A infância, construtora da vida psicológica do ser humano, deve ser experienciada com amor e em clima de harmonia, a fim de modelá-lo para todos os futuros dias da jornada terrestre.
Os sinais das vivências insculpem-se no inconsciÂente com vigor, passando a escrever páginas que não se apagam, quase sempre revivendo os episódios que desencadeiam os comportamentos nos vários períodos por onde transita. Quando são agradáveis as impresÂsões decorrentes dos momentos felizes, passam a fazer parte da auto-realização, contribuindo poderosamente para o despertar do Si profundo, que vence as barreiÂras impeditivas colocadas pelo ego. Se negativas, perÂturbam o desenvolvimento dos valores éticos e comÂportamentais, gerando patologias psicológicas avassaÂladoras, que se expressam mediante um ego dominaÂdor, violento, agressivo, ou débil, pusilânime, díbio, pessimista, depressivo.
Essas marcas são quase que impossíveis de ser apaÂgadas do inconsciente atual, qual aconteceria com a mossa provocada por uma pressão ou golpe sob superÂfície delicada que, por mais corrigida, sempre permaÂnece, mesmo que pouco perceptível.
A busca da realização pessoal deve iniciar-se na auto-superação, mediante vigorosa auto-análise das necessidades reais relacionadas com as aparentes, aqueÂlas que são dominadoras no ego e não têm valor real, quase nunca ultrapassando exigências e caprichos da imaturidade psicológica.
Para o cometimento, são necessárias as progressiÂvas regressões aos diferentes períodos vividos da juÂventude e da infância, até mesmoà fase de recém-nasÂcido, quando o Self verdadeiro foi substituído pelo ego artificial e dominador. Foi nessa fase que a inocência infantil foi substituída pelo sentimento de culpa, em razão da natural imposição dos pais, no lar, e, por exÂtensão dos adultos em geral em toda parte. Mais tarde, identificando-se errada, em razão de não haver conseguido modificar os pais, nem vencer a teimosia dos adultos, mascara-se de feliz, de virtuosa, perdendo a integridade interior, a pureza, aprendendo a parecer o que a todos agrada ao invés de ser aquilo que realmenÂte é no seu mundo interior.
Esse trabalho de progressão regressiva que se pode lograr mediante conveniente terapia é muito doloroso, porque o paciente se recusa inconscientemente a aceiÂtar os erros, como forma de defesa do ego e, por outro lado, por medo do enfrentamento com todos esses meÂdos aparentemente adormecidos. O seu despertar asÂsusta, porque conduz a novas vivências desagradáveis. O ego, no seu castelo, conseguiu mecanismos de defeÂsa e domina soberano, reprimindo os sentimentos e disÂfarçando os conflitos, porquanto sabe que a liberação desses estados interiores pode levarà agressividade ou ao mergulho nas fugas espetaculares da depressão.
Todos os indivíduos, de alguma forma, sentem-se desamparados em relação aos fatores que regem a vida: os fenômenos do automatismo fisiológico, o medo da doença insuspeita, da morte, do desaparecimento de pessoas queridas, as incertezas do destino, os fatores mesológicos, como tempestades, terremotos, erupções vulcânicas, acidentes, guerras… De algum modo, essa sensação de insegurança, de desamparo provém da inÂfância ” ou de outras existências ”, quando se sentiu dominado, sem opção, sujeito aos impositivos que lhe eram apresentados, fazendo que o amor fosse retirado do cardápio existencial.
Tal sentimento contribui para a análise do probleÂma da sobrevivência, que é o mais importante, ainda não solucionado no inconsciente.
Eis porque é necessário liberar esses conflitos perÂturbadores, reprimidos, para que a criança inocente, pura, no sentido psicológico, bem se depreende, volte a viver integralmente.
Inicia-se, então, o maravilhoso processo de teraÂpia para a busca da realização. Sob o controle do teraÂpeuta, esse direcionamento se orienta para a criativiÂdade, através da qual o paciente expressa um tipo de sentimento mas vive noutra situação. Essas emoções antagônicas devem ser trabalhadas pelo técnico, para depois serem vividas pelo indivíduo, que passa a perÂmitir que tudo aconteça naturalmente sem novas presÂsões, nem castrações, nem dissimulações. Passa a eliÂminar a raiva reprimida, que é direcionada contra obÂjetos mortos, sem caráter destrutivo, a angístia pode expressar-se, porque sabe estar sob assistência e contar com alguém que ouve e entende o conflito.
