiava pela
loucura, segundo as noções do patriciado.
Por muito menos, velhos e pro bos
conselheiros da Corte haviam alcançado o exílio ou a sentença de morte.
O filho de Agripina parecia abalado.
Não mais assentava no olho a
impertinente esmeralda, à guisa de monóculo.
Tinha a impressão de haver
escutado sinistros vaticínios.
Entregava-se, automaticamente, aos seus ges tos característicos, quando
impressionado e nervoso.
As advertências do Apóstolo penetravam -lhe o
coração, suas palavras pareciam ecoar -lhe nos ouvidos para sempre.
Tigelino
percebeu a delicadeza da situação e aproximou-se.
—Divino — exclamou o Prefeito dos Pretoria nos em atitude servil, a voz
330
quase imperceptível —, se quiserdes, o atrevido poderá morrer aqui mesmo,
ainda hoje!
—Não, não — redargüiu Nero comovido —, este homem é dos mais
perigosos que tenho encontrado.
Ninguém, como ele, ousou comentar a
presente situação nestes termos.
Vejo, por detrás da sua palavra, muitos vultos talvez eminentes, que,
conjugando valores, poderiam fazer-me grande mal.
—Concordo — disse o outro hesitante, em voz muito baixa.
—Assim, pois — continuou o imperador pruden temente —, é preciso
parecer magnânimo e sagaz.
Dar -lhe-ei o perdão, por agora, recomendando
que não se afaste da cidade, até que se esclareça de todo a situação dos
seguidores do Cristianismo.
.
Tigelino escutava com um sorriso ansioso, enquanto o filho de Agripina
rematava em voz sumida:
—Mas vigiarás seus menores passos, mantê -lo-ás em custódia oculta, e
quando vier a festividade da re construção do Grande Circo, aproveitaremos a
oportunidade para despachá-lo a lugar distante, onde deverá desaparecer para
sempre.
O odioso Prefeito sorriu e acentuou:
—Ninguém resolveria melhor o intrincado pro blema.
Terminada a breve conversação, imperceptível aos demais, Nero declarou,
com enorme surpresa dos palacia nos, conceder ao apelante a liberdade que
pleiteava em sua primeira defesa, mas reservava o ato de absolvição para
quando se apurasse definitivamente a responsabi lidade dos cristãos.
Dessarte,
o defensor do Cristianismo poderia permanecer em Roma, à vontade,
submetendo-se, contudo, ao compromisso de não se ausentar da sede do
Império, até que seu caso pessoal fosse bastantemente esclarecido, O Prefeito
dos Pretorianos lavrou a sentença em pergaminho.
Paulo de Tarso, por sua
vez, estava confortado e radiante.
O caviloso monarca pareceu-lhe menos mau, digno de amizad e e
reconhecimento.
Sentia-se possuído de grande alegria, por isso que os
resultados da sua primeira defesa eram de molde a pro porcionar nova
esperança aos seus irmãos na fé.
Paulo retornou ao cárcere, ficando o administrador notificado das últimas
disposições a seu respeito.
Só então lhe deram liberdade.
Assaz esperançado, procurou os amigos; mas, por toda parte, só
encontrava desoladoras notícias.
A maio ria dos colaboradores mais íntimos e
prestimosos haviam desaparecido, presos ou mortos.
Muitos haviam debandado,
temerosos do extremo sacrifício.
Por fim, sempre teve a satisfação de
reencontrar Lucas.
O piedoso médico informou -o dos acontecimentos
dolorosos e trágicos que se repetiam, diariamente.
Ignorando que um guarda o
seguia de longe, para lhe situar a nova residência, Paulo, acompanhado do
amigo, atingiu uma casa pobre nas proximidades da Porta Capena.
Necessitando repousar e fortalecer o corpo debilitado, o velho pregador pro –
curou dois generosos irmãos, que o receberam com imensa alegria.
Trata -se
de Lino e Cláudia, dedicados servido res de Jesus.
