Páginas atrás, ficou documentada uma referência sumária àatividade desenvolvida pelos componentes do grupo mediúnico, durante as horas de repouso, através de sonhos e desdobramentos.
Creio que é oportuno desenvolver um pouco mais o conhecimento desse aspecto, que contém importantes conotações, que não devem ser ignoradas, não apenas em termos gerais de Doutrina, como em sua aplicação prática aos trabalhos de desobsessão.
Essa importância ressalta do próprio tratamento que Kardec e seus instrutores deram ao assunto, em “O Livro dos Espíritos”.
Enquanto a questão do sexo dos Espíritos, por exemplo, ocupa cerca de meia página (perguntas 200 a 202), os problemas relacionados com a atividade do Espírito encarnado, quando o corpo encontra-se em repouso, ocupam 23 páginas, no capítulo 8º, sob o título “Da Emancipação da Alma”.
O mesmo interesse encontramos nas obras mediúnicas em geral, mas, de maneira muito especial, no opulento acervo de informações que nos transmitiram André Luiz, Emmanuel, Bezerra de Menezes Manoel Philomeno de Miranda e outros, através de médiuns de absoluta confiança e respeito.
Por esses ensinamentos, concluímos ser muito intensa a atividade do espírito parcialmente liberto pelo sono natural ou provocado.
Na verdade, ficou bem claro, em Kardec, que o espírito encarnado aproveita-se, com satisfação, da oportunidade de escapar da prisão corporal, sempre que pode, e que a atividade desenvolvida, nesses estados de libertação parcial, reflete-se nos sonhos.
É nesse estado que ele consegue entrar na posse de algumas das suas faculdades superiores, pelo acesso aos arquivos da sua memória integral.
Daí lembrar-se de encarnações passadas e até mesmo, em situações especiais, afastar a densa cortina que encobre o futuro.
Nesse estado de liberdade parcial, o encarnado cultiva intenso intercâmbio com encarnados e desencarnados, segundo seus interesses e afinidades.
Resumindo, com palavras suas, os ensinamentos recebidos, Kardec escreveu isto:
“Os sonhos são efeito da emancipação da alma, que mais independente se torna pela suspensão da vida ativa e de relação.
Daí uma espécie de clarividência indefinida que se alonga até aos mais afastados lugares e até mesmo a outros mundos.
Daí também a lembrança que traz à memória acontecimentos da precedente existência ou das existências anteriores.
As singulares imagens do que se passa ou se passou em mundos desconhecidos, entremeados de coisas do mundo atual, é que formam esses conjuntos estranhos e confusos, que nenhum sentido ou ligação parecem ter.
A incoerência dos sonhos ainda se explica pelas lacunas que apresenta a recordação incompleta que conservamos do que nos apareceu quando sonhávamos.
É como se a uma narração se truncassem as frases ou trechos ao acaso.
Reunidos depois, os fragmentos restantes nenhuma significação racional teriam.
”
Ao cuidar, mais adiante (questão 425), do sonambulismo, os instrutorês conceituam-no como “estado de independência do Espírito, mais completo do que no sonho, estado em que maior amplitude adquirem suas faculdades.
A alma tem então percepçães de que não dispõe no sonho, que é um estado de sonambulismo imperfeito”.
“No sonambulismo — prosseguem —, o Espírito está na posse plena de si mesmo.
Os órgãos materiais, achando-se de certa forma em estado de catalepsia, deixam de receber as impressões exteriores.
Esse estado se apresenta principalmente durante o sono, ocasião em que o Espírito pode abandonar provisoriamente o corpo, por se encontrar este gozando do repouso indispensável àmatéria.
” (O primeiro destaque é do original; o segundo, desta transcrição.
)
Acrescentam, ainda, para não deixar dúvidas, que não existe diferença entre o sonambulismo provocado e o natural.
Isto significa, portanto, para efeitos práticos, que os companheiros desencarnados que orientam os trabalhos dos grupos mediúnicos dispõem de amplas possibilidades de colaboração da parte dos componentes encarnados, enquanto estes repousam.
