“Ouvistes que foi dito aos antigos: não adulterarás.
Eu, porém,
vos digo: todo o que olhar para uma mulher, cobiçando-a, já no
seu coração cometeu adultério com ela.
E se o teu olho direito te serve de escândalo, arranca-o e lançao
fora de ti; porque melhor te é que se perca um dos teus membros
do que todo o teu corpo seja lançado no inferno.
E se tua mão direita te serve de escândalo, corta-a e lança-a
fora de ti; porque é melhor que se perca um dos teus membros do
que todo o teu corpo vá para o inferno.
” (Mateus, 5:27 a 30.
)
Pelas leis moisaicas, às quais o Mestre se refere no texto citado,
quando diz: “Ouvistes que foi dito aos antigos”, o homem só era
considerado adúltero quando consubstanciasse em ato a
infidelidade conjugal.
Jesus, no entanto, veio instituir novos princípios, novos padrões
para a conduta humana, alicerçados na pureza de coração e na
inteireza de caráter, segundo os quais são considerados culposos
não só os atos desonestos, mas até mesmo a intenção de praticalos.
É que, aos olhos de Deus, pouco ou quase nada vale a simples
aparência da virtude, a contenção forçada, quando o espírito arda
em desejos inconfessáveis.
Aquele que pensa no mal, que se compraz na concupiscência,
pela legislação cristã é tão censurável quanto o adúltero, porque,
quase sempre, só a falta de uma ocasião favorável impede que o
seu pensamento erótico se transforme em ato.
Aquele que cai em adultério é porque mentalmente já vinha
concebendo tal aventura, já alimentava essa ideia impura, e pois,
ao concretizá-la, apenas torna manifesto aquilo que se achava
oculto, mas latente no íntimo de seu ser.
Nem sequer pode escusar-se, alegando tenha sido levado a esse
mau passo por uma tentação vinda “de fora”, porquanto a verdade
é que “cada qual é tentado segundo suas próprias fraquezas”.
Jesus, conhecedor profundo da psicologia humana, sabia que
“do coração é que partem os maus pensamentos, os assassínios, os
adultérios, as fornicações, os furtos, os falsos testemunhos, as
blasfêmias e as maledicências” (Mateus, 15:19), e por isso é que
foi incisivo ao declarar: “aquele que olhar para uma mulher,
cobiçando-a, já no seu coração cometeu adultério com ela”.
O que ele quer e espera de nós, não é uma reforma exterior, ou
parcial, mas sim que nos reformemos radicalmente, mediante a
purificação da fonte de nossa vida moral, ou seja, de nosso
coração.
Quando, pois, nos aconselha a arrancar o olho e cortar a mão
que se tornem motivo de escândalo, quer, com essa linguagem
forte e expressiva, significar que é absolutamente necessário
destruirmos em nós mesmos tudo o que possa ser causa de
prevaricações e de sentimentos menos dignos, ainda que, para
isso, tenhamos de impor-nos os maiores sacrifícios.
É possível que alguém julgue isso tudo muito exagerado, e não
compreenda porque o “simples” olhar concupiscente deva
merecer tão severa condenação.
Que esse alguém imagine sua esposa, filha ou irmã sendo
cobiçada por certos indivíduos, cujo olhar parece despir a pessoa
em mira, e depois responda a si mesmo se a coisa continua a
parecer-lhe sem importância.
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