O Apóstolo dos gentios instalou -se no lar pobre, com a obrigação de
comparecer à Prisão Mamertina, de três em três dias, até que se aclarasse a
situação, de modo definitivo.
Não obstante o consolo de que se sentia possuído, o venerável amigo do
331
gentilismo experimentava singulares presságios.
Surpreendia-se a refletir no
coroamento da carreira apostólica como se nada mais lhe restasse senão
morrer por Jesus.
Combatia tais pensamentos, no propósito de cont inuar
propugnando pela difusão dos ensinamentos evangélicos.
Não mais pôde
encaminhar-se à pregação das catacumbas, dada a prostração física, mas,
valia-se da colaboração afetuosa e dedicada de Lucas para as epístolas que
julgava necessárias.
Nessas, inclu i-se a derradeira carta que escreveu a
Timóteo, aproveitando dois amigos que partiam para a Ásia.
Paulo escreve
esse último documento ao discípulo muito amado, tomando -se de singulares
emoções que lhe enchem os olhos de lágrimas abundantes.
Sua alma
generosa deseja confiar ao filho de Eunice as últimas disposições, mas luta
consigo mesmo, de modo a não se dar por vencido.
O ex-rabino, ao traçar conceitos afetuosos, sente -se qual
discípulo chamado a esferas mais altas, sem poder fur tar-se à condição de
homem que não deseja capitular na luta.
Ao mesmo tempo que confia a
Timóteo a convicção de haver terminado a carreira, pede -lhe que envie a
ampla capa de couro deixada em Trôade, em casa de Carpo, visto necessitar
de agasalho para o corpo abatido.
Enquanto lhe envia as últimas impressões
cheias de prudência e carinho, roga os seus bons ofícios para que João
Marcos venha à sede do Império, a fim de auxiliá -lo no serviço apostólico.
Quando a mão trêmula e rugosa escreve melancolicamente:
— “Só Lucas está comigo” (1), o convertido de Damasco interrompe -se
para chorar sobre os pergaminhos.
Nesse instante, porém, sente afagar -lhe a
fronte um como flabelo de asas que adejassem de leve.
Brando conforto lhe
invade o coração amoroso e intrépido.
Nesse po nto da carta, recobra novo
ânimo e volta a demonstrar decisão de luta, terminando com as
recomendações atinentes às necessidades da vida material e aos seus labores
evangélicos.
Paulo de Tarso, entretanto, entrega a missiva a Lucas para expedi -la, sem
conseguir disfarçar os seus lúgubres pressentimentos.
Em vão, o carinhoso
médico e devotado amigo procura desfazer aquelas apreensões.
Debalde Lino
e Cláudia tentam distrai-lo.
Embora não abandonasse os trabalhos condizentes com a nova situação,
o velho Apóstolo mergulhou-se em profundas meditações, das quais apenas se
forrava para atender às necessidades triviais.
Efetivamente, decorridas algumas semanas após a carta a Timóteo, um
grupo armado visitou a residência
(1) 2ª Epístola a Timóteo.
Capítulo 4º, versí culo 11.
— (Nota de
Emmanuel)
de Lino, depois de meia-noite, na véspera das grandes festividades com que a
administração pública desejava assinalar a reconstrução do Grande Circo, O
dono da casa, a esposa e Paulo de Tarso foram presos, escapando Lucas pe lo
fato de pernoitar em outra parte.
As três vítimas foram conduzidas a um
cárcere do monte Esquilino, dando provas de poderosa fé em face do martírio
que começava.
O Apóstolo foi atirado a uma cela escura e incomu nicável, Os próprios
soldados se intimidavam da sua coragem.
Ao despedir -se de Lino e sua
mulher, enquanto esta se desfazia em lágrimas, o valoroso pregador abraçava –
332
os dizendo:
— Tenhamos coragem.
Esta deve ser a última vez em que nos saudamos
com os olhos materiais; mas havemos de avistar-nos no reino do Cristo.