Na verdade, a experiência indica-nos claramente que a atividade em desdobramento, durante as horas do sono, é mais intensa e extensa do que o curto período de uma hora ou duas, em que se desenvolve a tarefa mediúnica propriamente dita.
O planejamento e o preparo das sessões é todo feito no mundo espiritual, sob a direção de competentes e dedicados servidores do Cristo.
Em diferentes oportunidades, nossos mentores têm-se referido às reuniões de que participamos, às incursões no submundo do desespero, de onde resgatamos seres alucinados de dor e desorientação, e até mesmo a sessões mediúnicas, com incorporação e doutrinação, tal como aqui, entre os encarnados.
Lembranças residuais dessa atividade permanecem em nossa memória de vigília, ao despertarmos, e é de utilidade ao trabalho mediúnico observá-las com atenção e interesse, como, também, procurar predispor-se positivamente às tarefas noturnas, enquanto o espírito se acha desdobrado pelo sono.
Para isto, recomenda-se que, na prece que precede o sono, coloquemo-nos à disposição dos nossos amigos espirituais para as humildes tarefas que estiverem ao nosso alcance realizar junto deles, e peçamos a proteção divina para toda a atividade a desenrolar-se além das fronteiras da matéria bruta.
Essa atividade é realizada por equipes bem adestradas e precisamos estar afinados com seus componentes, para que, em lugar de colaborar, não resulte nossa canhestra interferência em agravação de suas dificuldades.
Bem sabemos, hoje, pelos informes da Doutrina Espírita, dos riscos que corre o Espírito desatento e desprevenido, em tais desdobramentos.
Os autores espirituais de “O Livro dos Espíritos” foram inequívocos nesse, como em todos os outros pontos de seus ensinamentos.
Aqueles que se sintonizarem com as faixas inferiores.
.
.
“.
.
.
vão, enquanto dormem, ou a mundos inferiores à Terra, onde os chamam velhas afeições, ou em busca de gozos quiçá mais baixos do que os em que aqui se deleitam.
Vão beber doutrinas ainda mais vis, mais ignóbeis, mais funestas do que as que professam entre vós.
” (Destaques meus.
)
Muitos ignoram como isso é autêntico, duma trágica e dolorosa autenticidade.
Companheiros encarnados, até mesmo declarada-mente espíritas, comparecem a esses núcleos de alucinação dos sentidos, ou aos centros de irradiação de doutrinas nefastas que tentam, aqui, entre nós, implantar, como “reformulações”, “modernizações” e “atualizações” da Doutrina Espírita, ou fundam movimentos paralelos, tão logo lhes seja possível apossarem-se de organizações terrenas que lhes forneçam a base de que necessitam para os seus propósitos.
É lá, nessas regiões tenebrosas, que se praticam as mais lamentáveis formas de lavagem cerebral e hipnose; é lá que são programados, com extremo cuidado e competência, os pobres instrumentos humanos que regressam ao nosso meio para espalhar a discórdia, o desentendimento, a dissensão, tudo muito sutil, a princípio, quase imperceptivelmente.
É lá que se forjam pactos sinistros de apoio mútuo, em que se envolvem tantos companheiros promissores.
No que diz respeito ao trabalho específico da desobsessão, portanto, todo cuidado é pouco com a atividade em desdobramento, a fim de que não ponhamos a perder, nas horas em que repousa o nosso corpo físico, as modestas conquistas que porventura tenhamos conseguido realizar na vigília.
É preciso, porém, evitar a conclusão apressada de que todo sonho tenha algo a ver com o trabalho mediúnico que estejamos realizando ou que qualquer lembrança de atividade em desdobramento é aproveitável.
— “Na maioria das vezes — esclarece Emmanuel, em “O Consolador”, questão 49 — o sonho constitui atividade reflexa das situações psicológicas do homem no mecanismo das lutas de cada dia, quando as forças orgânicas dormitam em repouso indispensável.
