Contemplando o panorama do mundo, onde os bens e os males
se acham tão desigualmente repartidos, muitos há que não
compreendem a razão de ser dessas anomalias e chegam a descrer
da Justiça de Deus.
Se Ele é soberanamente justo e bom, indagam, por que dá a uns
uma vida repleta de alegrias e satisfações, enquanto a outros
reserva uma sucessão intérmina de agruras e sofrimentos? Por que
uns dormem sob dourados tetos, enquanto outros jazem sobre
palhas, ou tiritam de frio, sem que tenham onde abrigar-se nem
possuam sequer alguns farrapos com que cobrir sua nudez? Por
que uns se banqueteiam regaladamente, todos os dias, enquanto
outros necessitam estender a mão à caridade pública para
conseguir um pedaço de pão com que atendam às exigências do
estômago vazio? Por que algumas damas, ostentando
luxuosíssimos vestidos, adornadas de joias de alto preço, levam
vida despreocupada e risonha, entre acordes de orquestras e
espocar de champanhes, enquanto jovens pálidas e andrajosas
definham ao peso de trabalho rude e estafante? Por que se
concedem, a uns, certos privilégios, que se tornam odiosos ante o
abandono a que outros são relegados?
O que se vê por toda parte não é a mais flagrante iniquidade,
tornando falaciosa a promessa do Cristo de que os famintos e
sedentos de justiça seriam fartos?
De fato, se tivéssemos uma só existência, a doutrinação do
Mestre seria um engodo.
À luz da reencarnação, entretanto, as
diferenças sociais, como de resto todas as desigualdades que tanto
ofendem as almas sensíveis e perquiridoras, não se constituem
expressões do arbítrio divino; são agentes de progresso e
preenchem, transitoriamente, uma necessidade na economia da
evolução individual e coletiva.
Claro que tais diferenças haverão de desaparecer um dia, com
o progresso moral da Humanidade, mas, enquanto isso não venha,
elas subsistirão, malgrado as revoluções, as leis e os discursos que
os homens façam com a finalidade de as abolir.
É que a evolução da espécie humana não é unilateral: deve e
tem de realizar-se sob múltiplos aspectos — queiramos ou não —
passando cada ser por uma infinidade de provas e
experimentações, cujo ensejo lhes é proporcionado pelas diversas
castas e classes em que se dividem as sociedades.
No estado em que os terrícolas nos encontramos, aliás de
grande atraso, sempre que mudamos de posição, mudamos
também de ideias e sentimentos, em conformidade com os novos
interesses e o novo alvo de nossos desejos.
Isso prova bem quão
necessário é ainda que mudemos muitas vezes de posição, através
de sucessivas encarnações, para que, trabalhando, sofrendo,
estudando e adquirindo experiência, pelo melhor conhecimento
das coisas, desenvolva-se em nós o espírito de equidade e de
justiça, indispensável ao nosso progresso individual e à boa
orientação que devemos dar à marcha dos acontecimentos, em
prol do bem coletivo.
Disse Kardec, alhures, que a Terra é um misto de escola,
presídio e hospital, cuja população se constitui, portanto, de
homens incipientes, pouco evolvidos, aspirantes ao aprendizado
das leis naturais; ou inveterados no mal, banidos, para esta colônia
correcional, de outros planetas, onde vigem condições sociais
mais elevadas; ou enfermos da alma, necessitados de expungirem
suas mazelas pelas provações mais ou menos dolorosas e aflitivas.
É natural, pois, que, num meio assim tão heterogêneo, haja
profundas diferenciações na sorte das criaturas, capazes de
provocar clamores e de desnortear, pela sua complexidade,
qualquer sociólogo menos conhecedor do plano divino da
evolução.
Assim, aquelas palavras do Mestre: “Bem-aventurados os que
têm fome e sede de justiça, porque eles serão saciados” (Mateus,
5:6), não se referem, como poderia parecer, aos que,
inconformados com sua condição, protestam, amaldiçoam ou
promovem agitações subversivas, mas sim aos que, qualquer que
seja a classe social em que se encontrem, procuram, de
consciência tranquila, seguir-lhe as pegadas, alimentando a nobre
aspiração de pautar seus próprios atos de conformidade com os
mais altos ideais de justiça e retidão, respeitando
escrupulosamente os direitos de seus semelhantes, procurando
tirar de sua atuação o maior resultado possível para a evolução
própria e o bem alheio.
É com discípulos desse feitio que o Cristo conta como
cooperadores, para a implantação na Terra de um estilo de vida
mais consentâneo com o Direito e a Moral.
Que os verdadeiros cristãos, inspirados no exemplo do Mestre,
que desceu dos cimos da pureza e da perfeição e imergiu neste
mundo corrompido e tenebroso a fim de dar o de que a
Humanidade necessitava para alcançar a redenção, saiam, pois, a
campo, empenhando-se de corpo e alma na construção da
sociedade do porvir.
Há oportunidades para isso em inúmeros setores.
Enquanto
outros derrubam e destroem o que é arcaico e já não convém ao
estágio evolutivo atual, chamem a si a tarefa de desarmar os
espíritos, preparando-os para uma vivência de paz e de concórdia;
lutem para que se reconheça no trabalho o fator supremo do bemestar
coletivo e se assegure aos que o exercem retribuição justa,
suficiente ao atendimento de suas necessidades essenciais;
esforcem-se por infiltrar as luzes do Evangelho em todas as
camadas sociais.
.
.
Quando os homens estiverem suficientemente cristianizados e,
submetendo-se espontaneamente à lei do “amai-vos uns aos
outros”, tenham aprendido a obrar sempre em harmonia com esse
preceito, nenhum conflito de interesse, nenhuma desavença os
dividirá; tratar-se-ão fraternalmente; haverá perfeito
entendimento e concordância entre todos, resolvendo-se todas as
questões sem guerras, sem ditaduras e sem dissídios de espécie
alguma.