O
poder tirânico de César não atinge senão o corpo miserável.
.
.
Em virtude de ordem expressa de Tigelino, o pri sioneiro ficou insulado de
todos os companheiros.
Na escuridão do cárcere, que mais se assemelhava a uma cova úmida, deu
um balanço retrospectivo em todas as atividades de sua vida, entregando -se a
Jesus, inteiramente confiado na sua divina misericórdia.
Desejou sinceramente
permanecer junto dos irmãos que, por certo, se destinavam aos espetáculos
nefandos do dia imediato, esperando com eles comungar a hóstia dos
martírios, quando chegasse a hora extrema.
Não pôde dormir, a considerar as horas transcor ridas desde o momento da
prisão, e concluiu que o dia do sacrifício estaria iminente.
Nem uma réstia de
Luz penetrava o cubículo infecto e acanhado.
Percebia, somente, vagos
rumores longínquos, que Lhe davam idéia da aglomeração popular nas vias
públicas.
As horas passaram em expectativas que pareciam intermináveis.
De –
pois de angustioso cansaço, conseguiu algumas horas de sono .
Acordou, mais
tarde, já incapacitado de calcular as horas decorridas.
Tinha sede e fome, mas
orou com fervor, sentindo que fluíam brandas consolações para sua alma, das
fontes da providência invisível.
No fundo, es tava preocupado com a situação
dos companheiros.
Um guarda o informara de que enorme contingente de cris –
tãos seria levado ao circo e ele sofria por não ter sido chamado a perecer com
os irmãos, na arena do martírio, por amor a Jesus.
Mergulhado nessas
reflexões, não tardou a sentir que alguém abria, cautelosamente, a porta da
enxovia.
Conduzido ao exterior, o ex -rabino defrontou seis homens armados
que o aguardavam junto de um veículo de regulares proporções.
Ao longe, no
horizonte pontilhado de estrelas, delineavam-se os tons maravilhosos da
madrugada próxima.
O Apóstolo, silencioso, obedeceu à escolta.
Ataram -lhe as mãos calejadas,
brutalmente, com grosseiras cor das.
Um vigilante noturno, visivelmente
embriagado, aproximou-Se e escarrou-lhe na face.
O ex-rabino recordou os
sofrimentos de Jesus e recebeu o insulto sem revelar o mínimo gesto de amor –
próprio ofendido.
Mais uma ordem, tomou lugar no veículo, junto dos seis homens armados
que o observavam, admirados de tanta serenidade e coragem.
Os cavalos trotaram lépidos como se quisessem ate nuar a friagem úmida
da manhã.
Chegados aos cemitérios que se enfileiravam ao longo da Via Apia, as
sombras noturnas se desfaziam quase completamente, auspiciando um dia de
sol radioso.
O militar que chefiava a escolta mandou parar o carro e, fazendo desce r o
prisioneiro, disse-lhe hesitante:
—O Prefeito dos Pretorianos, por sentença de César, ordenou que fosseis
sacrificado no dia imediato ao da morte dos cristãos votados às comemorações
do circo, realizadas ontem.
Deveis saber, portanto, que estais viven do os
últimos minutos.
Calmo, olhos brilhantes e mãos amarradas, Paulo de Tarso, mudo até
então, exclamou, surpreendendo os verdugos com a sua majestosa
serenidade:
333
— Ciente da tarefa criminosa que vos incumbe de sempenhar .
.
Os
discípulos de Jesus não temem os algozes que só lhes podem aniquilar o
corpo.
Não julgueis que vossa espada possa eliminar -me a vida, de vez que,
vivendo estes fugazes minutos em corpo carnal, isso significa que vou
penetrar, sem mais demora, nos tabernáculos da vida eterna, com o meu
Senhor Jesus-Cristo, o mesmo que vos tomará contas, tanto quanto a Nero e
Tigelino .
.
.
.
A patrulha sinistra estarrecia de assombro.
Aquela energia moral, no
momento supremo, era de molde a abalar os mais fortes.