Em determinadas circunstâncias, contudo, como nos fenômenos premonitórios, ou nos de sonambulismo, em que a alma encarnada alcança elevada porcentagem de desprendimento parcial, o sonho representa a liberdade relativa do espírito prisioneiro da Terra, quando, então, se poderá verificar a comunicação inter vivos, e, quanto possível, as visões proféticas, fatos esses sempre organizados pelos mentores espirituais de elevada hierarquia, obedecendo a fins superiores, e quando o encarnado em temporária liberdade pode receber a palavra e a influência diretas de seus amigos e orientadores do plano invisível.
” (Destaques meus.
)
Atenção, pois, com o material onírico, que precisa ser examinado, selecionado, criticado e aproveitado com prudência, porque qualquer empolgamento já é suspeito.
Os companheiros espirituais mais responsáveis não agem à base de inconseqüências e entusiasmos injustificados.
Mesmo nos momentos de maior alegria, pela solução de um caso particularmente difícil e delicado, eles se apresentam emocionados, por certo, mas sóbrios, serenos, gratos, equilibrados.
Cuidado, pois, com “revelações” sensacionais, com “missões” importantes, com elogios descabidos, com encontros com Espíritos que se apresentam sob identidades pomposas.
André Luiz adverte-nos, em “Evolução em Dois Mundos”, dos riscos que o Espírito encarnado corre durante o desprendimento do sono, quando.
.
.
“.
.
.
recolhe (.
.
.
) os resultados de seus próprios excessos, padecendo a inquietação das vísceras ou dos nervos injuriados pela sua rendição à licenciosidade, quando não seja o asfixiante pesar do remorso por faltas cometidas, cujos reflexos absorvem do arquivo em que se lhe amontoam as próprias lembranças.
”
E mais:
“Numa e noutra condição, todavia, é a mente suscetível àinfluenciação dos desencarnados que, evoluídos ou não, lhe visitam o ser, atraidos pelos quadros que se lhe filtram da aura, ofertando-lhe auxílio eficiente quando se mostre inclinada à ascensão de ordem moral, ou sugando-lhe as energias e assoprando-lhe sugestões infelizes quando, pela própria ociosidade ou intenção maligna, adere ao consórcio psíquico de espécie aviltante, que lhe favorece a estagnação na preguiça ou a envolve nas obsessões viciosas pelas quais se entrega a temíveis contratos com as forças sombrias.
” (Destaques meus.
)
Mas, não é só isso:
— “Quando encarnados, na Crosta — observa Sertório, em “Missionários da Luz” —, não temos bastante consciência dos serviços realizados durante o sono físico; contudo, esses trabalhos são inexprimíveis e imensos.
Se todos os homens prezassem seriamente o valor da preparação espiritual, diante de semelhante gênero de tarefa, certo efetuariam as conquistas mais brilhantes, nos domínios psíquicos, ainda mesmo quando ligados a envoltórios inferiores.
Infelizmente, porém, a maioria se vale, inconscientemente, do repouso noturno para sair à caça de emoções frívolas ou menos dignas.
Relaxam-se as defesas próprias e certos impulsos, longamente sopitados durante a vigília, extravasam em todas as direções, por falta de educação espiritual, verdadeiramente sentida e vivida.
” (Destaques meus.
)
Ouçamos agora Aulus, em “Nos Domínios da Mediunidade”:
– “Raros Espíritos encarnados conseguem absoluto domínio de si próprios, em romagens de serviço edificante fora do carro de matéria densa.
Habituados à orientação pelo corpo físico, ante qualquer surpresa menos agradável, na esfera de fenômenos inabituais, procuram instintivamente o retorno ao vaso carnal, à maneira do molusco que se refugia na própria concha, diante de qualquer impressão em desacordo com os seus movimentos rotineiros.
” (Destaques meus.