Posteriormente, o paciente se transforma no seu próprio terapeuta, no dia-a-dia, por ser quem controlará os sentimentos desordenados e mediante a criativiÂdade, começa a substituir o que sente no momento pelo que gostaria de conquistar, transferindo-se de patamar mental-emocional até alcançar a realização pessoal.
Nesse processo, surgem a liberação das tensões musculares, a identificação com o corpo no qual se movimenta e que passa a exercer conscientemente uma função de grande importância no seu comportamento, movendo-se de forma adequada.
A seguir, identifica a necessidade de experimentar prazeres, sem a consciência de culpa que as religiões ortodoxas castradoras lhe impuseram, transferindo-se das províncias da dor ” como necessidade de sublimaÂção ” para o prazer agradável, renovador, que não subÂjuga nem produz ansiedade. O simples fato de recoÂnhecer a necessidade que tem de experimentar o praÂzer sem culpa, auxilia-o no amor ao corpo, na moviÂmentação dos mísculos, eliminando as tensões físicas, derivadas daqueloutras de natureza emocional, assim aprendendo a viver integralmente, a conquistar a realiÂzação pessoal.
É indispensável também aceitar-se, compreender que os seus sentimentos são resultado das aquisições intelecto-morais do processo evolutivo no qual se enÂcontra situado. Sem a perfeita compreensão-aceitação dos próprios sentimentos, é muito difícil, senão improÂvável, a conquista da realização. Naturalmente terá que se empenhar para superar os sentimentos depressivos, excessivamente emotivos e perturbadores ou indiferenÂtes e frios, de forma que a valorização de si mesmo faça parte do seu esquema de crescimento interior, o que lhe facultará alcançar as metas estabelecidas.
Por outro lado, a identificação da própria fragilidade leva-o a uma atitude de humildade perante a vida e a si mesmo, porque percebe que o ser psicológico está profundamente vinculado ao fisiológico e vice-versa. Misturam-se a funções em determinado momento de consciência, quando percebe que algumas tensões musÂculares e diversas dores físicas são consequência daÂquelas de natureza psicológica, ou por sua vez, estas íltimas têm muito a ver com a couraça que restringe os movimentos e os entorpece.
De fundamental importância também a constataÂção e a aceitação da necessidade da humildade, que o ajuda a descobrir-se sem qualquer presunção nem medo dos desafios, enfrentando os fatores existenciais com naturalidade e autoconfiança, não extrapolando o próÂprio valor nem o subestimando. Essa humildade dar-lhe-á forças para ampliar o quadro de relacionamento interpessoal, de auxiliar na fraternidade, percebendo que a sua individualidade não pode viver plena sem a comunidade de que faz parte e deve trabalhá-la para auxiliá ”la no seu progresso.
Com a humildade, o indivíduo descobre-se crianÂça, e essa verificação representa conquista de maturiÂdade psicológica, que lhe faculta liberar esses sentimenÂtos pertencentes ao período mágico da infância.
Jesus, na sua condição de Psicoterapeuta por exceÂlência, demonstrou que era necessário volver a essa fase de pureza, de dependência, no bom sentido, de humilÂdade, quando enunciou, peremptório: … Se não vos fiÂzerdes como crianças, de modo algum entrareis no reino dos céus. Quem, pois, se tomar humilde como uma criança, esse será maior no reino dos céus. (*)
O enunciado, do ponto de vista psicológico, apela
(*) Mateus 18: 3 e 4 ” Nota da Autora espiritual.
para a auto-realização, a penetração no reino dos céus da consciência reta e sem mácula, assinalada pelos ideÂais de dignificação humana.
A criança é curiosa, espontânea, alegre, sem aridez, rica de esperanças, motivadora, razão de outras vidas que nas suas existências se enriquecem e encontram sentido para viver.
A busca da realização conduz o indivíduo ao cresÂcimento moral e espiritual sem culpa ante as imposiÂções da organização fisiológica, que lhe propõe o praÂzer para a própria sobrevivência e faz parte ativa da realidade social que deve constituir motivo de estímuÂlo para a vitória sobre o egoísmo e as paixões perturbaÂdoras.