Percebendo a
surpresa geral e cioso do seu mandato, o chefe da escolta tomou a iniciativa do
sacrifício.
Os demais companheiros pareciam desorientados, nervosos,
trêmulos.
O inflexível preposto de Tigelino, porém, ordenou ao prisioneiro que
desse vinte passos à frente.
Paulo de Tarso caminhou s erena-mente, embora,
no íntimo, se recomendasse a Jesus, compreendendo a necessidade de
amparo espiritual para o testemunho supremo.
Ao chegar no local indicado, o sequaz de Tigelino desembainhou a espada,
mas, nesse instante, tremeu-lhe a mão, fixando a vítima, e falou-lhe em tom
quase imperceptível:
—Lastimo ter sido designado para este feito e íntimamente não posso
deixar de lamentar-vos.
.
.
Paulo de Tarso, erguendo a fronte quanto lhe era possível, respondeu sem
hesitar:
—Não sou digno de lástima.
Tende antes compaixão de vós mesmo,
porqüanto morro cumprindo deveres sagrados, em função de vida eterna;
enquanto que vós ainda não podeis fugir às obrigações grosseiras da vida
transitória.
Chorai por vós, sim, porque eu partirei buscando o Senhor da Paz e
da Verdade, que dá vida ao mundo; ao passo que vós, terminada vossa tarefa
de sangue, tereis de voltar à hedionda convivência dos man dantes de crimes
tenebrosos da vossa época!.
.
.
O algoz continuava a fitá-lo com assombro e Paulo, notando a tremura com
que ele empunhava a espada, concitou resoluto:
—Não tremais!.
.
.
Cumpri vosso dever até ao fim! Um golpe violento fendeu –
lhe a garganta, seccionando quase inteiramente a velha cabeça que se nevara
aos sofrimentos do mundo.
Paulo de Tarso caiu redondamente , sem articular uma palavra.
O corpo
alquebrado embolou-se no solo, como um despojo horrendo e inútil.
O sangue
jorrava em golfões nas últimas contrações da agonia rápida, enquanto a
expedição regressava penosamente, muda, dentro da luz matinal e triunfant e.
O valoroso discípulo do Evangelho sentia a angústia das derradeiras
repercussões físicas; mas, aos poucos, experimentava uma sensação branda
de alívio reparador.
Mãos carinhosas e solicitas pareciam tocá -lo de leve, como
se arrancassem, tão-só nesse contacto divino, as terríveis impressões dos
seus amargurosos padecimentos.
Tomado de surpresa, verificou que o
transportavam a local distante e pensou que amigos generosos desejavam
assisti-lo, em lugar mais conveniente, para que lhe não faltasse a doce
consolação da morte tranqüila.
Depois de alguns minutos as dores haviam desaparecido por completo.
Guardando a impressão de permanecer à sombra de alguma árvore frondosa e
amiga, experimentava a carícia das brisas matinais que passavam em lufadas
frescas.
Tentou levantar-se, abrir os olhos, identificar a paisagem.
Impossível!
334
Sentia-se fraco, qual convalescente de moléstia prolongada e gravíssima.
Reuniu as energias mentais, como lhe foi possivel, e orou, suplicando a Jesus
permitisse o esclarecimento de sua alma, naquela nova situação.
Sobretudo, a falta de visão deixava -o submerso em angustiosa expectativa.
Recordou os dias de Damasco, quando a cegueira lhe invadira os olhos de
pecador, ofuscados pela luz gloriosa do Mestre.
Lem brou o carinho fraternal de
Ananias e chorou ao influxo daquelas singulares reminiscências.
Depois de
grande esforço, conseguiu levantar -se e refletiu que o homem precisava servir
a Deus, ainda que tateasse em densas trevas.
Foi ai que ouviu passos de alguém que se aproxi mava de leve.
Ocorreu-lhe
subitamente o dia inesquecível em que fora visitado pelo emissário do Cristo,
na pensão de Judas.