)
Aliás, seria bom reler todo o capítulo 11 — “Desdobramento em serviço”, dessa obra, tanto quanto o capítulo 21 — “Desdobramento”, de “Mecanismos da Mediunidade”, que estuda o sono, o sonho e o desdobramento espiritual.
Vejamos, por exemplo, esta observação, já nos parágrafos finais do capítulo:
“É imperioso notar, porém, que considerável número de pessoas, principalmente as que se adestraram para esse fim, efetuam incursões nos planos do Espírito, transformando-se, muitas vezes, em preciosos instrumentos dos Benfeitores da Espiritualidade, como oficiais de ligação entre a esfera física e a esfera extrafísica.
” (Destaques meus.
)
Não faltam, pois, advertências muito pormenorizadas sobre a responsabilidade do trabalho que se realiza nas chamadas horas “mortas” da noite.
Do ponto de vista do espírito, não resta dúvida de que são mais vivas, essas horas, do que as de vigília.
Insistimos, pois, em enfatizar que o assunto merece cuidadoso estudo, profundas meditações e cautelosa aplicação prática, pois as responsabilidades envolvidas são enormes.
Por outro lado, não nos deve atemorizar o vulto de tais responsabilidades.
André Luiz assegura-nos que podemos ser adestrados para essa atividade, com real proveito para o nosso trabalho e, logicamente, para o nosso desenvolvimento espiritual.
Cautela, sim; temor, não, O temor paralisa, imobiliza os esforços, na ansiosa expectativa.
É preciso vencer a inibição inicial e caminhar.
A prece será sempre boa conselheira, a par de recomendações óbvias, que ressaltam dos textos que examinamos aqui, e de outros que o leitor descobrirá: vigilância com os próprios hábitos diários, cuidado com a alimentação, atenção com a saúde do corpo físico, desejo de aprender, para servir melhor.
Antes de encerrar estas notas, uma observação ainda parece oportuna e necessária.
Com freqüência, nossos médiuns contam-nos episódios em que participaram de trabalhos no plano espiritual, nos quais funcionaram como médiuns, também lá, desdobrados.
Isso é perfeitamente possível e tem o decidido suporte da experiência.
Em casos de meu conhecimento, nossos médiuns compareceram a reuniões de instrução e funcionaram mediunicamente, transmitindo mensagens de outros planos, sempre que para isto se prepararam devidamente.
É possível, porém, um desdobramento, depois de já desdobrado do corpo físico, ou separado dele definitivamente, pela desencarnação? Não temos o direito de pôr sob suspeita o testemunho de alguns companheiros de confiança, como, por exemplo, André Luiz, em “Nosso Lar”, capítulo 36 — “O Sonho”, ao encontrar-se em plano muito elevado, em companhia do luminoso Espírito de sua mãe: “O sonho não era propriamente qual se verifica na Terra.
Eu sabia, perfeitamente, que deixara o veículo inferior no apartamento das Câmaras de Retificação, em “Nosso Lar”, e tinha absoluta consciência daquela movimentação em plano diverso.
Minhas noções de espaço e tempo eram exatas.
A riqueza de emoções, por sua vez, afirmava-se cada vez mais intensa.
” (Destaques meus.
)
Disso tudo podemos sumarizar uma observação final: a maior parte do trabalho mediúnico, não é a que se realiza em torno da mesa, no dia da sessão; é a que se desdobra para além dos nossos grosseiros sentidos físicos, enquanto nosso corpo repousa.
Aqui e ali, em modestas posições de meros aprendizes, participamos de tais atividades.
Tenhamos cuidado para não comprometê-los com o nosso despreparo e a nossa incúria.
Aproximemo-nos com respeito da hora em que nos preparamos para adormecer, cansados das lutas do dia.
Os companheiros que nos estão esperando podem ser aqueles que nos arrastam para os porões escuros do desvario, ou os que nos guiam os passos incertos nas trilhas do bem.
Depende de nós a decisão: vamos pela escura e tortuosa viela que desce, ou preferimos a estrada que sobe, reta e iluminada?