A ocupação da Palestina, naquele tempo, ensejava constantes
motivos de irritação para os judeus.
É que ali, como em todas as regiões que havia conquistado, a
soldadesca romana impunha aos vencidos uma dependência
odiosa e intolerável, tantas as humilhações e os vexames por que
os faziam passar.
Era comum, por exemplo, um oficial romano dirigir-se de um
ponto a outro da Judeia ou da Galileia e, nessas viagens, obrigar
os camponeses judeus que trabalhavam no campo a
interromperem seus afazeres para carregar-lhe pesados fardos.
Da mesma sorte, quem saísse de casa com um destino qualquer,
nunca poderia ter a certeza de que chegaria ao local desejado, pois,
se lhe acontecesse encontrar pelo caminho algum representante
das autoridades dominantes, poderia ser obrigado a retroceder ou
a mudar completamente de direção, para prestar qualquer serviço
que lhe fosse exigido.
Tentasse alguém reagir contra essas arbitrariedades e
conheceria logo o preço de sua ousadia: o sarcasmo e crueldades
inomináveis.
É de calcular-se, portanto, a amargura com que os judeus
tinham de curvar-se em homenagem às bandeiras romanas,
sempre que as viam passar conduzidas pelas tropas de César, e
com que ardor aguardavam o dia em que pudessem sacudir o jugo
do opressor.
***
Achava-se Jesus ensinando ao povo, nas cercanias de uma
cidade que era sede de uma guarnição romana, quando a vista de
uma companhia de soldados fez que seus ouvintes evocassem a
lembrança do infortúnio que pesava sobre o povo israelita.
O Mestre relanceou o olhar pelos que o circundavam e, em suas
faces, viu estampado, de forma indisfarçável, o anseio de vingança
que se aninhava em cada coração.
Percebendo que todos o fitavam ansiosamente, esperando fosse
Ele aquele que houvesse de lhes dar o poder, a fim de esmagarem
seus dominadores, contristou-se, pois bem diferente era a sua
missão, e, retomando a palavra, disse-lhes com brandura:
“Tendes ouvido o que foi dito: olho por olho e dente por dente.
Eu, porém, vos digo: não resistais ao que vos fizer mal.
Se alguém
te ferir na face direita, oferece-lhe também a outra; ao que quer
demandar contigo em juízo, para tirar-te a túnica, larga-lhe
também a capa; e se qualquer te obrigar a caminhar com ele mil
passos, vai com ele ainda mais outros dois mil”.
(Mateus, 5:38 a
41.
)
Expressando-se dessa maneira, é claro que Jesus não estava a
endossar as violências com que a tirania militar da época
acostumara-se a supliciar os subjugados.
Longe disso.
O que Ele quis ensinar nessa oportunidade, como aliás o fez
durante toda a sua vida terrestre, foi que, malgrado a regra
estatuída por Moisés — “olho por olho e dente por dente”, a Lei
do Amor que viera revelar proibia terminantemente as desforras,
as vinditas, não sendo lícito a ninguém vingar-se a si mesmo.
Unicamente a Deus pertence punir, assim os indivíduos como
as nações que transgridam os mandamentos de sua Lei.
Melhor do
que nós, sabe Ele como obrigar os que erram a corrigir o erro
cometido contra os semelhantes.
A oportunidade e a importância desses princípios estabelecidos
pelo Mestre incomparável ressaltam ainda hoje.
Fosse permitido
a cada qual fazer justiça por suas próprias mãos, agindo ao sabor
de sua vontade pessoal, e a vida em sociedade seria muito difícil,
tais os desmandos e excessos que se verificariam.
Talvez se indague: pessoalmente, teve o Cristo ocasião de
exemplificar tão sublime ensinamento?
Sim! Foi oprimido e não teve uma expressão de revolta;
cuspiram-lhe na face e não revidou o ultraje; teve as costas
lanhadas, sem malquerer os que o feriam, e, através dos séculos,
chega até nós, da cruz do Calvário, a oração que proferiu por
aqueles que lhe davam a morte: “Pai, perdoa-lhes, porque não
sabem, o que fazem!”.