—Quem sois? — perguntou como o fizera outrora, naquele lance
inolvidável.
—Irmão Paulo.
.
.
— começou a dizer o recém-chegado.
Mas o Apóstolo dos gentios, identificando aquela voz bem-amada,
interrompeu-lhe a palavra, bradando com júbilo inexprimível:
—Ananias!.
.
.
Ananias!.
.
.
E caiu de joelhos, em pranto convulsivo.
—Sim, sou eu — disse a veneranda entidade pou sando a mão luminosa
na sua fronte —; um dia Jesus mandou que te restituisse a visão, para que
pudesses conhecer o caminho áspero dos seus discípulos e hoje, Paulo,
concedeu-me a dita de abrir-te os olhos para a contemplação da vida eterna.
Levanta-te! Já venceste os últimos inimigos, alca nçaste a coroa da vida,
atingiste novos planos da Redenção!.
.
.
O Apóstolo levantou-se afogado em lágrimas de jubilosa gratidão,
enquanto Ananias, pousando a destra nos seus olhos apagados, exclamou
com carinho:
— Vê, novamente, em nome de Jesus!.
.
.
Desde a revelação de Damasco,
dedicaste os olhos ao serviço do Cristo! Contempla, agora, as belezas da vida
eterna, para que possamos partir ao encontro do Mestre amado!.
.
.
Então, o devotado trabalhador do Evangelho re conheceu as maravilhas
que Deus reserva aos seus cooperadores no mundo cheio de sombras.
Tomado de espanto, identificou a paisagem que o rodeava.
Não longe estavam
as catacumbas da Via Apia.
Misteriosas forças o haviam afastado do quadro
triste em que se decompunham os despojos sangrentos.
Sentiu -se jovem e
feliz.
Compreendia, agora, a grandeza do corpo espi ritual no ambiente estranho
aos organismos da Terra.
Suas mãos estavam sem rugas, a epiderme sem
cicatrizes.
Tinha a impressão de haver sorvido um misterioso elixir de
juventude.
Uma túnica de alvura resplandecente envolvia -o em graciosas
ondulações.
Mal despertava do seu deslumbramento, quando alguém lhe bateu
levemente no ombro: Era Gamaliel que lhe trazia um ósculo fraternal.
Paulo de
Tarso sentiu-se o mais ditoso dos seres.
Abraçando -se ao velho mestre e a
Ananias, num só gesto de ternura, exclamava entre lágrimas:
— Só Jesus me poderia conceder alegria igual.
Mal não acabara de o dizer, começaram a chegar velhos companheiros de
lutas terrenas, amigos de outros tempos, irmãos de svelados que lhe vinham
trazer as boas-vindas, ao transpor os umbrais da eternidade.
Os
deslumbramentos do Apóstolo sucediam-se ininterruptos.
Como se ficassem
em Roma, à sua espera, todos os már tires das festividades da véspera
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chegaram cantando, nas proximidades das catacumbas.
Todos queriam abra –
çar o generoso discípulo, oscular -lhe as mãos.
Nesse ínterim, dando a
impressão de nascer em maravilhosas fontes do mais além, ouviu -se uma
cariciosa melodia acompanhada de vozes argentinas, que deviam ser angé –
licas.
Surpreendido com a beleza da composição, intra duzível na linguagem
humana, Paulo ouvia o venerando amigo de Damasco, que explicava solícito:
– Este é o hino dos prisioneiros libertados!.
.
.
Observando-lhe a intensa comoção, Ananias pergun tou qual o seu primeiro
desejo na esfera dos redimidos.
Paulo de Tarso, íntimamente, recordou Abigail
e os anelos sagrados do coração, como aconteceria a qualquer ser humano;
mas, integrado no ministério divino, que manda esquecer os caprichos mais
singelos, e sem trair a gratidão à misericórdia do Cristo, respondeu
comovidamente:
— Meu primeiro desejo seria rever Jerusalém, onde pratiquei tantos males
e, ali, orar a Jesus, para ofertar -lhe o meu agradecimento.
Tão depressa o disse e a luminosa assembléia se punha em movimento.
Assombrado com o poder da voli tação, Paulo observava que as distâncias
nada representavam agora para as suas possibilidades espirituais.
De mais alto continuavam fluindo harmonias de sublimada beleza.
Eram
hinos que exaltavam a ventura dos trabalhadores triunfantes, e a misericórdia
das bênçãos do Todo-Poderoso.
Paulo desejava imprimir à divina excursão o sabor de suas reminiscências.
Para esse fim, o grupo seguiu ao longo da Via Apia até Arícia, de onde se
desviou em direção a Pouzzoles, em cuja igreja se deteve em preces, por
alguns minutos de ventura inigualável.
Daí a caravana espiritual demandou a
Ilha de Malta.
transportando-se em seguida para o Peloponeso, onde Paulo se
extasiou na contemplação de Corinto, dando curso a re cordações carinhosas e
doces.
Inflamados de entusiasmo fraternal, os componentes da caravana
acompanhavam o valoroso discípulo no caminho das sagradas lembranças que
lhe vibravam no coração.
Atenas, Tessalônica, Fili pes, Neápolis, Trôade e
Éfeso foram pontos nos quais o Apóstolo estacionara, demoradamente, orando
com lágrimas de gratidão ao Altíssimo.
Atravessadas as zonas da Panfilia e da Cilícia, entraram na Palestina,
tomados de júbilo e sagrado respeito.
Em todos os caminhos in corporavam-se
emissários e trabalhadores do Cristo.
Paulo não conseguia avaliar a alegria da
chegada a Jerusalém, sob o prodigioso azul do crepúsculo.
Obedecendo ao alvitre de Ananias, reuniram-se no cimo do Calvário e ali
cantaram hinos de esperanças e de luz.
Lembrando os erros do passado amarguroso, Paulo de Tarso ajoelhou -se e
elevou a Jesus fervorosa súplica.
Os companheiros remidos recolheram -se em
êxtase, enquanto ele, transfigurado, em pranto, procurava exprimir a
mensagem de gratidão ao Divino Mestre.
Desenhou-se então, na tela do Infinito, um quadro de beleza singular.
Como se houvesse rasgado a imensurável umbela azul, surgiu na amplidão do
espaço uma senda luminosa e três vultos que se aproximavam radiantes.
O
Mestre estava no centro, conservando Estevão à direita e Abi gail ao lado do
coração.
Deslumbrado, arrebatado, o Apóstolo apenas pôde estender os
braços, porque a voz lhe fugia no auge da comoção.
Lágrimas abundantes
perolavam-lhe o rosto também transfigurado.
Abigail e Estevão adiantaram -se.
Ela tomou-lhe delicadamente as mãos num assomo de ternura, enquanto
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Estevão o abraçava com efusão.
Paulo quis lançar-se nos braços dos dois irmãos de Corinto, beijar -lhes as
mãos no seu arroubo de ventura, mas, qual a criança dócil que tudo devesse
ao Mestre dedicado e bom, proc urou o olhar de Jesus, para sen tir-lhe a
aprovação.
OMestre sorriu, indulgente e carinhoso, e falou:
—Sim, Paulo, sê feliz! Vem, agora, a meus braços, pois é da vontade de
meu Pai que os verdugos e os már tires se reúnam, para sempre, no meu
reino!.
.
.
E assim unidos, ditosos, os fiéis trabalhadores do Evangelho da redenção
seguiram as pegadas do Cristo, em demanda às esferas da Verdade e da
Luz.
.
.
Lá em baixo, Jerusalém contemplava, embevecida, o dilúculo vespertino,
esperando o luar que não tardaria com os primeiros clarões.
.
.
NOTA DA EDITORA: A esta série de romances históricos, pertencem “Há
Dois Mil Anos”, “50 Anos Depois” e “Ave, Cristo!”, todos do mesmo
Autor.
Fim